tag:blogger.com,1999:blog-22384461919345459492024-02-20T12:33:55.734-08:00Trialética Spin"TRIALÉTICA
a. Supera a dialética por ser infinito.
b. Logo, Trialética é o todo.
c. A unidade é a Trialética." trialética social aquariana, do expresário Luiz Antônio, que atuava no campo da esquerda, ele era filiado ao PT...fiz uma busca e não achei nada sobre o tema...fica como sendo debate entre 3 forças: duas opostas e uma mediadora. Consta no dicionário "fil em sentido bastante genérico, oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos."José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comBlogger7125tag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-72861059810901228092018-04-29T23:56:00.001-07:002018-04-29T23:59:06.154-07:00Trialética Conceitual: Uma Perspectiva Para A Compreensão Do Lugar<div class="header" style="background-color: white; margin: 10px 0px;">
<span style="color: #3a3a3a; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12px;">Livro. Autor: Ueliton Lemos dos Santos (<a href="https://www.escavador.com/sobre/7196544/ueliton-lemos-dos-santos">https://www.escavador.com/sobre/7196544/ueliton-lemos-dos-santos</a>)</span></div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 1.5em;">
<br /></div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; line-height: 1.5em;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: 13px;">Sinopse trialética conceitual: uma perspectiva para a compreensão do lugar</span></span></div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 1.5em;">
<br /></div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 1.5em;">
A discussão acerca da dinâmica social tem sido pauta de intensos debates nos mais variados espaços, tanto em ambientes acadêmicos quanto em plenárias legislativas. Esse fato evidencia a atual necessidade de compreensão do território, sua constituição identitária e desenvolvimento social. Desde os acadêmicos às autoridades públicas necessitam compreender as particularidades dos espaços urbanos. Por esse motivo, este livro busca despertar e encaminhar seu leitor nos conceitos interfaceados da Geografia com a Filosofia, possibilitando profundas reflexões contextualizadas e novas inquietações acerca da atual conjuntura social.</div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 1.5em;">
<br /></div>
<div class="wd-descriptions-text" style="background-color: white; clear: both; line-height: 1.5em;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: 13px;"><a href="https://www.ciadoslivros.com.br/orfanato-peregrine/trialetica-conceitual-uma-perspectiva-para-a-compreensao-do-lugar-697431-p533368">https://www.ciadoslivros.com.br/orfanato-peregrine/trialetica-conceitual-uma-perspectiva-para-a-compreensao-do-lugar-697431-p533368</a></span></span></div>
José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-16764949119637607912018-04-29T23:36:00.001-07:002018-04-29T23:36:14.378-07:00A tríade espacial de Brasília, por Soja<h3 class="r" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 18px; font-weight: normal; margin: 0px; overflow: hidden; padding: 0px; text-overflow: ellipsis; white-space: nowrap;">
<a href="http://books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf" ping="/url?sa=t&source=web&rct=j&url=http://books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf&ved=0ahUKEwjfhZ-ireHaAhUGlJAKHU0QC2kQFggzMAI" style="color: #660099; cursor: pointer; text-decoration-line: none;">Introdução - SciELO Livros</a><img height="12" name="kl_1525070081768" src="data:image/png;base64,iVBORw0KGgoAAAANSUhEUgAAABAAAAAQCAYAAAAf8/9hAAAACXBIWXMAAAsSAAALEgHS3X78AAAB3ElEQVQ4jY2TPWhTURTH/+e8l7QNJg0qCJpCSdEnONTFDk5udfILs9mS6iJYpI4VnURXUcRJrFG3gm3tXLpIxaUUIVA/iLRJayQ2Nk1q7cu99zjUF/JhQv7jOff/O+fcwyERAQAQEaoVjsdOirgP93L+W5svJpeq8xVfPWD/yPkepekBWbjETl8nM0h9XtkRV72xLbmdn5hJ/xdw4OaVkC6U7oBwg6MRH0d7fGTbQDoLIYKUXa2/rO5C6SdWOHh/4/HrLQCwvZZUoZi2Dh/ysdPbRZ0dNeOQCMj2WXTiaMCUtsdUKn0dQHcNAEZCVr+DViJjYAW6/NqI34txS0eVIqEwRgfONMTbApyORDE3PIbF9dX2AKPHTyESCFbMExeGMTL9EguZVHuAxY3vmBscwtkjfS3NTQELuQzi72bwaGAQ8elEUzNQtQUiLsmf3X3eCt/n1uBMPQUy2bqSDCIuNXQgjHnJ5kzTUt47rUQY8w0AG2ZcLX/bkc2t5m5mlJdTv22Y8QZAPjGbBPHl8oePRb2yruu9BjBu8msRGrF8YjZZGb3+mA5ePee4ip9xoKOfj/UGSRuYtR/b+ldxyW/paz+fv/0EtLhGT91DF2NgubtXnu4VXk1N1vzFP99f037PUFbu4yIAAAAASUVORK5CYII=" style="height: 12px; width: 12px;" width="12" /></h3>
<div class="s" style="background-color: white; color: #545454; font-family: arial, sans-serif; font-size: small; line-height: 18px; max-width: 48em;">
<div class="f hJND5c TbwUpd" style="color: grey; height: 18px; line-height: 16px; white-space: nowrap;">
<cite class="iUh30" style="color: #006621; font-size: 14px; font-style: normal;">books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf</cite><div class="action-menu ab_ctl" style="display: inline; margin: 1px 3px 0px; position: relative; user-select: none; vertical-align: middle;">
<a aria-expanded="false" aria-haspopup="true" aria-label="Detalhes do resultado" class="GHDvEf ab_button" data-ved="0ahUKEwjfhZ-ireHaAhUGlJAKHU0QC2kQ7B0INDAC" href="https://www.google.com.br/search?ei=_K7mWsaEGMO0wQTAlZ-4Dw&q=trial%C3%A9tica&oq=trial%C3%A9tica&gs_l=psy-ab.3..0j0i30k1j0i10i30k1.2694.4596.0.5342.10.10.0.0.0.0.125.1183.0j10.10.0....0...1c.1.64.psy-ab..0.10.1180...0i67k1j0i131k1.0.tohbNu5mZpQ#" id="am-b2" jsaction="m.tdd;keydown:m.hbke;keypress:m.mskpe" role="button" style="background-image: none; border-radius: 0px; border: 0px; box-shadow: 0px 0px 0px 0px; color: grey; cursor: default; display: inline-block; filter: none; font-size: 11px; font-weight: bold; height: 12px; line-height: 27px; margin: 1px 0px 2px; min-width: 0px; padding: 0px; text-align: center; text-decoration-line: none; transition: none; user-select: none; width: 13px;"><span class="mn-dwn-arw" style="border-color: rgb(0, 102, 33) transparent; border-style: solid; border-width: 5px 4px 0px; height: 0px; left: 0px; margin-left: 3px; margin-top: -4px; position: absolute; top: 7.5px; width: 0px;"></span></a><div class="action-menu-panel ab_dropdown" data-ved="0ahUKEwjfhZ-ireHaAhUGlJAKHU0QC2kQqR8INTAC" jsaction="keydown:m.hdke;mouseover:m.hdhne;mouseout:m.hdhue" role="menu" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 1px solid rgba(0, 0, 0, 0.2); box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 2px 4px; font-size: 13px; left: 0px; padding: 0px; position: absolute; right: auto; top: 12px; transition: opacity 0.218s; visibility: hidden; z-index: 3;" tabindex="-1">
<ol style="border: 0px; margin: 0px; padding: 0px;">
<li class="action-menu-item ab_dropdownitem" role="menuitem" style="border: 0px; cursor: pointer; list-style: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: none;"><a class="fl" href="http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:6OF_DDVo4_MJ:books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br" ping="/url?sa=t&source=web&rct=j&url=http://webcache.googleusercontent.com/search%3Fq%3Dcache:6OF_DDVo4_MJ:books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf%2B%26cd%3D3%26hl%3Dpt-BR%26ct%3Dclnk%26gl%3Dbr&ved=0ahUKEwjfhZ-ireHaAhUGlJAKHU0QC2kQIAg2MAI" style="color: #333333; cursor: pointer; display: block; font-size: 14px; outline: 0px; padding: 7px 18px; text-decoration-line: none;"></a></li>
</ol>
</div>
</div>
</div>
<span class="st" style="line-height: 1.4; word-wrap: break-word;">elaborado por Soja (1996; 2000), tendo em vista subsidiar as análi- ses sobre o espaço metropolitano de Brasília. A conceitualização da <span style="color: #6a6a6a; font-weight: bold;">trialética</span> espacial de Soja, embora efetiva- mente presente apenas a partir do segundo livro de sua trilogia7 de- dicada a analisar a sociedade com uma preocupação eminentemente</span></div>
<br />
<br />
(...)<br />
<br />
Abordando as relações entre o vivido e o concebido,<br />
Lefebvre mostra-nos que o vivido, âmbito<br />
de imediatidades, não coincide com o concebido.<br />
Entre um e outro opera uma zona de “penumbra”<br />
na qual opera o percebido. O percebido corresponde<br />
a algum nível de entendimento do mundo,<br />
funda atos, relações, conceitos, valores, mensagens,<br />
verdades... O percebido do mundo está,<br />
inexoravelmente, envolto em representações, e<br />
portanto situa-se no movimento dialético, que<br />
nunca cessa, entre o concebido e o vivido.<br />
(Seabra, 1996, p.80)<br />
Este livro tem a finalidade de compreender a configuração do<br />
espaço metropolitano de Brasília, diferenciando-se de outros porque<br />
a análise se faz sob a ótica da vida quotidiana e da produção do<br />
espaço vivido como síntese da relação entre os espaços percebido e<br />
concebido, sumariamente esboçada na citação de Seabra.<br />
A análise sobre a capital federal terá como pano de fundo uma<br />
discussão teórica acerca do espaço geográfico e da relação espaçosociedade<br />
a partir do diálogo com autores como Henri Lefebvre<br />
e Edward Soja, além de outros da Geografia e das demais ciências<br />
preocupadas com a dimensão espacial da sociedade.<br />
<a name='more'></a><br />
16 IGOR CATALÃO<br />
Essa escolha teórica diz respeito ao meu comprometimento com<br />
a teoria espacial a partir da abordagem que toma por conceito a produção<br />
do espaço (Lefebvre, 1976 [1973]; 2000 [1974]).<br />
Pensando o espaço<br />
Ao longo dos anos, muitas têm sido as tentativas de conce<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 17<br />
verdade, sempre foi tratado a partir de perspectivas de análise com<br />
enfoques diferentes, sem preocupação com uma possível unidade,<br />
que podem ser agrupadas em três campos: um físico, relacionado,<br />
sobretudo, à dinâmica e às leis da natureza, do cosmos; um mental,<br />
referente à abstração e ao pensamento lógico formal; e um terceiro,<br />
social, ligado à organização e ao desenvolvimento das relações sociais.<br />
Assim, do ponto de vista de Lefebvre (idem), em termos espaciais,<br />
têm-se: o espaço percebido, aquele da prática espacial; o espaço<br />
concebido, relacionado às representações do espaço; e o espaço vivido,<br />
referente aos espaços de representação. Para o autor, essa tríade<br />
espacial jamais pode ser tomada como um modelo abstrato, distanciado<br />
da concretude da vida, sob pena de perder sua força teórica.<br />
Interconectados que estão os três campos, inter-relacionando-se e<br />
mesmo superpondo-se (Soja, 1993), é fácil a um indivíduo passar,<br />
no quotidiano, de um campo a outro sem percalços, pois, segundo<br />
Dear (1994), cada um desses campos expressa-se, ora mais, ora menos,<br />
consoante o contexto social local. Outrossim, é enfocando esses<br />
três campos espaciais, que estou denominando dimensões do espaço,<br />
que pretendo analisar o processo de metropolização de Brasília.<br />
O esforço de Lefebvre (2000) direciona-se, então, para alcançar<br />
um conhecimento propriamente do espaço, superando as análises<br />
que se focam mais sobre as coisas existentes no espaço ou as que se<br />
restringem apenas ao plano de um discurso espacial.3<br />
Esse conhecimento<br />
do espaço só pode ser alcançado por meio de uma análise que<br />
considere as três dimensões supracitadas, de forma a reconhecer<br />
que tanto o espaço percebido quanto o concebido e o vivido são,<br />
fundamentalmente, o mesmo espaço tomado em dimensões de aná-<br />
lise distintas. Essas dimensões, no plano do quotidiano, porém, não<br />
se dissociam, mas têm igual importância para a vida em sociedade e<br />
incidem diretamente nela.<br />
3 “Sem esse conhecimento, somos levados a transferir para o nível do discurso,<br />
da linguagem per se – isto é, o nível do espaço mental – uma larga porção dos<br />
atributos e ‘propriedades’ daquilo que é, na verdade, o espaço social” (Lefebvre,<br />
1991, p.7, tradução nossa, destaque do autor).<br />
18 IGOR CATALÃO<br />
A teoria unitária espacial em Lefebvre (idem) consiste em compreender<br />
que o espaço é, antes de tudo, social. Para a Geografia,<br />
como ciência dedicada à compreensão espacial da sociedade, essa<br />
afirmação implica considerar que as análises devem obrigatoriamente<br />
levar em conta a implicação social que têm quaisquer fenômenos<br />
de ordem espacial, já que o espacial não pode mais ser entendido<br />
como a dimensão do fixo, do inerte, do “associal”, como durante<br />
muito tempo se supôs (Soja, 1980). Essa acepção não implica forçosamente<br />
que as dimensões física e mental sejam desprivilegiadas na<br />
análise espacial, mas assevera que a dimensão social é a que engloba<br />
as demais, na medida em que é nela que a vida social revela-se.<br />
A triplicidade espacial pensada por Lefebvre (2000) tem um<br />
comprometimento fundamental com a dialética, como o demonstra<br />
Seabra (1996) na citação que abre esta introdução. Com a dialética,<br />
o autor supera as análises feitas a partir das relações entre dois termos,<br />
os “binarismos”, o que, para ele, se trata de uma redução “a<br />
uma oposição, a um contraste, a uma contrariedade” que “se define<br />
por um efeito significante: efeito de eco, de repercussão, de espelho”<br />
(Lefebvre, 2000, p.49, tradução nossa).4<br />
A partir da dialética,<br />
é possível pensar em uma relação não fechada entre duas partes,<br />
pois, ao se inserir um terceiro elemento na relação, outros caminhos<br />
são abertos e outras possibilidades são criadas, porque “há sempre o<br />
Outro” (idem, 1983, p.161); é o recomeço, uma continuação de algo<br />
antes fechado e/ou cíclico. Para Harvey (2004, p.262), é essa dialé-<br />
tica que permite aproximar-se mais direta e abertamente da dinâmica<br />
do espaço-tempo, assim como da representação “[d]os múltiplos<br />
processos materiais em intersecção que nos aprisionam tão firmemente<br />
na tão elaborada teia da vida socioecológica contemporânea”.<br />
Nesse sentido, a dialetização do espaço – entendido, pois, como<br />
uma mediação interativa entre as formas do ambiente construído,<br />
resultante da transformação da natureza, e a vida social que anima<br />
essas formas – é tanto mais necessária, já que, segundo Massey<br />
4 Un rapport à deux termes se réduit à une opposition, à un contraste, à une contrariété<br />
; il se définie par un effet signifiant : effet d’écho, de repercussion, de miroir.<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 19<br />
(2004), o espaço está em um eterno processo de devir, nunca acabado<br />
e jamais fechado ou cíclico, sendo o domínio que permite a<br />
existência da multiplicidade e a coexistência de trajetórias diversas.<br />
A abertura possibilitada pela triplicidade impede que o espaço seja<br />
visto como um sistema dentro do qual tudo esteja previamente<br />
relacionado com tudo, como uma simultaneidade finalizada, cujas<br />
interconexões estejam desde sempre estabelecidas.<br />
Pensando Brasília<br />
A partir disso e considerando Brasília como objeto de análise,<br />
trato de demonstrar a implicação que têm as dimensões espaciais<br />
na vida que se reproduz espacial e quotidianamente na metrópole,<br />
além de ser este um esforço para uma compreensão unitária do<br />
espaço metropolitano que tem em vista contribuir também para<br />
o desenvolvimento da Geografia enquanto ciência e para as teorizações,<br />
explicações e compreensões a respeito do processo de<br />
metropolização.<br />
As dimensões espaciais serão analisadas a fim de desvendar<br />
suas especificidades e sua influência na reprodução espacial da<br />
vida, tendo em vista que, como coloca Shields (1999), a contribuição<br />
espacial do pensamento de Lefebvre recolocou a Geografia no<br />
debate teórico crítico mediante a espacialização da dialética que,<br />
descoberta na obra do autor, possibilitou a reintegração de vários<br />
movimentos progressistas intra e extrageográficos.<br />
Pensar a metrópole de Brasília a partir da dialética socioespacial<br />
em seu desenvolvimento teórico como dialética de triplicidade<br />
é uma tarefa desafiadora que abre a possibilidade de expandir e<br />
complexificar a imaginação geográfica ao incorporar elementos<br />
que, por vezes, são tratados de maneira desvinculada. Significa,<br />
assim, pensar a metrópole como espaço real e concreto, produto<br />
sócio-histórico e materialidade resultante, por um lado, da prática<br />
espacial da sociedade local e, por outro, do próprio processo da urbanização<br />
brasileira sob o capitalismo. É a cidade entendida como<br />
20 IGOR CATALÃO<br />
mediação entre a ordem próxima e a ordem distante (Lefebvre,<br />
2006), também espaço imaginado e planejado, abstração intelectual<br />
e artística, resultante dos preceitos do Urbanismo e da Arquitetura<br />
Modernista do século XX sob a concepção de Lucio Costa e Oscar<br />
Niemeyer, inspirados nas ideias de Le Corbusier. É também o espaço<br />
dos planejadores tecnocratas, dos cientistas, dos intelectuais e<br />
dos artistas, uma representação da realidade com finalidades incontáveis.<br />
Finalmente, consiste no espaço de reprodução da vida, material<br />
e simbólica, possibilidade de apropriação e, ao mesmo tempo,<br />
espaço de opressão e segregação. É no espaço vivido, quotidianamente<br />
experienciado, que se guardam as representações da vida<br />
e inscrevem-se os trajetos e as trajetórias individuais e coletivas.<br />
Nesse espaço, mesclam-se o real, o concreto e o imaginado, pois é a<br />
dimensão dos momentos únicos em que o espaço é produzido e nos<br />
quais se tornam concretas as abstrações e percebem-se as modificações<br />
resultantes da práxis.<br />
A bibliografia sobre Brasília é bastante extensa, contando com<br />
estudos em diferentes disciplinas científicas e versando sobre temas<br />
diversos. Nesses estudos, Brasília é tratada: em seu aspecto<br />
arquitetônico, como cidade-modelo ou cidade-símbolo do Modernismo;<br />
ou natural, considerando o domínio do cerrado em seu<br />
território e sua grande biodiversidade; são consideradas também<br />
suas funções de sede da administração pública federal e de centro<br />
decisório da gestão territorial em escala nacional (IBGE, 2008). No<br />
que se refere à sua estruturação espacial, também não são poucos os<br />
livros e artigos que se têm feito, desde sua inauguração até os dias<br />
presentes, abarcando de sua concepção e idealização à sua transformação<br />
em metrópole, ao seu espraiamento além de seus limites<br />
político-administrativos, à sua dinâmica territorial e às implicações<br />
sociais e demográficas do crescimento urbano. No que tange ao<br />
quotidiano, existem estudos enfocando realidades locais em relação<br />
aos problemas e desafios enfrentados pela população de diferentes<br />
partes do espaço metropolitano, além das manifestações culturais<br />
e artísticas presentes no fazer social. Assim, não se trata de uma<br />
metrópole carente de estudos, que seja desconhecida no âmbito<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 21<br />
científico, mas de uma realidade complexa bastante estudada em<br />
inúmeros aspectos e com diferentes abordagens.5<br />
A proposta de pensar Brasília a partir da tríade espacial é, antes<br />
de tudo, a preocupação explícita com a dimensão espacial da realidade<br />
social. Trata-se, de um lado, de pensar o espaço metropolitano<br />
como produto social e como representação do vivido, levando-se<br />
em conta o grau de determinação que ele tem sobre as relações sociais.<br />
De outro lado, significa fazer a síntese, no plano da análise,<br />
das dimensões espaciais que muitos já estudaram separadamente<br />
e que, no plano do quotidiano, existem de maneira interdependente.<br />
Utilizando as palavras de Soja, trata-se de fazer a análise em<br />
uma perspectiva que não se destina somente a fazer uma crítica das<br />
análises isoladas que tomam como base as dimensões percebida e<br />
concebida do espaço, “mas também a revigorar suas abordagens<br />
sobre o conhecimento espacial com novas possibilidades até agora<br />
impensadas dentro das disciplinas espaciais tradicionais”. Essa<br />
perspectiva diz respeito também àquilo “que Lefebvre uma vez<br />
chamou a cidade, uma ‘máquina de possibilidades’; [...] a busca<br />
de espaços perdidos, uma relembrança – um repensar – uma redescoberta<br />
de espaços perdidos... ou nunca antes assinalados” (Soja,<br />
1996, p.81, tradução nossa, destaque do autor).6<br />
De fato, não estou propondo uma “nova invenção da roda”, mas<br />
apenas uma maneira de refletir sobre o espaço, simultaneamente<br />
unitário e trialético, a partir de aspectos que considero importantes<br />
para sua compreensão. Em outras palavras, proponho analisar o espaço<br />
metropolitano de Brasília como resultado da prática espacial,<br />
5 O conjunto de coletâneas organizado por Aldo Paviani, apresentado nas referências<br />
ao final do livro, exemplifica os inúmeros temas abordados referentes<br />
a Brasília em suas várias dimensões.<br />
6 Such thirding is designed not just to critique Firstspace and Secondspace modes<br />
of thought, but also to reinforce their approaches to spatial knowledge with new<br />
possibilities heretofore unthought of inside the traditional spatial disciplines.<br />
Thirdspace becomes not only the limitless Aleph but also what Lefebvre once<br />
called the city, a “possibilities machine”; or, recasting Proust, a Madeleine for a<br />
recherche des espaces perdus, a remembrance-rethinking-recovery of spaces lost…<br />
or never sighted at all.<br />
22 IGOR CATALÃO<br />
como produto da abstração e concepção de indivíduos e grupos e,<br />
sobretudo, como representação. Essa representação, porém, não<br />
quer dizer um entendimento do espaço como metáfora, como ilusão,<br />
como ausência, mas puramente como o lócus da reprodução<br />
da vida, produto material (Lefebvre, 1973; Soja, 1980) em que se<br />
explicitam as relações e contradições do fazer social, a presença, o<br />
meio pelo qual o ser social se realiza (Lefebvre, 2000).<br />
Não obstante, o esforço em analisar o espaço metropolitano de<br />
Brasília nessa perspectiva enfrenta o desafio de tratar-se de uma<br />
realidade complexa, com muitas nuances, e, dessa forma, certamente<br />
lacunas continuarão abertas devido à persistente necessidade<br />
de termos de escolher aspectos a serem observados. Além disso,<br />
a tarefa de separar, no plano analítico, dimensões que quotidianamente<br />
existem de maneira articulada e imbricada serve apenas<br />
para melhor compreender os processos e estabelecer as correlações<br />
entre as partes estudadas. É fato, porém, que, como se tratam de<br />
dimensões dialeticamente relacionadas, a análise sobre cada uma<br />
delas estará repleta de elementos das demais, sendo puramente uma<br />
separação formal que se fará.<br />
Dito isso, ressalto que uma análise que se propõe a abranger<br />
os aspectos socioespaciais de uma dada realidade não se obriga a<br />
incluir tudo quanto exista e seja passível de ser estudado, pois parto<br />
da ideia de que a dialética socioespacial permite que a totalidade da<br />
relação espaço-sociedade seja abarcada, ainda que inúmeros elementos<br />
não possam ser considerados. Trata-se então, e sempre, de<br />
uma questão de escolha.<br />
Para a análise do espaço metropolitano de Brasília, proponho<br />
uma maneira de ver a metrópole que parte um pouco de uma inversão<br />
da ótica sob a qual estamos habituados a analisar as realidades<br />
metropolitanas. Meu desejo é tentar enxergar a metrópole a partir<br />
do quotidiano, do espaço vivido. Em outras palavras, significa entender<br />
o processo de metropolização não apenas em suas relações<br />
macroestruturais, mas, sobretudo, a partir daqueles que lidam com<br />
os elementos macroestruturais em seu processo de construção da<br />
vida, isto é, os habitantes. O que significa, para os habitantes da<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 23<br />
periferia metropolitana, viver em um espaço marcado por grandes<br />
descontinuidades do tecido urbano? O que traz para a organização<br />
de sua vida a permanência em deslocamentos demorados que os<br />
fazem deparar-se com paisagens intercaladas de ambientes construídos<br />
e não construídos? Ou ainda: como a configuração espacial<br />
de Brasília, marcada pelas descontinuidades do tecido metropolitano<br />
e pelas grandes distâncias decorrentes dessas descontinuidades,<br />
influencia no uso do espaço-tempo quotidiano por parte dos habitantes<br />
de sua periferia goiana e oferece possibilidades e/ou limites à<br />
realização do direito à cidade? São questionamentos como esses que<br />
orientam a discussão contida neste livro.<br />
Para responder a essas questões, proponho uma discussão baseada<br />
no seguinte esquema teórico de análise geográfica da metropolização,<br />
que articula os planos teórico e empírico:<br />
Plano teórico: Espaço (percebido, concebido, vivido)<br />
Plano empírico: Quotidiano<br />
(mobilidade espacial, práticas espaciais)<br />
Descontinuidades territoriais<br />
Dinamização do processo de metropolização<br />
Em primeiro lugar, temos o espaço entendido em sua articulação<br />
dialética entre as dimensões do percebido, do concebido e do<br />
vivido, que incidem uma sobre a outra, determinando-se. Entre as<br />
três dimensões, o vivido é a que resulta como síntese, pois é a pró-<br />
pria representação da vida social que se reproduz quotidianamente<br />
e que surge a partir da articulação entre o concebido e o percebido.<br />
É na dimensão do vivido que enxergamos a ligação entre os planos<br />
teórico e empírico, pois o espaço vivido é a dimensão geográfica do<br />
quotidiano, sendo este, por sua vez, entendido como a dimensão<br />
24 IGOR CATALÃO<br />
temporal da existência. Assim, temos, em segundo lugar e consequentemente,<br />
uma dimensão que revela o ser na metrópole. Colocando<br />
em termos espaciais, temos um processo de metropolização<br />
que é dinamizado pela mobilidade e pelas práticas espaciais que são<br />
marcadas, se não determinadas em algum grau, pelas descontinuidades<br />
do tecido metropolitano.<br />
Uma nota sobre o método<br />
A construção do pensamento que originou este livro vincula-se<br />
a uma perspectiva dialética que vai da conceituação da dialética de<br />
triplicidade espacial de Lefebvre (2000) ao seu desenvolvimento<br />
elaborado por Soja (1996; 2000), tendo em vista subsidiar as análises<br />
sobre o espaço metropolitano de Brasília.<br />
A conceitualização da trialética espacial de Soja, embora efetivamente<br />
presente apenas a partir do segundo livro de sua trilogia7<br />
dedicada<br />
a analisar a sociedade com uma preocupação eminentemente<br />
espacial, é o resultado de suas considerações esboçadas em Geografias<br />
pós-modernas sobre a dialética socioespacial e sobre a maneira<br />
como se relacionam o espaço, o tempo e o ser enquanto dimensões<br />
da existência humana – o que posteriormente ele conceituaria como<br />
trialética ontológica do ser (idem, 1996).<br />
A teorização de Soja (1993) começa pelo reconhecimento do<br />
peso que teve a influência marxista, sobretudo de origem francesa,<br />
para o desenvolvimento da Geografia como ciência que se dedica<br />
a estudar a espacialidade da vida social. Para ele, a importância do<br />
pensamento marxista consiste na possibilidade de ampliar o debate<br />
acerca da sociedade sob o capitalismo a partir de um materialismo<br />
histórico-geográfico enquanto método de análise. Isso implica, na<br />
visão do autor, que se reformulem radicalmente tanto a teoria social<br />
crítica quanto o marxismo, de forma a transformar também a ma<br />
7 A trilogia de Soja é composta pelos três livros que ele publicou em 1989, 1996<br />
e 2000, respectivamente Postmodern geographies, Thirdspace e Postmetropolis.<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 25<br />
neira como são vistos e conceituados o espaço, o tempo e o ser social<br />
e, por conseguinte, o modo como eles se inter-relacionam. Soja<br />
(idem) atribui essa transformação do pensamento para acomodar o<br />
espaço, o tempo e o ser em sua gama de relações à dialetização teórica<br />
do espaço proposta por Lefebvre (1973). Trata-se, pois, de reconhecer<br />
o espaço no processo dialético de constituição da sociedade e<br />
da história, abandonando o dualismo em função da aceitação de que<br />
“há sempre o Outro”.8<br />
Para Soja (1996), a frase antirreducionista de<br />
Lefebvre embasa o método que ele apresenta como um thirding-asOthering<br />
crítico, isto é, a análise crítica da dialética pela inserção da<br />
dimensão espacial. Consecutivamente, ele afirma:<br />
E como resultado desse thirding crítico, eu utilizei um outro<br />
termo, “trialética”,9<br />
para descrever não apenas uma tripla dialética,<br />
mas também um modo de raciocínio dialético que é mais inerentemente<br />
espacial que a dialética convencional temporalmente definida<br />
de Hegel e Marx. (idem, p.10, tradução nossa)10<br />
Com efeito, a dialetização do espaço coloca-o em uma posição<br />
menos subordinada com respeito ao tempo e à sociedade, pois<br />
implica reconhecer que a análise de suas estruturas liga-se diretamente<br />
à análise das estruturas sociais que são historicamente cons<br />
8 Do francês il y a toujours l’Autre (cf. Soja, 1996, p.8 et seq. e 53; Lefebvre,<br />
1983, p.161).<br />
9 Bem se sabe que a dialética entendida nas formulações tese-antítese-síntese<br />
ou afirmação-negação-negação da negação constitui-se em uma relação entre<br />
três termos em que o último diz respeito ao início de uma nova elaboração, não<br />
se tratando nunca de um binarismo fechado, porque “há sempre o Outro”.<br />
Assim, a tripla dialética de Soja, denominada por ele de trialética, refere-se<br />
apenas à inserção da dimensão espacial na compreensão do processo dialético<br />
do devir social, que é também histórico, e não a um mau entendimento da dialética<br />
como método filosófico, haja vista que “tripla dialética” poderia parecer<br />
uma redundância.<br />
10 And as for the result of this critical thirding, I have used another term, “trialectics”,<br />
to describe not just a triple dialectic but also a mode of dialectical reasoning<br />
that is more inherently spatial than the conventional temporally-defined dialectics<br />
of Hegel or Marx.<br />
26 IGOR CATALÃO<br />
tituídas. Não obstante, Souza (1988, p.40) esclarece que essa dialé-<br />
tica espaço-sociedade “não existe senão no contexto indivisível da<br />
dialética estabelecida pelos homens ao relacionarem-se entre si e<br />
com as naturezas (primeira e segunda) quando da (re)construção,<br />
interminável, das sociedades concretas”.<br />
No entender de Soja (1993), dessa compreensão deriva uma<br />
transformação completa de como pensar geograficamente o mundo<br />
a partir não da inserção de mais um elemento na análise, mas<br />
da aceitação de que, ao inseri-lo, estamos abrindo outra possibilidade<br />
de ver a história e a sociedade por meio de uma “irrupção<br />
que explicitamente espacializa o raciocínio dialético” (idem, 1996,<br />
p.61). Nessa compreensão reside o gérmen da dialética do espaço<br />
em Soja, e ela diz respeito a um questionamento mais ontológico da<br />
relação espaço-tempo-ser como “nexo construtivo da teoria social”<br />
(idem, 1993, p.148). Em outras palavras, o entendimento do espaço<br />
a partir das três dimensões como ele apresenta-se – percebido, concebido<br />
e vivido – parte, antes de tudo, da compreensão de sua articulação<br />
com o tempo e o ser enquanto dimensões que engendram<br />
a existência humana. Essa articulação decorre da ideia primeira de<br />
que o ser humano é social e produz uma espacialidade concreta em<br />
seu desenvolvimento histórico.<br />
A fonte geradora de uma interpretação materialista da espacialidade<br />
é o reconhecimento de que a espacialidade [...], como a<br />
própria sociedade, existe em formas substanciais [...] e como um<br />
conjunto de relações entre os indivíduos e os grupos, uma “corporificação”<br />
e um meio da própria vida social. (idem, p.147)<br />
Ora, dessa forma, fica claro que a espacialidade, tal como a temporalidade,<br />
é uma dimensão intrínseca ao ser que não é passível de<br />
ser dele dissociada. Essa apreensão ontológica do espaço-tempo-ser,<br />
contudo, não é apenas uma abstração, mas tem uma concretização<br />
plena no plano da práxis que se refere ao espaço enquanto produto<br />
social, ao tempo enquanto construção histórica e às relações sociais<br />
em eterno processo de devir, sendo todos processos concomitantes<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 27<br />
e interdependentes. Dessa relação deriva aquilo que Soja (1980;<br />
1983) denomina materialismo dialético, que é, ao mesmo tempo,<br />
histórico e geográfico, em que a espacialidade é conceitualizada<br />
como forma material das relações sociais de produção.<br />
Em seus trabalhos mais recentes, Soja (1996; 2000) parte de<br />
uma compreensão já madura da interação espaço-sociedade como<br />
um processo dialético, propondo-se a analisar sob quais aspectos<br />
essa interação acontece. O entendimento da dialética espacial<br />
perpassa a construção sócio-histórica do espaço a partir de suas dimensões<br />
percebida, concebida e vivida: respectivamente, “o espaço<br />
percebido da Prática Espacial materializada; o espaço concebido que<br />
ele [Lefebvre] definiu como Representações do Espaço; e os Espaços<br />
de Representação vividos” (idem, 1996, p.10, tradução nossa,<br />
destaques do autor).<br />
Apresentação do livro<br />
A realidade da metrópole de Brasília, que venho apresentar em<br />
uma de suas facetas, é discutida em dois aspectos principais. O<br />
primeiro diz respeito à compreensão do espaço metropolitano como<br />
produto sócio-histórico, resultado da concepção dos elaboradores<br />
do projeto de construção de uma nova capital para o Brasil e da<br />
prática espacial – deles e daqueles que se apropriaram desse espaço,<br />
também atuando em sua produção – que originou aquilo que hoje<br />
conhecemos como Brasília e seu espaço metropolitano.<br />
Ao questionar sobre o processo de produção do espaço metropolitano<br />
e as formas de articulação regional de Brasília, tento demonstrar<br />
que qualquer medida que objetive a resolução de problemas<br />
e a integração de Brasília com o conjunto de cidades que ela<br />
metropoliza deve, obrigatoriamente, considerar a vida quotidiana<br />
da população que habita o espaço e que dele, se já não se apropria,<br />
ao menos tenta ou deseja apropriar-se.<br />
Igualmente, apresento o que pode ser compreendido como<br />
“verdadeiro” espaço metropolitano de Brasília, isto é, aquele que se<br />
28 IGOR CATALÃO<br />
(re)desenha quotidianamente a partir da prática espacial e da apropriação<br />
daqueles que tal espaço representa em suas formas.<br />
O segundo aspecto de discussão da realidade da metrópole brasiliense<br />
constitui-se em uma passagem da análise do plano discursivo<br />
ao plenamente vivido. Ou seja, de demonstrar – por meio de<br />
conceitos, ideias, dados e constatações – de qual espaço metropolitano,<br />
de fato, estou tratando, passo a adentrar esse espaço à<br />
escala do quotidiano para tentar mostrar que espaço vivido é esse:<br />
aquele do qual se apropriam os habitantes de uma periferia distante<br />
e supostamente menos integrada, que são, na verdade, parte constituinte<br />
da metrópole. Trata-se, enfim, de tentar integrar teoricamente<br />
os supostamente não integrados, encontrando no espaço os<br />
traços de representação de suas vidas.<br />
Esses dois aspectos serão analisados em três capítulos. O primeiro<br />
– “Brasília, da concepção ao espaço produzido” – visa a discutir<br />
como Brasília passou de uma concepção de cidade a uma metrópole<br />
real, repleta de aspectos gerais dos processos de urbanização<br />
e metropolização na escala mundial e também de especificidades<br />
decorrentes de sua formação socioespacial.<br />
O segundo capítulo – “Brasília, (re)conhecendo o espaço metropolitano”<br />
– é uma tentativa de análise das maneiras sob as quais<br />
o espaço metropolitano brasiliense é visto tanto pelos cientistas<br />
quanto pelos órgãos oficiais que se ocupam das definições. A partir<br />
dessas maneiras de ver o espaço, apresento o espaço metropolitano<br />
(Mapa 1) como aquele reconhecido na mobilidade quotidiana e nas<br />
práticas espaciais dos habitantes.<br />
O terceiro capítulo – “Brasília, metropolização e espaço vivido” –<br />
busca desvendar a metropolização como processo de constituição<br />
da metrópole que é vivenciado em intensidade pelos habitantes do<br />
espaço metropolitano. Esse capítulo nada mais é que uma tentativa<br />
de adentrar os espaços de representação, vividos quotidianamente,<br />
a fim de encontrar na vida das pessoas os resultados do que foi<br />
apontado nos dois capítulos precedentes. Para tanto, a vida na metrópole<br />
é analisada a partir da articulação entre as dimensões percebida,<br />
concebida e vivida do espaço que resultam nas/das formas do<br />
ambiente construído e nas/das práticas de apropriação.<br />
BRASÍLIA: METROPOLIZAÇÃO E ESPAÇO VIVIDO 29<br />
Mapa 1 – Espaço metropolitano de Brasília. Posição geográfica. 2008.<br />
30 IGOR CATALÃO<br />
Fecho o livro buscando retomar algumas questões levantadas ao<br />
longo dos três capítulos mencionados e procurando elementos para<br />
novas discussões que permitam continuar o debate.<br />
No que concerne aos dados trabalhados, ressalto que, pelo fato<br />
de a análise basear-se em dados do Censo Demográfico 2000 sobre<br />
deslocamentos quotidianos do tipo casa-trabalho/escola, os resultados<br />
são apresentados com uma defasagem significativa, pois estamos<br />
completando dez anos do último recenseamento. Entretanto,<br />
trata-se da fonte mais fidedigna de informações a esse respeito,<br />
que, portanto, não poderia ser substituída por outra. Dados do<br />
Anuário da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)<br />
foram trabalhados em paralelo; contudo, por tratar-se de uma fonte<br />
imprecisa em função do modo como os dados são fornecidos pelas<br />
empresas de transporte concessionárias, mantive o ano 2000 como<br />
marco temporal para a comparação com os dados do Censo.<br />
Os fragmentos das falas de moradores da Cidade Ocidental<br />
apresentados no texto foram extraídos das entrevistas realizadas in<br />
loco em janeiro de 2008.<br />
Para não tornar a leitura cansativa, os detalhes sobre o tratamento<br />
dos dados e sobre a elaboração das entrevistas e dos mapas não<br />
foram incluídos neste livro, o que não causa, a meu ver, prejuízo<br />
algum à compreensão das ideias que apresento, ideias estas que,<br />
aliás, são de minha inteira responsabilidade, ainda que as pesquisas<br />
que as originaram tenham contado com a participação de inúmeros<br />
interlocutores.<br />
<br />
<a href="http://books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf">http://books.scielo.org/id/jbt6b/pdf/catalao-9788579831058-02.pdf</a><br />
<br />
<br />José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-57819653026187934102018-04-29T23:12:00.000-07:002018-04-29T23:12:23.651-07:00A alienação da dialética, por Cesar RamosSUMÁRIO<br />
I. INTRODUÇÃO 3<br />
II. A MÁ TEMÁTICA 5<br />
O embuste de Platão 6<br />
A astúcia de Maquiavel 10<br />
O espião Galileu 14<br />
Bacon à moda da casa 17<br />
A tolice de Descartes 19<br />
O incomparável Newton 29<br />
III. A “DOILÉTICA” DE HEGEL 36<br />
O notável lacaio 36<br />
As pernas mecânicas 50<br />
O pequeno falsário 58<br />
As fantasias de Freud e Marx 75<br />
<br />
IV. FIM DA DIALÉTICA, COMEÇO DA ODISSÉIA 83<br />
Dialética x somalética 83<br />
O fim da dialética 95<br />
2001, a Odisséia recém começa 105<br />
BIBLIOGRAFIA 113<br />
3<br />
A ALIENAÇÃO DA DIALÉTICA<br />
À Maria Lúcia, sua rainha.<br />
INTRODUÇÃO<br />
As verdades<br />
4<br />
dissipar dúvidas, indagações ainda não completamente safisteitas. Pelo<br />
caleidoscópio investigativo atendemos a recomendação do velho químico<br />
Gaston Bachelard PhD, para quem “um conhecimento mais profundo é<br />
sempre acompanhado de uma abundância de razões coordenadas.”(2)<br />
Todas as razões são poucas para preencher tão profundo ardil. O tema<br />
permite e até requer um volume triplicado; à velocidade, todavia,<br />
preferimos compacto, de alta densidade. O canal pode ser tratado.<br />
O motivo seria inócuo, se a dialética e os episódios que deu causa se<br />
tivessem resumido àquelas parcas épocas, mas não: os intelectos desses<br />
monstros sagrados da ciência combinaram-se para empurrar a<br />
humanidade ao precipício da insensatez, do massacre coletivo, desde as<br />
peripécias de Cromwell até ao oportunismo de Napoleão, emergente de<br />
uma sangrenta Revolução travestida de democrática e daí às guerras<br />
civis e mundiais que se sucederam. Embora o linchamento de Mussolini e<br />
a queda do muro, infelizmente suas perfídias não se extinguiram; e até<br />
hoje impregnam muitas constituições, sempre conservadas e até<br />
aprimoradas pelo poderoso de plantão como ferramenta ideal para a<br />
dominação total, objetivo de todo “partido”. A permanência desses<br />
obtusos pré-fabricados torna-se indesculpável. Mais do que nunca, é<br />
possível atingir suas subterrâneas e camufladas bases pseudo-científicas,<br />
raízes de onde emanaram as ervas daninhas e o podre odor suavizado<br />
pel.666.1’89+as gotas dos seus falsos ideais. Chegaremos mais<br />
próximos da reorganização e de um reacomodamento natural,<br />
paradoxalmente, lançando um cocktail desintegrativo na torpe novela que<br />
dimensionaram. Como disse Ortega Y Gasset, “o homem que descobre<br />
uma nova verdade científica precisou, anteriormente, despedaçar em<br />
átomos tudo o que aprendera, e chega à nova verdade com as mãos<br />
sujas de sangue do massacre de mil superficialidades”. (3)<br />
À guisa de atenuar a forte tonalidade das comparações, apropriamonos<br />
das palavras de Albert Einstein... “Se, no que se segue, eu vier a<br />
expressar minhas idéias um tanto dogmaticamente, será apenas em<br />
nome da clareza e da simplicidade”-(4)<br />
...consignando, entretanto, a ressalva: diferentemente do gênio, não<br />
apresentamos, de modo direto, novas idéias - o livro é menos escrito por<br />
nós, muito mais pelos vultos; mas atiramo-nos na chance de reuni-los.<br />
Com você, a insensatez, a alienação provocada pela dialética,<br />
acrescida de algumas de suas mais graves consequências<br />
epistemológicas, sociais, econômicas, ecológicas, políticas, jurídicas,<br />
éticas e morais .<br />
<a name='more'></a><br />
NOTAS<br />
Poincaré, Henri, O valor da Ciência, p. 89.<br />
Bachelard, Gaston, A Filosofia do Não, p. 21.<br />
Jose Ortega y, “Rebelião das massas”, cit. Rohmann, Cris, p. 298.<br />
Einstein, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação,<br />
relacões sociais, racismo, ciências sociais e religião, p. 178<br />
5<br />
A ALIENAÇÃO DA DIALÉTICA<br />
Esse aspecto genético do paralelo<br />
entre o desenvolvimento científico<br />
e o político não deveria deixar<br />
maiores dúvidas.<br />
Thomas Kuhn<br />
II. A MÁ TEMÁTICA<br />
O tempo esvai-se logo e deves bem gozá-lo,<br />
A ordem e a disciplina ensinam a utilizá-lo<br />
Aconselho-te, então, meu muito caro amigo,<br />
A primeiro estudar lógica comigo,<br />
Teu espírito estará por fim bem amestrado<br />
E em botas espanholas muitíssimo ajustado<br />
E assim já poderá deslizar, num momento,<br />
Nas estradas suaves de todo pensamento,<br />
Não andarás indeciso a torto e a direito,<br />
Erradio, a vagar, sem o menor proveito.<br />
Werner Heisenberg *<br />
___________________________________________________________<br />
Heisenberg, Werner, Física e Filosofia, rememora as palavras de Miefistófeles<br />
ao jovem estudante, em Fausto, de Goethe.<br />
<br />
<br />
6<br />
1. O embuste de Platão<br />
Desde os primórdios da civilização vingou o prático princípio do<br />
dividir para conquistar, dominador (não denominador) generalizado (não<br />
o comum) na busca de conhecimento, do usufruto do poder e da<br />
riqueza:<br />
“Com efeito, quase todos os vícios, quase todos os erros, quase<br />
todos os preconceitos funestos que acabo de pintar deveram seu<br />
aparecimento, ou sua duração, ou seu desenvolvimento à arte da<br />
maioria de nossos reis de dividir os homens para governá-los mais<br />
absolutamente.” (1)<br />
No comentário do prof. Franklin Cunha, as ironias:<br />
“Tudo começou com o Criador (ou o Classificador) Supremo, pois<br />
criando o homem já o classificou em macho e fêmea. Em seguida,<br />
criou duas outras categorias: a do bem e do mal. Depois, os sete<br />
pecados capitais, os dez mandamentos, anjos e demônios, fé e<br />
idolatria, esperança e desespero, caridade e avareza, castidade e<br />
luxúria, prudência e loucura, paciência e cólera, concórdia, discórdia,<br />
obediência e rebelião, perseverança e inconstância.” (2)<br />
Efetivamente o Gênesis traz subjacente várias idéias de separações<br />
e antagonismos, contrastes, enfim:<br />
“No Princípio Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava<br />
informe, e vazia e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de<br />
Deus movia-se sobre as águas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz<br />
existiu. E Deus viu que a luz era boa; e separou a luz das trevas. E<br />
chamou a luz de dia, e as trevas noite. E fez-se tarde e manhã: o<br />
primeiro dia”. (3)<br />
Já que Deus havia completado a obra, no outro dia foram os homens<br />
que passaram a dividir tudo.<br />
No Paraíso o casal não conhecia dialética; tampouco ciência. Não<br />
havia discordância, que dirá algum confronto; até a mordida na maçã:<br />
“Na língua dos pássaros uma expressão tinge a seguinte.<br />
Se é vermelha tinge a outra de vermelho.<br />
Se é alva tinge a outra dos lírios da manhã.<br />
É língua muito transitiva a dos pássaros.<br />
Não carece de conjunções nem de abotoaduras.<br />
Se comunica por encantamentos,<br />
E por não ser contaminada de contradições<br />
A linguagem dos pássaros<br />
Só produz gorgeios.” (4)<br />
Do paraíso a Platão (428-347 a. C.) foi apenas um lapso: “Em<br />
Atenas, Eurípedes e Platão foram acusados de roubar idéias<br />
7<br />
O falso brilhante fugiu, voltou e anunciou o nascimento da ”ciência”,<br />
na maternidade da Academia*.<br />
O pai estufava o peito: “Platão, sonhando com uma retórica digna do<br />
filósofo, queria que os discursos deste pudessem convencer os próprios<br />
deuses”. (6)<br />
Maria Cristina Ferraz enfatiza:<br />
“A partir do triunfo da metafísica, o caráter demiúrgico expresso no<br />
plasma da sofística já não mais corresponde à produção real de efeitos –<br />
mundo; transportado para a mimesis na visão platônica, transforma-se,<br />
no livro X de A república, após o estabelecimento da teoria do<br />
conhecimento platônica ( final do livro VI, início do VII), em invenções de<br />
meros simulacros, cópias de cópias, distantes em três graus do real, do<br />
mundo transcendente das idéias.” (7)<br />
Nada se fazia à tôa:<br />
“O objetivo desse curso de instrução era desviar os pensamentos dos<br />
homens das mudanças do mundo sensível para a estrutura imutável qe<br />
há por trás dele, do devir para o ser, para usar as palavras de Platão. No<br />
entanto, nenhuma dessas disciplinas é autônoma. Afinal, todas seguem<br />
os cânones da dialética e o estudo destes cânones é o verdadeiro traço<br />
distintivo da educação.” (8)<br />
O desvio não foi pequeno: “Durante seu desenvolvimento pelo<br />
pensamento grego, a filosofia da natureza enveredou por um caminho<br />
equivocado. Esse pressuposto errôneo é vago e fluido no Timeu, de<br />
Platão.” (9)<br />
O pressuposto, embora turvasse a busca do conhecimento e, por<br />
consequência, trouxesse graves prejuízos educacionais, ensejava-lhe o<br />
gôzo do outro tipo de poder, mais pragmático, de proveito instantâneo,<br />
não tão demorado quanto seus dez anos de curso, a maior empulhação.<br />
Platão já usufruíra de seu intento ao secundar o tirano de Siracusa,<br />
corrido de Atenas. De lá, voltou com a questão fundamental: quem<br />
deveria governar? Quem legisla?(10) Ele próprio deu a resposta, até<br />
certo ponto lógica, mas de inigualável pretensão: “Os sábios deverão<br />
dirigir e governar, e os ignorantes deverão segui-los”.(11)<br />
Em outras palavras, só ele ou seus amigos acadêmicos é que<br />
poderiam (e deveriam) encabrestar a população, fato que levou Popper<br />
trocar a terminologia “quem deve governar” para “de como nos livrarmos<br />
pacificamente de governantes corruptos e incompetentes”. (12)<br />
À empunhadura do poder, Platão “inventou” a grande justificativa do<br />
coletivismo radical: “Legislo tendo em vista o que é melhor para todo o<br />
Estado; coloco justamente os interesses do indivíduo num nível inferior de<br />
valor.”(13)<br />
Mussolini e Lênin agradecem. Povos ainda padecem. O professor<br />
Pereira explica:<br />
__________________________________________________________<br />
* Atenas, 387: o senhor Platão acaba de inaugurar sua escola filosófica de alto<br />
nível. Localiza-se em terras que levam o nome do herói lendário Academos, ao<br />
noroeste da cidade.<br />
8<br />
“Platão sutilmente instituiu uma sinomia entre individualismo e egoísmo:<br />
apelando para o sentimento humanitário, subverteu o conceito de<br />
individualismo, conceito que se opõe ao coletivismo não implicando,<br />
portanto, na adoção do egoísmo como padrão moral, tentando tornar a<br />
alternativa coletivista como a única moralmente compatível com o<br />
altruísmo.” (14)<br />
Foi essa a matéria prima usada por Maquiavel, Descartes, Hobbes,<br />
Rousseau, Malthus, Bentham, Darwin, Comte, Gramsci, Freud, George<br />
Sorel e Marx, além de Hegel, apenas para citar os vetores mais eficazes<br />
do cientismo político. Nietzsche discorda:<br />
“Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo<br />
quanto diz mente, tudo quanto tem roubou-o ... Além onde acaba o<br />
Estado começa o homem que não é supérfluo.” (15)<br />
Também é de Platão o acertado prognóstico: “E o estado erigirá<br />
monumentos... para celebrar sua memória. E sacrifícios ser-lhes-ão<br />
oferecidos como a semideuses... como a homens que são abençoados<br />
pela graça e semelhantes a deuses.” (16)<br />
Faltou acrescentar: e também os derrubará, enterrando a sua memória.<br />
Lenin, Stálin, Hitler e Mussolini que o digam.<br />
A dialética impregnou a humanidade, especialmente a latina, atingida<br />
diretamente pela presença do ladino no bico da bota. Há cinco séculos,<br />
reencanava em Maquiavel .<br />
<br />
<br />
1. O embuste de Platão<br />
Tocqueville, A., O Antigo Regime e a Revolução, Livro segundo, cap. XII,<br />
p. 139.<br />
Cunha, Franklin, especial para o jornal Zero Hora, Porto Alegre, 27 de<br />
novembro de 1992.<br />
Genesis<br />
Barros, Manoel, Retrato do artista quando coisa, cit. Ferraz, M.C., p.3.<br />
Eurípedes; Platão, cits. Burke, Peter, A propriedade das idéias, tradução<br />
Luiz Roberto Mendes Gonçalves, in Jornal Folha de São Paulo, São Paulo,<br />
24 de junho de 2001, Caderno Mais, p. 16.<br />
Platão, Fedro, 273e, cit. Perelman, C., p. 536<br />
Ferraz, Maria Cristina Franco, Platão: as artimanhas do fingimento, p. 28.<br />
Russel, B., p. 74<br />
Platão, cit. Whitehead, Alfred North, O Conceito da Natureza, p. 31.<br />
Platão, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, pg.<br />
139.<br />
Idem, ibidem<br />
Popper, Karl, cit. Penna, J. O. M., O Espírito das Revoluções, p. 362<br />
Platão, A República cit. Popper, K., p. 123<br />
Platão, cit. Pereira, Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo, p. 116/17.<br />
Nietzsche, F., Assim falava Zaratustra, p. 38/9<br />
9<br />
Platão, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, ob.<br />
cit, p. 155.<br />
2. A astúcia de Maquiavel<br />
Muito antes do Duce, o tirano de Siracusa reencarnara vestido de<br />
Príncipe, no figurino de Nicolau Maquiavel, “a grande e real concepção de<br />
10<br />
um verdadeiro gênio político, animado pelos objetivos mais altos e mais<br />
nobres”.(1)<br />
Além da batida história romana, o figurinista não cita mais nada.<br />
Podemos supor o que conhecia a torpe mente examinando o caráter de<br />
suas proposituras. A filosofia tomista não o atingiu, obviamente. De<br />
Aristóteles, não tomou conhecimento. Seu primeiro barril, sem dúvida, foi<br />
de Platão, que o precedeu em tese, estilo de vida, propósitos e atitudes:<br />
“Quer se suceda que governem com a lei ou sem a lei, sobre súditos<br />
voluntários ou forçados; quer que purguem o estado, para bem deste,<br />
matando ou deportando alguns de seus cidadãos... enquanto<br />
procederem de acordo com a ciência e a justiça e preservarem o<br />
estado, tornando-o melhor do que era, esta forma de governo pode ser<br />
descrita como a única que é certa”. (2)<br />
O fantasma nunca saiu da bota. Que outra adega tão farta precisava<br />
visitar o mais famoso florentino para articular tão perene obra, tão<br />
corrosivo cocktail? A “genialidade” maquiavélica, muito reconhecida,<br />
especialmente por aqueles que o interpretam como um ser realista,<br />
provém desse empírico e obsoleto paradigma*, racionalidade mecanicista<br />
flagrada por Gusdorf (3). A “razão” faz-se no cálculo. Seu designativo<br />
vem de ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar:<br />
“Para cumprir com sua responsabilidade universal, o príncipe era<br />
obrigado a procurar a medida de seus atos nos efeitos previsíveis que<br />
suas ações trouxessem para a comunidade. Assim, a obrigatoriedade<br />
de agir impunha também a obrigatoriedade de ser o mais previdente<br />
possível. O cálculo racional de todas as possíveis consequências<br />
tornou-se o primeiro mandamento da política.” (4)<br />
O estilo é todo de Platão, mas não só dele. Pascal também sustentara a<br />
importância da geometria no plano da razão:<br />
“O verdadeiro método de conduzir a razão quer significar outra coisa;<br />
que é a faculdade de conhecer o verdadeiro. Neste sentido, a<br />
geometria, esta “admirável ciência”, é a própria razão.” (5)<br />
_________________________________________________________<br />
* Paradigma: do grego paradeigma, significa “modelo” ou “padrão”, foi<br />
reintroduzido por Thomas Kuhn (1922-1996) no fim dos anos sessenta, em<br />
The structure of scientific revolutions, como “uma constelação de realizações -<br />
concepções, valores, técnicas, etc. - compartilhada por uma comunidade<br />
científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções<br />
legítimos”. (Capra, F., A Teia da Vida, p. 24.) Vejamos pelo criador:<br />
Paradigma: “Considero paradigmas as realizações científicas universalmente<br />
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções<br />
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.” ( Kuhn, T., A<br />
Estrutura das Revoluções Científicas, p. 13)<br />
Graças aos competentes formadores de opinião, a razão e a forma<br />
foram transformadas, reduzidas e difundidas numeradas, glorificadas<br />
não só para o material de guerra, como ao comércio, à política, até para<br />
a arte. Em suma, a tudo:<br />
11<br />
“Como mostra Michael Baxandall, a análise das formas geométricas<br />
tornou-se uma preocupação comum aos comerciantes, aos engenheiros<br />
e aos artistas (que eram frequentemente engenheiros também)...<br />
Descobrir as proporções, identificar os triângulos, os cones ou os<br />
cilindros passou então a ser uma espécie de hábito cultural amplamente<br />
difundido” (6)<br />
Este código de expressão da natureza assumia a postura dogmática,<br />
irrefutável, mandamental, para ser aplicado nos projetos mecanicistas<br />
das ciências humanas. No prolongamento de duas racionalizadas<br />
engrenagens da civilização ocidental (Direito e Economia *), assentarse-ia<br />
o poder:<br />
“O esquema copernicano, por outro lado, foi visto como se prestando<br />
muito facilmente ao apoio de formas mais absolutistas de monarquia. À<br />
medida que a monarquia passava a reivindicar um domínio cada vez<br />
mais absoluto, reduzindo o poder da pequena nobreza, a cosmologia<br />
copernicana se tornava ainda mais útil.” (7)<br />
Nesse espírito, tomado científico, à bête-machines, cabia o azeite da<br />
oficina do “Exterminador do Futuro”:<br />
“Antes que Descartes dissesse que sua metafísica não era senão<br />
geometria, Maquiavel pode ter pretendido que sua política não era mais<br />
que matemática, com seus signos fundamentais, mais, menos, igual.”<br />
(8)<br />
Em Foucault, a dimensão do câmbio maquiavélico:<br />
“Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de<br />
empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade,<br />
respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades<br />
comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de<br />
melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem<br />
seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.” (9)<br />
Para justificar a presença desse Estado, Platão “recomendava”<br />
estimular conflitos. Maquiavel projeta pólos contraditórios, para impor<br />
efeitos integralizantes. Como cascavel, balança o sino numa ponta para<br />
picar com a outra. Mostra a picada e oferece o antídoto.<br />
__________________________________________________________<br />
* Economia: provém do grego, tendo como base “oikos”, que significa casa,<br />
riqueza, fortuna. No sufixo “nomos”, entenda-se “lei, regra ou administração”.<br />
Economia Política, então, pode ser encarada como a ciência que trata ou<br />
administra a riqueza pública, embora como criá-la... não seja de sua feição!... O<br />
ex-senador economista e embaixador Roberto Campos prefere conceituá-la<br />
como “ciência que administra a escassez”, pelo que lamentamos a falta que faz<br />
uma ciência dedicada a abundância.<br />
12<br />
Já vimos, a artimanha não foi sua invenção, embora desde seu<br />
nascedouro fosse um genuíno maquiavelismo; mas Maquiavel nem<br />
precisava ir à fonte grega - a própria Igreja, que o rodeava de modo<br />
avassalador, propunha alegorias assemelhadas ao irônico poema<br />
grego:<br />
“Então veio, parece, um sábio astuto,<br />
o primeiro inventor do medo aos deuses...<br />
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina,<br />
em que a verdade se ocultava sob os véus de mendaz sabedoria.<br />
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas,<br />
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,<br />
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam...<br />
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor,<br />
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios,<br />
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou –<br />
e a desordem mudou-se em lei e ordem. “ (10)<br />
Por volta do sexto século, Isidoro de Sevilla deu o tom:<br />
“Pela vontade de Deus, a pena da servidão foi imposta à humanidade<br />
devido ao pecado do primeiro homem; quando ele nota que a liberdade<br />
não convém a alguns homens, misericordiosamente lhes impõe a<br />
escravidão. E, embora todos os fiéis possam ser redimidos do pecado<br />
original pelo batismo. Deus, na sua eqüidade, fez diferente a vida dos<br />
homens, ‘ determinando que alguns fossem servos, outros senhores’, de<br />
modo que o arbítrio que têm os sérvos de agir mal fosse limitado pelo<br />
poder dos que dominam. Com efeito, se ninguém temesse, quem<br />
poderia impedir alguém de cometer o mal? Por isso são eleitos príncipes<br />
e reis, para que ‘com o terror’, livrem seus súditos do mal, ‘obrigando-os,<br />
pelas leis, a viver retamente’”. (11)<br />
A aliança de governantes e eclesiásticos sempre a ambos interessou.<br />
O físico PhD Marcelo Gleiser pode identificar a estratégia imanente:<br />
“ A ambiguidade pode ser uma arma de propaganda extremamente útil:<br />
ao insinuar sem comprovar, ao sugerir sem definir, ao criar imagens<br />
fantásticas que inspiram o fascínio e o terror sem oferecer uma clara<br />
interpretação de seu significado, voce decerto irá despertar a<br />
curiosidade de muitas pessoas. Se, em sua mensagem, voce assegurar<br />
uma recompensa àqueles que seguirem suas idéias, (...) seu sucesso<br />
estará praticamente garantido (...) Assim foi com o Apocalipse, que<br />
prometia nada mais nada menos do que a salvação ou a danação<br />
13<br />
eterna. O texto provocou um debate constante entre os pioneiros da<br />
Igreja Católica. (...) Em tempos de dificuldade, uma interpretação literal<br />
do Apocalipse era mais favorecida, enquanto, em tempos de relativa<br />
calma, a sua interpretação tornava-se mais alegórica. Essa variação é<br />
uma consequência da própria estrutura e estilo do texto, que se presta<br />
(...) a múltiplas interpretações. Sua ambiguidade é sua virtude.” (12)<br />
Belzebú é filho, sparring, coadjuvante Todos o detestam, mas sem ele<br />
não há luta, não há espetáculo, não há público. Na Renascença el viejo<br />
reapareceu flamante, e demonstrando conhecimento - afinal, o homem<br />
comera o fruto. A Igreja não podia aceitar sua vitória. Giordano Bruno<br />
pagou com a vida. Galileu teve que abjurar, mas o que pensava<br />
verdade, nem tanto assim o era; porém, a todos acabou convencendo.<br />
E o mundo, comperdendo. (desculpe o neologismo). Felizmente, hoje<br />
podemos nos dar conta:<br />
“Disse Platão certa vez que a raça humana não se livraria de seus<br />
males até que os filósofos se tornassem reis, ou os reis se tornassem<br />
filósofos. Talvez haja uma outra opção, a medida que um crescente<br />
número de pessoas assuma a liderança de suas próprias vidas. Essas<br />
pessoas se tornam seu próprio poder central. Como diz um provérbio<br />
escandinavo: “Em cada um de nós existe um rei. Procure-o e ele<br />
aparecerá”. (13)<br />
2. A astúcia de Maquiavel<br />
Maquiavel, Nicolau, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus<br />
Inimigos, p. 81.<br />
Platão, Estadista, cit. Popper, Karl M., idem, p. 184.<br />
Gusdorf, Georges, As Revoluções da França e da América, p. 163.<br />
Koselleck, Reinhart, p. 24.<br />
Pascal, cit. Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 9<br />
Baxandall, Michael, cit. Thuillier, P., p. 76.<br />
Henry, John, p. 99.<br />
Corte, Marcel de, cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 128.<br />
Foucault, Michel, Resumo dos Cursos do Collège de France, p. 83.<br />
Poeta Crítias, tio de Platão e líder dos Trinta Tiranos em Atenas após a<br />
guerra do Peloponeso, cit. Popper, Karl M., A Sociedade Democrática e<br />
Seus Inimigos, p. 160.<br />
Sententiae, II, 47; cit. Bobbio, N., A Teoria das Formas de Governo, p. 78<br />
Gleiser, Marcelo, O Fim da Terra e do Céu; cit. jornal Folha de São Paulo,<br />
Caderno Mais, São Paulo, 29 de julho de 2001.<br />
Ferguson, M. ob. cit. p. 210<br />
14<br />
3. O espião Galileu<br />
O infeliz Platão expulsara os poetas de sua República. Letras serviam à<br />
fantasia, enquanto “o livro da natureza é dominado pelo rigor matemático,<br />
donde seu objetivo precípuo é aquele de aprender a verdade.” (1)<br />
Bertrand Russel explica:<br />
“Na matemática não há fatos fora de seu prórpio campo que exijam<br />
comparação. Por causa desta certeza, os filósofos de todos os tempos<br />
sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior<br />
e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.”<br />
(2)<br />
O telescópio de Galileu Galilei (1564-1642), de Pisa, conhecido crítico<br />
de Aristóteles (383-322 a. C.), pode mostrar, aos olhos incrédulos, as<br />
certezas dos cálculos, “revanche de Platão”.(3):<br />
“O sopro da morte atingiu a teoria aristotélico-ptolomática em 1609.<br />
Neste ano Galileu começou a observar o céu à noite, através de um<br />
telescópio, que acabara de ser inventado. Ao focalizar o planeta Júpiter,<br />
Galileu descobriu que se fazia acompanhar de vários pequenos<br />
satélites, ou luas, que giravam a sua volta. Isto implicava que nada<br />
precisava necessariamente girar em torno da terra, como Aristóteles e<br />
Ptolomeu haviam pensado”. (4)<br />
“Trata-se de uma revolução que, além de derrubar a ditadura de<br />
Aristóteles, arruína completamente, através da luneta astronômica, o<br />
dogma da incorruptibilidade dos corpos celestes. Fica ainda<br />
absolutamente rejeitado o axioma identificando o real objetivo à<br />
percepção sensível: as qualidades são relativas a nossos sentidos e a<br />
matéria é quantitativa. (5)<br />
Foi uma lástima, à ciência e à humanidade:<br />
“ ...em alguns aspectos importantes, embora de maneira alguma em<br />
todos, a Teoria Geral da Relatividade de Einstein está mais próxima da<br />
teoria de Aristóteles do que qualquer uma das duas está da de Newton.”<br />
(6)<br />
Receoso de repetir os destinos de Giordano Bruno e de Copérnico, este<br />
um tanto desmoralizado, Galileu recusava-se expor as novidades, fato<br />
que gerou um pedido especial de Kepler, em 1597. A resposta: “Tal<br />
como o senhor, há muitos anos aceitei a teoria de Copérnico... mas não<br />
ouso trazer à luz alertado pelo que sucedeu ao próprio Copérnico que<br />
ao rebaixar-se à grande massa foi escarnecido e desonrado...” (7)<br />
15<br />
Diante dos tantos e valorosos apelos, somados à certeza científica,<br />
finalmente Galileu acabou cedendo. Discorsi e dimonstrazioni<br />
matematiche intorno a due nuove scienze attenenti alla meccanica*<br />
inaugurou, oficialmente, a era mecanicista. Selava-a rudimentar aparelho<br />
amplificador da visão. Tentou o convencimento eclesiástico, mas isso não<br />
era interessante aos gestores dos negócios do Vaticano.<br />
__________________________________________________________<br />
Discorsi e dimonstrazioni matematiche intorno a due nuove scienze<br />
attenenti alla meccanica: Discursos e Demonstrações Matemáticas em torno<br />
de Duas Novas Ciências”, publicado em Leida, 1638.<br />
A lógica científico-matemática vinha para o lugar de “lendas” filosóficas<br />
e religiosas. O conhecimento anterior fora montada em cima de<br />
inconsistentes palavras. Agora, os números traziam mais segurança,<br />
tornavam as atividades concretas, mais lógicas e práticas. Eles compõem<br />
os elos, a matemática é o cimento das ciências, é a garantia de sua<br />
coerência, é a defesa segura contra qualquer tentativa de acolher, “com<br />
distorções de palavras”, proposições de várias procedências,<br />
incompatíveis entre si.” Nem o “Inferno”, de Dante (8), escapou do crivo,<br />
para o protesto de Mandelbrot:<br />
“A maior parte da natureza é muito, muito complicada. Como se<br />
poderia descrever uma nuvem? Uma nuvem não é uma esfera... É<br />
como uma bola, porém muito irregular. Uma montanha? Uma montanha<br />
não é um cone... Se você quer fala de nuvens, de montanhas, de rios,<br />
de relâmpagos, a linguagem geométrica aprendida na escola é<br />
inadequada.” (9)<br />
Tornou-se Galileu o “pai da física matemática” (10) Poderíamos dizer,<br />
sem querer ofendê-lo, mas completá-lo, que sua idéia foi a “mãe da<br />
pretensão científica”.<br />
Quanto ao homem, estava provado: não estando mais no centro do<br />
universo, poderia ser, quanto muito, uma inexpressiva peça de toda a<br />
engrenagem do reino solar.<br />
A faculdade de conhecer o verdadeiro se resumia ao que os braços ou<br />
olhos podiam confirmar, mas o acesso ao completo texto da geometria<br />
euclidiana estava plenado. Vejamos o tamanho do equívoco na<br />
premissa de Galileu Galilei, pintada como conclusão de pensamento, a<br />
subversão numérica, substituta das letras:<br />
“A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre<br />
aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não<br />
aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi<br />
escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos,<br />
círculos e outras figuras geométricas.” (11)<br />
As novas concepções nasceram com a moléstia platônica: “Não tenho<br />
dificuldades para admitir, identificando o platonismo com<br />
matematicismo, o caráter platônico da ciência galileana”. (12)<br />
Alexandre Koyré confirma:<br />
16<br />
“A grande idéia de Koyré, justamente, é que Galileu encarnava a<br />
herança do platonismo. Em outras palavras: Galileu acreditava que,<br />
graças à matemática, os físicos conseguiriam apreender a estrutura<br />
íntima da realidade”. (13)<br />
Não se chega à intimidade retalhando o corpo, mas o terreno estava<br />
plenado e a mesa posta, com muitos talheres.<br />
3. O espião Galileu -<br />
Platão, cit. Granger, Gilles Gaston, A Razão, p. 112.<br />
Russel, Bertrand, p. 137.<br />
Platão, cit. Japiassú, Hilton, A Revolução Científica Moderna, p. 81<br />
Hawking, Stephen W., p. 19/21.<br />
Japiassú, Hilton, A Revolução Científica Moderna, p. 58<br />
Einstein, Albert, cit. Kuhn, Thomas S., Estrutura das Revoluções<br />
Científicas, p. 253.<br />
Galileu Galilei, cit. Schwartz, Joseph, p. 28.<br />
Alighieri, Dante, cit. Galileu Galilei, Palestra na Academia Florentina<br />
sobre a "A Geografia do Inferno de Dante Tratada Matematicamente",<br />
1588; cits. Geymonat, Ludovico, Galileu Galilei, p. 10; Galileu Galilei,<br />
cit. Schwartz, "O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência<br />
Moderna", p. 28.<br />
Mandelbrot, Benoit, cit. Capra, Fritjof, A Teia da Vida, p. 118.<br />
Galileu Galilei, cit. Geymonat, Ludovico, Galileu Galilei, p. 319.<br />
Galilei, Galileu, cit. Capra, Fritjof, p. 50.<br />
Geymonet, Ludovico, p. 42.<br />
Koyré, A , cit. Thuillier, P., p. 128.<br />
17<br />
4. Bacon à moda da casa<br />
Na Inglaterra católica, Bacon vinha à boca; não o saboroso bacon,<br />
mas Sir Francis Bacon, professor de Direito, Cavaleiro de Jaime I,<br />
Procurador Geral do Reino, Lord Chanceler e Barão de Verulam,<br />
integrante da Câmara dos Comuns de 1584 em diante e autor, dentre<br />
outros, do Novum Organum, Aforismos Sobre a Interpretação da<br />
Natureza e do Reino do Homem (1620) e Nova Atlântida – o mundo da<br />
ciência.<br />
Denunciado por crime e corrupção, Lord Chanceler ainda assim<br />
conseguiu, mercê de sua inegável capacidade intelectual,<br />
conhecimentos de estratégias e status pessoal, influenciar e colaborar<br />
não só nos governos britânicos da época, mas no curso da longa<br />
viagem internacional iniciada pelo trem racionalista:<br />
“Na dedicatória de seu livro O progresso da sabedoria (1605) a Jaime<br />
I, sir Francis Bacon declara que “de todas as pessoas ainda vivas que<br />
conheci, sua Majestade é o melhor exemplo de um homem que<br />
representa a opinião de Platão de que todo o conhecimento é apenas<br />
memória. Embora Platão tenha expressado essa definição como<br />
alegoria à sua crença na imortalidade da alma e Bacon, como parte de<br />
um astuto plano para obter certos favores do rei (que por sinal,<br />
funcionou muito bem), podemos nos referir a elas como uma alegoria à<br />
enorme importância que o pensamento grego exerceu e exerce no<br />
desenvolvimento da cultura ocidental.” (1)<br />
Os objetivos da ciência em voga, da escolástica, se resumiam na<br />
sabedoria, na compreensão sem provas e na harmonia. Os estudos<br />
eram voltados para “maior glória de Deus”, para apreciar a “ordem da<br />
natureza”, ou fluir na corrente do “tao”, como ensinavam os chineses.(2)<br />
Agora, até Bacon endossava a hipótese do Deus “brincalhão”: “A glória<br />
de Deus consiste em ocultar a coisa, a glória do rei em descobri-la”. (3)<br />
O bajulamento real, como acontecera com Maquiavel, foi-lhe rendoso e<br />
convincente, até pela possibilidade da transferência de poder, da ordem<br />
natural apreciada à manipulação acionada: “A investigação das causas<br />
finais é estéril e, como uma virgem consagrada a Deus, não engendra<br />
nada.” (4)<br />
Ao que destaca Goytisol: “Assim, foi abandonada a filosofia natural<br />
como um traste inútil e o vazio, produzido pelo seu abandono, pretendeu<br />
o homem enchê-lo com a ciência.” (5)<br />
E que “ciência” esplendorosa:<br />
18<br />
“Bacon, por exemplo, falou da natureza como de uma fêmea, sendo<br />
“obrigada a servir”, posta em “sujeição” e escravizada pelo filósofo<br />
natural. De nada vale tentar agarrá-la se não se exercer controle sobre<br />
ela, ele escreveu; a Natureza deve ser capturada e seus segredos<br />
penetrados, como seus aposentos íntimos.” (6)<br />
Falava a criatura, perdoe-me, de estupro à Natureza:<br />
“A partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele<br />
conhecimento que pode ser usado para dominar a natureza... A<br />
natureza, na opinião dele, tinha que ser “acossada em seus<br />
descaminhos”, “obrigada a servir”, “escravizada”. Devia ser “reduzida à<br />
obediência” e o objetivo do cientista era “extrair da natureza, sob tortura,<br />
todos os seus segredos”... (7)<br />
4. Bacon à moda da casa<br />
Bacon, Francis, cit. Gleiser, Marcelo, p. 41.<br />
Huai-nan-tseu, cit. Capra, Fritjof, ob. cit, p. 51.<br />
Bacon, Francis, Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da<br />
Interpretação da Natureza, p. 97.<br />
Bacon, Francis, cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 32.<br />
Idem, ibidem.<br />
Henry, John, p. 101.<br />
Capra, Fritjof, p. 51/52.<br />
19<br />
5. A tolice de Descartes<br />
A perfídia dialética varou os séculos riscada por governantes e<br />
eclesiásticos, perfazendo trágicos destinos aos povos; Ficasse aí<br />
resumida, poderia ser mais facilmente extinta, bastando impedir novas<br />
aventuras megalomaníacas. Porém, há mais outro pormenor daquela<br />
maternidade, muito vigente, com alguns rebentos ainda em expansão! - a<br />
dialética antes atinge as ciências exatas pela lógica, pelo número, pela<br />
matemática, retornando às humanas armadas para subjugá-las<br />
inapelavelmente, estratégia de Platão. A mathésis universalis*<br />
constituia-se na antena da sapiência:<br />
“O radical da palavra grega “mathemática” é mathein, que quer dizer<br />
captar, aprender, apanhar. A captação é mathéma (ou mathésis) de que<br />
deriva a nossa palavra matemática, designando não uma construção<br />
mental, mas uma captação de uma realidade já existente.” (1)<br />
Acrescenta Russell: “O que ocupava a mente dos filósofos matemáticos<br />
de modo mais especial era a unificação da aritmética e da geometria,<br />
problema finalmente resolvido com grande brilho por Descartes, dois mil<br />
anos depois.” ( 2 )<br />
René Descartes (1596-1650) de Vienne, na época com 27 anos,<br />
considerado fundador dessa moderna filosofia. Veio com aquela<br />
intenção, de encher o homem. Malgradas escassas advertências,<br />
ascendeu fulgurante; e com slogan de libertador! Finalmente a ciência<br />
racional poderia “desenvolver-se para extrair verdades seja de que<br />
assunto for” (3), como auguravam Platão e Bacon. Observa Koyré:<br />
“Ocorre que para Aristóteles a geometria era apenas uma ciência<br />
abstrata. Por isso, a geometria nunca poderia explicar o real. As suas<br />
leis não dominam o mundo físico. O estudo da geometria não precede o<br />
da física. Uma ciência do tipo aristotélico não se apoia numa metafísica.<br />
Conduz a ela, em vez de partir dela. Uma ciência tipo cartesiana, que<br />
postula o valor real do matematismo, que constrói uma física<br />
geométrica, não pode dispensar uma metafísica. E tem mesmo que<br />
começar por ela. Descartes sabia-o. E Platão, que fora o primeiro a<br />
esboçar uma ciência desse tipo, sabia-o igualmente.” (4)<br />
A simploriedade mental de Descartes sentenciava:<br />
“Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o<br />
tronco a física, e os galhos que saem desses troncos são todas as<br />
outras ciências, que se reduzem a três principais – a medicina, a<br />
mecânica e a moral.” (5)<br />
20<br />
Para fundar tamanhos pilares, o francês mergulhou no universo da<br />
precisão querida. Com o decifrar, com o cálculo, por ironia, Descartes se<br />
persuadiu; e induziu a humanidade a subir, degrau por degrau, à<br />
cobertura da inútil torre, a nova babel que ainda sobe, a “Rebabel”,<br />
razão do Clero refutá-la; afinal, a Bíblia trata do Verbo, não do número.<br />
A marôta fêz-se totalmente prejudicial:<br />
“Nenhuma disciplina poderá outorgar para si própria um lugar de onde<br />
deduzir um saber absoluto e final. Quando as ciências, a prestigiosa<br />
matemática ocupou este lugar, revelou-se então mais mutiladora do que<br />
a rainha!” (6)<br />
Lemkow assinala o aspecto mais desumano que constatou: “Descartes<br />
sustentava que não apenas os vegetais e os animais, mas também o<br />
próprio corpo humano eram máquinas.” (7).<br />
O “homem” surgido dessa obtusa racionalidade fez-se ambíguo: “objeto”<br />
para o saber e “sujeito” que conhece. Japiassu acrescenta: “A antiga<br />
oposição homem/Deus substituía-se pela oposição homem/mundo.Melhor<br />
ainda: pela oposição Sujeito/Objeto.” (8)<br />
Damásio define:<br />
“Qual foi, então, o erro de Descartes? Ou, melhor ainda, a que erro de<br />
Descartes me refiro com ingratidão? Poderíamos começar com um<br />
protesto e censurá-lo por ter convencido os biólogos a adotarem, até hoje,<br />
uma mecânica de relojoeiro como modelo dos processos vitais. Mas<br />
talvez isso não fosse muito justo, e comecemos, então, pelo “penso, logo<br />
existo”. (9)<br />
O que não pensasse não poder existir? Ou, como ironiza Russel: “De<br />
outro modo, poderíamos dizer igualmente “Ando, logo existo”, pois, se<br />
ando, é certo que devo existir.” (10)<br />
Ao elementar equívoco, o próprio Damásio contrapõe “No entanto, antes<br />
do aparecimento da humanidade os seres já eram seres.” (11)<br />
No que consiste o método? Responde-nos Gilles-Gaston Granger:<br />
"Convém efectivamente distinguir dois pólos de todo irredutíveis da idéia<br />
de método. Um corresponde às noções de ´receita´, ´procedimento´,<br />
´algoritmo´, que descrevem detalhadamente a concatenação do que<br />
deve ser feito. O outro corresponde ao conceito de estratégia, que não<br />
fornece necessariamente uma indicação particularizada dos actos a<br />
cumprir, mas somente do espírito dentro do qual a decisão deve ser<br />
tomada e do esquema global no qual as acções devem decorrer... o<br />
aspecto principal parece ser o método como estratégia." (12)<br />
Como Platão, Maquiavel e Hobbes, o francês também exibia tudo<br />
dividido, configurado numa sobreposição hierarquica, parte por parte, tal<br />
qual o Universo para ele se mostrava: “Não há nada no conceito de<br />
corpo que pertença a mente, e nada na idéia de mente que pertença que<br />
ao corpo” (13).<br />
Dois século após, Hegel, sem a menor originalidade, numa espécie de<br />
vulgata epistemológica, usou o mesmo princípio, até para se valorizar:<br />
“Ser é ser pensado”. (14)<br />
O poeta e ensaísta Octavio Paz relata seu diálogo com Joseph Brodsky:<br />
21<br />
“As origens do autoritarismo estão em Hegel. Alí começou o mal”. Ao<br />
que retruca Brodsky: “Não, vem muito antes. O mal começou com<br />
Descartes, que dividiu o homem em dois e que substituiu a alma por eu”.<br />
(15)<br />
Hegel foi, de fato, só mais um elemento condutor do deliberado<br />
equívoco.<br />
O mundo teria se livrado das barbáries, perda de tempo e energia se<br />
esta orquestra dialética não tivesse tocado:<br />
“A partir dessa perspectiva a divisão entre mente e corpo tornou-se<br />
verdade absoluta, ao mesmo tempo que cada face se tornou antagônica<br />
à outra, coexistindo dentro do mesmo ser como as duas faces hostis da<br />
mesma moeda. Alguns séculos depois do sonho febril de Descartes<br />
continuamos a nos deparar justamente com essa divisão, que está na<br />
base do seu pensamento, estampada nos diversos aspectos da vida<br />
moderna.” (16)<br />
O pesquisador contemporâneo Michel Serres arrola a grande perda de<br />
tempo ocasionada pela indução ao método cartesiano de averiguação. O<br />
estilo da Academia se espraiava por todos campos de formação científica:<br />
“As disciplinas foram fragmentadas e, ao se fazer isto, impediu-se o<br />
diálogo e a polêmica intercientífica. A física descobre agora a<br />
necessidade de conceber outras operações para melhor perceber a<br />
complexidade da matéria. As ciências contemporâneas progridem com a<br />
contradição: a partícula se manifesta ora como onda, ora como partícula.<br />
A pesquisa de ponta se acha obrigada a reintroduzir o observador na<br />
observação. Estes percursos casuais e aleatórios nos remetem a<br />
Cristóvão Colombo. Não foi traçando seu destino que ele descobriu a<br />
América.” (17)<br />
Apenas um reparo – onda e partícula não são contraditórias, embora<br />
num primeiro instante assim fossem observadas; elas perfazem a<br />
intrigante complementariedade. Fowler reforça-nos: “O mundo é uma<br />
rede complexa de inter-relações na qual as categorias de sujeito e<br />
objeto se fundem, embotando as distinções dualistas tradicionais.” (18)<br />
Thomas Kuhn anunciou, na “década mágica*”:<br />
“As pesquisas atuais que se desenvolvem em setores da Filosofia, da<br />
Psicologia, da Lingüística e mesmo da História da Arte, convergem todas<br />
para a mesma sugestão: o paradigma tradicional está, de algum modo,<br />
equivocado.”(19)<br />
Quando descobríamos a América, tapávamos a ciência. A civilização<br />
seguiu o penoso caminho, por séculos enganada em todos os ramos do<br />
conhecimento, para o lamento do grande Werner Heisenberg, recém há<br />
algumas décadas atrás: “A cisão cartesiana penetrou fundo na mente<br />
humana nos três séculos após Descartes e levará muito tempo para ser<br />
substituída por uma atitude realmente diferente diante do problema da<br />
realidade.” (20)<br />
Posta a coerência aparentemente lógica, a ciência físico-matemática<br />
cartesiana encorajou milhares de pesquisadores, das ciências exatas,<br />
22<br />
ainda mais das humanas, a trilharem a mesma trajetória, a embarcarem no<br />
mesmo trem... com destino inverso ao pretendido:<br />
_________________________________________________________<br />
* Década mágica: anos 60, quando a juventude passou a exigir, nas paredes da<br />
Sorbonne, que a imaginação tomasse o poder.<br />
“O segundo preceito do método cartesiano “dividir cada uma das<br />
dificuldades... em tantas parcelas que forem possíveis e requeridas para<br />
melhor resolvê-las”, válido até certo ponto na matemática e nas ciências<br />
físico-químicas, mostra-se inutilizável em ciências humanas onde o<br />
progresso do conhecimento não caminha do simples ao complexo, mas do<br />
abstrato ao concreto por uma oscilação contínua entre o conjunto e as<br />
partes.” (21)<br />
Foram escassos os questionamentos e dúvidas suscitadas; foi fácil<br />
estender o trilho a todas estações. Descreve-nos Alquié: “Graças ao<br />
cartesianismo - mas não só a ele - a idéia mecanicista do mundo torna-se<br />
uma idéia adquirida muito para além dos círculos científicos; ela contribui<br />
muito para reformar a visão comum da natureza.” (22)<br />
No afã de conhecer pormenores, não passou pela cabeça de Descartes<br />
e seus cometas reverem a possibilidade do átomo, tampouco a do vácuo<br />
ou mesmo imaginar uma possibilidade de condutividade espacial.<br />
Relatam-nos Coveney e Highfield:<br />
“Os atomistas também usaram os átomos para explicar fenômenos<br />
sensoriais como o paladar e o olfato. Infelizmente as idéias deles foram<br />
lançadas ao esquecimento pela influência nefasta de Platão e Aristóteles.<br />
Os pais da filosofia ocidental argumentavam que a matéria conseguia se<br />
dividir infinitamente e que não existia nenhuma unidade, por menor que<br />
fosse que não pudesse ser dividida ainda mais. O atomismo foi derrotado<br />
e permaneceu nas sombras durante 2.500 anos.” (23)<br />
Kuhn anunciou a falência do paradigma dialético mecanicista nos anos<br />
sessenta; Popper, ainda antes; Hayek e a escola austríaca de economia,<br />
na década de trinta; Einstein, em 1905. Incrível, porém real é a teimosia:<br />
“Sabe-se de antemão que o mal continua. A ciência com seu método<br />
propõe a dicotomia sujeito-objeto, a curiosidade desinteressada e o<br />
desapego do primeiro, o isolamento e controle do segundo, a provocação<br />
de experiências com vista a fins bem delimitados, a ignorância dos<br />
elementos não-essenciais e o esquecimento do todo. A ciência contém no<br />
seu método os germes que levaram as suas mais famosas aberrações<br />
como atividade social.” (24)<br />
O funcionamento do mundo, obviamente, não se apresenta desse modo<br />
tão rudimentar, tão toscamente retalhado. Prigogine reforça:<br />
23<br />
“A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos<br />
aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse<br />
universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase<br />
caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil<br />
de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade...<br />
Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato,<br />
retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de<br />
arte.” (25)<br />
Concentrando-se na res cogitan e na res extensa, com as ciências<br />
humanas ocupando-se da primeira e as chamadas ciências naturais da<br />
segunda, os vértices do conhecimento chamado objetivo se entenderam<br />
duplicados. Pensando em simplificar e ordenar o estudo, a tentativa de<br />
elucidar os fenômenos passou por esta protodecomposição desvirtuante,<br />
prejudicando, de plano, a correta apreciação dos respectivos objetos: "O<br />
princípio da simplificação, que animou as ciências naturais, conduziu às<br />
mais admiráveis descobertas, mas são as mesmas descobertas que,<br />
finalmente, hoje arruínam nossa visão simplificadora." (26)<br />
“Descartes rompeu algo ao dividir o mundo em res cogitans e res<br />
extensa, quer dizer, o pensamento e a matéria que, como sintetizou<br />
Villey, representam respectivamente “o mundo das lamas, suporte de<br />
pensamento e da vontade, do ato livre e o “mundo objetivo da física<br />
quantitativa, o “mundo das coisas, inerte, passivo, submetido às leis<br />
determinantes da mecânica”. Assim vão surgindo outros dualismos:<br />
sujeito e objeto, homem e natureza, conhecimentos morais e ciências<br />
denominadas objetivas, valor e fato, dever ser e ser, etc. Assim a<br />
natureza fica mutilada: das qualidades (o belo, o justo) que não se<br />
admitem cientificamente por não serem mensuráveis e sim obscuras e<br />
imprecisas das causas finais, que tampouco se prestam aos cálculos e<br />
pressupõem uma ordem teleólogica numa natureza não cindida dos<br />
conjuntos sociais naturais, reduzidos a uma soma de indivíduos isolados,<br />
objeto também de cômputo e comparação quantitativa.” (27)<br />
Decompondo o pensamento e ordenando-o nessa pretensa lógica, da<br />
“intuição” a “dedução”, Descartes e seus seguidores (praticamente a<br />
totalidade dos cientistas e pesquisadores) rompem a homogenia<br />
universal. Na ânsia pela “câmera em close” à visão pormenorizada,<br />
suprimem do foco movimentos periféricos, eventualmente responsáveis<br />
pelo objeto analisado. Obtém, destarte, um conhecimento incompleto e<br />
obtuso, errando na identificação da fonte, desorientando o investigador<br />
pela falsidade de base. Em outras palavras, fomentando apenas a<br />
especialização e desprezando o conhecimento abrangente, comp<br />
24<br />
objeto, que dominou,- e enfeitiçou - o pensamento filosófico e científico<br />
até os nossos tempos”. (28)<br />
Agora preocupa-nos a total profilaxia, desde a raiz:<br />
“É esse o erro de Descartes: a separação abissal entre corpo e a mente,<br />
entre substância corporal, infinitamente divisível, com volume, com<br />
dimensões e com funcionamento mecânico de um lado, e a substância<br />
mental, indivisível, sem volume, sem dimensões e intangível, de outro; a<br />
sugestão de que o raciocínio, o juízo moral e o sofrimento adveniente da<br />
dor física ou agitação emocional poderiam existir independentemente do<br />
corpo... Descartes pensava que o calor fazia circular o sangue, que as<br />
finas e minúsculas partículas do sangue se transformavam em espíritos<br />
animais, os quais poderiam mover os músculos. Porque não censurá-lo<br />
por uma dessas noções? A razão é simples: há muito tempo que sabemos<br />
que ele estava errado nesses aspectos concretos, e as perguntas sobre<br />
como e por que circula o sangue receberam já uma resposta que nos<br />
satisfaz completamente. O mesmo não sucede com as questões relativas<br />
à mente, ao cérebro e ao corpo, em relação as quais o erro de Descartes<br />
continua a prevalecer. Para muitos, as idéias de Descartes são<br />
consideradas evidentes por si mesmas, sem necessitar de nenhuma<br />
reavaliação.” (29)<br />
A física nuclear Anna Lemkow contabiliza o alto custo da experiência:<br />
“Podemos julgar uma filosofia por seus frutos. A visão reducionistamecanicista-materialista<br />
cultivou inúmeras dicotomias, cismas,<br />
fragmentações, alienações: alienação de si (o vácuo espiritual) e, por<br />
conseqüência, dos outros; alienação da natureza (autômatos não podem<br />
sentir muito por outros autômatos - se somos apenas máquinas, podemos<br />
muito bem nos apoderar do máximo possível, conquistar e explorar a<br />
natureza por completo); a dicotomia entre conhecimento e valores, meios e<br />
fins, mente e matéria, universo de matéria e universo de vida, entre<br />
ciências e humanidades, entre ricos e pobres, industrializados e de<br />
Terceiro Mundo, entre gerações presentes e gerações futuras.” (30)<br />
A natureza, “rebelde”, cheia de conflitos, é o palco da confusão<br />
cartesiana, onde cérebro e mente assumem estranhos e independentes<br />
papéis. Ela, passa a mero artefato, subdividida nos diferentes<br />
compartimentos dele, fértil arquitetura à manipulações. Fracionado o<br />
objeto ad lib, cabia atender à questão primeira: dividido o próprio homem<br />
em duas substâncias, como poderia Descartes depois reuni-lo? (31)<br />
Chopra realça: “A necessidade de dualidade do ego gerou um mundo de<br />
bem e mal, certo e errado, luz e sombra.”(32)<br />
Foi este o campo de consagração (ou “campo de concentração”) do<br />
famoso professor dr. Sigmund Freud (1856-1939), embora ao seu tempo<br />
já existisse o conselho de David Bohm: “É urgente que compreendamos<br />
o perigo de continuar com o processo de fragmentação do pensamento.<br />
Seria como procurar sempre o caminho mais difícil e doloroso para se<br />
chegar ao mesmo destino...”(33)<br />
25<br />
Nem Descartes tampouco Freud conseguiriam colar este ser tão<br />
esfacelado, ao contrário - o último acabou afirmando que a<br />
histeria/esquizofrenia instalada não poderia ser “extirpada”, o doente<br />
jamais teria cura total; mas propunha seus “trabalhos” para amenizá-la,<br />
pronto-socorro ao estado febril. Ao velho sizudo era conveniente a mais<br />
completa mistificação de seus afazeres; e, jamais curando, poderia<br />
arrumar proventos até a falência ou morte do paciente. De seu<br />
precursor, são famosas as palavras: larvatus prodeo scaenam mundi*. A<br />
Renascença, antes de tudo pertencia aos artistas:<br />
“ O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro,<br />
onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o<br />
centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A<br />
literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas<br />
exigências e da salvação.<br />
__________________________________________________________<br />
* Larvatus prodeo scaenam mundi: ‘É mascarado que adentro o palco<br />
do mundo.” Descartes, R., cit. Cícero, Antônio, p. 121<br />
Os filósofos e os sábios da época, em sua compreensão do mundo,<br />
privilegiam o caráter de abstração e de esquematização. Por isso dão a<br />
máxima importância à física matemática.... Assim o probllema do método<br />
constitui o problema número 1 de todos os filósofos. Trata-se de<br />
descobrir um método universal de conhecimento. E o modelo é o<br />
conhecimento matemático ( geométrico).” (34)<br />
Conforme Descartes, Deus lhe incumbira a missão através de “um<br />
sonho”. ( 35)<br />
A amplitude proporcionada pelo método cartesiano valorizava os<br />
estudos de anatomia, entusiasmando os que se dedicavam a decifrar os<br />
enigmas mentais através dos movimentos fisiológicos do corpo.<br />
Misturou-se a psicologia com a biologia para descartar a filosofia.: “O<br />
homem não é mais uma inteligência, mas uma vontade servida por<br />
órgãos”. (36)<br />
Com La Mettrie o homem virou supermáquina. Descartes já projetara o<br />
homem como “uma máquina construída segundo o modelo dos relógios,<br />
das fontes artificiais, dos moinhos e de outras máquinas<br />
semelhantes...Os seres vivos convertem-se em autômatos.” (37)<br />
Outra dessas principais degenerescências mergulhou direto pelo viés<br />
dialético-positivista para assinalar os princípios cartesianos e balizar os<br />
fins dos mecanicismos aferidos pela ação/reação:<br />
“O behaviorismo nasceu da tentativa de psicólogos influenciados pelo<br />
positivismo lógico de transformar a psicologia em ciência empírica. Em<br />
seu artigo de 1913, “Psychology as the Behaviorist Views It”, quase<br />
sempre chamado de manifesto behaviorista, John B. Watson anunciou<br />
“um ramo das ciências naturais puramente objetivo e experimental”,<br />
independente de juízos subjetivos, “cuja meta é a previsão e controle do<br />
comportamento.” (38)<br />
26<br />
Chama isso de independência judicial? Não seria, ao contrário, a<br />
máxima expressão ideológica? A armação é competente, pois:<br />
“Cientistas comportamentais (behavioristas) se mostraram altamente<br />
contagiados pela obsessão de fazer de sua ciência uma "física humana"<br />
ao proclamarem que uma psicologia só seria confiável se fosse erguida<br />
sobre os critérios de estímulos e respostas, as forças de ação e reação<br />
da dinâmica newtoniana, sendo que era pura fantasia tentar erguer uma<br />
ciência calcada em relatos individuais de experiências subjetivas<br />
internas. (Harman, 1989; Capra, 1986; Grof, 1988). Assim sendo, a<br />
ciência têm estimulado e influenciado uma visão de mundo em que tudo<br />
o que existe existe de forma fortuita e se relaciona com as demais coisas<br />
de uma maneira mecânica, previsível, controlável e mensurável. A<br />
mesma maneira pela qual deve seguir e agir o mercado financeiro... “<br />
(39)<br />
Depois de Malthus os estímulos aumentam em progressão geométrica;<br />
as sensações, em progressões aritméticas. Na linguagem técnica que lhe<br />
é própria, “a sensação variava com o logaritmo do estímulo” (40).<br />
Bateson, numa implícita alusão a Darwin, não deixou por menos:<br />
“A lógica é um instrumento muito elegante e fizemos bom uso dela<br />
nesses dois mil anos. O problema é que quando a aplicamos aos<br />
caranguejos e às tartarugas, às borboletas e à formação do hábito...<br />
Bem, para todas essas coisas lindas a lógica simplesmente não serve”.<br />
(41)<br />
Autômato não é gente, mas esta não interessa: “Nos sistemas<br />
compactos da ordem totalitária, o homem, perante as esferas políticas,<br />
deixa de ser politicamente “sujeito” ou “pessoa”, para ser “objeto, que fica<br />
sendo, da organização social” (42)<br />
Schwartzenberg percebeu a chicana, mas sentia-se aliviado:<br />
“Os domínios mais explorados serão aqueles em que os dados<br />
quantitativos ou quantificáveis são mais abundantes. Daí todos os<br />
estudos compreendidos em matéria de voto, de participação eleitoral e<br />
de opinião publica. Daí a amplidão das pesquisas sobre os partidos<br />
políticos, os grupos de interesse e os processos de tomadas de decisões<br />
(decision-marketing). Essa “tirania de instrumento” explica, em boa parte,<br />
a “desigual penetração behaviorista”. Na ciência política a voga do<br />
behaviorismo alcança seu apogeu nos anos de 1950... Mas a idade de<br />
ouro behaviorista está prestes a encerrar-se.” (43)<br />
Freud e muitos diletantes ignoraram as revoluções científicas que<br />
aconteciam já no início do século XX. Marcelo Gleiser ensina:<br />
“Não é uma coincidência que em 1947, quando Bohr foi condecorado<br />
com a Ordem do Elefante da Coroa dinamarquesa, ele tenha escolhido o<br />
símbolo taoísta do Yin e Yang como seu brasão de armas, com a<br />
seguinte inscrição em latim “contraria sunt complementa”, “os opostos se<br />
complementam”. (44)<br />
Finalmente, não há mais dúvidas, nem desconhecimento, tampouco<br />
lugar para embustes, charlatanismos:<br />
27<br />
“O cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por<br />
circuitos bioquímicos e neurais recíprocos dirigidos um para o outro.<br />
Existem duas vias principais de interconexão. A via em que normalmente<br />
se pensa primeiro é a constituída por nervos motores e sensoriais<br />
periféricos que transportam sinais de todas as partes do corpo para o<br />
cérebro, e do cérebro para todas as partes do corpo. A outra via, que<br />
vem menos fàcilmente à mente, embora seja bastante mais antiga em<br />
termos evolutivos, é a corrente sangüínea; ela transporta sinais químicos,<br />
como os hormônios, os neurotransmissores e os neuromoduladores”.<br />
(45)<br />
Ao lugar das viciadas dialéticas, virtuosas somaléticas.<br />
Em 1666 era bem mais fácil escorregar. Newton foi fundo.<br />
5. A tolice de Descartes<br />
<br />
Rohden, H., Einstein, o Enigma do Universo, p. 136.<br />
Russel, B., p. 96. 24.<br />
Descartes, René, "Regulae ad directionem ingenii", (Regras a direção do<br />
espírito) obra incompleta escrita provavelmente antes de 1628, impressa<br />
apenas em 1701.<br />
Koyré, Alexandre, Considerações Sobre Descartes, p. 81.<br />
Descartes, R., Les Principes de la Philosofie, cit. Oliva, Alberto, Ciência e<br />
sociedade: do consenso à revolução, p. 84/5<br />
Serres, Michel, cit. Descamps, Christian, p.98<br />
Descartes, René, cit. Lemkow, Anna F., Princípio da Totalidade, p. 84.<br />
Japiassú, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, p. 28.<br />
Damásio, A., p. 279.<br />
Russel, B., 2001, p. 281<br />
Damásio, A, p. 279.<br />
Granger, Gilles-Gaston, Método, in Método-Teoria/Modelo (Enciclopédia<br />
Einaudi, vol. 21) Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992, p. 58;<br />
cit. Silva, Porfírio, p.302<br />
Descartes, Rene, cit. Capra, Fritjof, p. 55.<br />
Hegel, W. G., cit. em Reale, Miguel, O Direito Como Experiência, p. 48<br />
Sousa, Walter de, O Novo Paradigma, p. 24.<br />
Brodsky, Joseph, cit. Paz, Octávio, O mal começou em Descartes, jornal<br />
"La Nación", transcrito pelo jornal "Zero Hora", Porto Alegre, 30 de marco<br />
de 1996, Caderno Cultura, p. 2.<br />
Serres, Michel, cit. Descamps, Christian, p. 103.<br />
Fowler, Dean R., “Einstein´s Cosmic Religion” 1979, cit. Jammer, Max, p.<br />
103<br />
Kuhn, T., Estrutura das revoluções científicas, p. 156.<br />
Heisenberg, W., cit. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas com<br />
pessoas notáveis, p. 16<br />
Goldman, Lucien, Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia, p.<br />
72<br />
28<br />
Alquié, Ferdinand, p. 60.<br />
Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 96.<br />
Deus, Jorge Dias de organizador e artigos de R.K.Merton, T.S.Kuhn,<br />
W.O.Hagstrom, J.Haberer, G.B. van Albada, Ph.Roqueplo, F.Gil,<br />
R.Horton, A.Maslow, A.N.Whitehead, p. 24.<br />
Prigogine, Ilya, cit. Ferguson, Marilyn, A Conspiração Aquariana, p 164.<br />
Morin, Edgar, Ciência com Consciência, p. 28.<br />
Villey, Michel, cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 51.<br />
Lemkow, Anna F., p. 82.<br />
Damásio, Antônio R., p. 113.<br />
Lemkow, Anna F., p. 15.<br />
Descartes, René, cit. Alquié, Ferdinand, Galileu, Descartes e o<br />
Mecanismo, p. 66.<br />
Chopra, Deepak, O Caminho do Mago, Vinte lições espirituais para você<br />
criar a vida que deseja, p. 97.<br />
Bohm, David, cit. Sousa, Walter de, p. 45.<br />
Japiassú, H., A Revolução Científica Moderna, p. 81<br />
Descartes, R., cit. Idem, ibidem.<br />
Gall, Biran, Main de, cit. Penna, Antônio Gomes, História das Idéias<br />
Psicológicas, 1991, p. 90.<br />
Descartes, R., cit. Japiassú, Hilton, A Revolução Científica Moderna, p.<br />
125.<br />
Rohmann, C., p. 45.<br />
Carey, H.C., Principles of Social Science, I, p. 57; cit. Hugon, Paul,<br />
História das Doutrinas Econômicas, p. 360.<br />
Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 82<br />
Bateson, Gregory, Steps to na ecology of mind, Nova York, Ballantine,<br />
1972, cit. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas com pessoas<br />
notáveis, p. 63.<br />
Bonavides, Paulo, p. 273.<br />
Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política, p. 26/27.<br />
Bohr, N., cit. Gleiser, Marcelo, A Dança do Universo Dos Mitos de<br />
Criação ao Big-Bang, p. 307.<br />
Damásio, Antônio R., p. 280/81<br />
<br />
29<br />
6. O incomparável Newton<br />
O trem cartesiano, pintado científico porque numerado, corria solto na<br />
rota Paris/Londres, mas não passava por Amsterdã. Em Cambridge<br />
embarcou atento acadêmico. Copérnico dera a primeira letra...<br />
“E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo<br />
esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele<br />
donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi<br />
impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o<br />
Espírito, outros ainda o seu reitor.” (1)<br />
... e Galileu recomendara: “É necessário medir o que é mensurável e<br />
tornar mensurável aquilo que não o é.” (2)<br />
O “incomparável Newton” * soube muito bem utilizar o passe, escrito<br />
na linguagem apropriada a decifrar os altos e herméticos desígneos<br />
divinos. Aprimorou-o na Philosophie naturalis principia mathematica:<br />
“Toda a dificuldade da filosofia - a filosofia natural, isto é, a ciência física<br />
- parece constituir em estudar as forças da natureza a partir dos<br />
fenômenos em movimento, depois, a partir destas forças em demonstrar<br />
os restantes fenômenos.”(3)<br />
“Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” mostrava-se como um<br />
sistema de definições e proposições irrefutáveis, provas de linguagem<br />
numeral confessa, assim explicada pela criatura:<br />
“Já que os antigos tinham a ciência da mecânica como sendo de maior<br />
importância para a investigação dos fenômenos naturais, e os modernos,<br />
tendo rejeitado formas substanciais e quantidades ocultas, empenharamse<br />
em sujeitar tais fenômenos às leis da matemática, empreguei a última<br />
disciplina neste tratado, na medida em que se relacionasse com a<br />
filosofia... Portanto, ofereço este trabalho como os princípios matemáticos<br />
da filosofia ... Apresento este trabalho como os princípios matemáticos da<br />
filosofia, pois todo o encargo da filosofia parece consistir neste percurso -<br />
30<br />
dos fenômenos dos movimentos para a investigação das forças da<br />
natureza, e destas forças para a demonstração de outros fenômenos.” (4)<br />
A terceira parte do Principia afina com a estória contada pelo clero - na<br />
criação, Deus tomara a matéria prima para dividi-la, organizá-la e colocá-<br />
la em movimento:<br />
“Para construir esse sistema com todos seus movimentos, foi necessário<br />
uma Causa que compreendeu e comparou as quantidades de matéria dos<br />
vários corpos diferentes; essa causa não pode ser uma simples<br />
conseqüência cega do acaso, mas sim uma especialista em mecânica e<br />
geometria.” (5)<br />
O racionalismo “legitimava-O”, eis que Ele não seria a causa do erro,<br />
que provinha do “gênio mau”, “manhoso e enganador”, sempre<br />
empenhado no seu papel, o tal “Diabo” caricaturado por Descartes no<br />
esboço platônico denominado “Meditação Primeira”:<br />
* Incomparável Newton: como John Locke o chamava.<br />
Em carta a Mersena, Descartes assegurava: “Não temais, eu vos peço,<br />
em afirmar e publicar em toda parte que é Deus quem estabelece essas<br />
leis na natureza, assim como um rei estabelece leis em seu trono.” (6)<br />
Deus foi aceito como o criador do movimento, em sete dias. Pressupô-<br />
se, claramente, que todo o sistema seria originário do impulso inicial deste<br />
Alguém que, tendo elaborado ponto a ponto uma espécie de um colossal<br />
relógio, apenas lhe necessitasse a dar corda. O mundo funcionaria, depois<br />
do sexto dia da criação, automaticamente. Só o pensamento exato levaria<br />
ao conhecimento destas leis inteligíveis, à verdade buscada por todos.<br />
Este é o exemplo mais clássico, evoluído desde Bacon - a previsão do<br />
tempo discorrendo num eterno linear, tique-taque previsível:<br />
“A confecção de relógios, por exemplo, é certamente delicado e<br />
trabalhoso, de tal modo que as suas rodas parecem imitar as órbitas<br />
celestes ou o movimento contínuo e ordenado do pulso dos animais.” (7)<br />
Teólogos se entusiasmaram com a idéia platônica, a “coisificação”. Em<br />
1802 William Paley comparou direto Deus como um grande relojoeiro.<br />
Andando o grande projeto por si só, não teria mais porque Deus atuar. Era<br />
a chance que Ele dava ao homem em dois ângulos, pelo menos: descobrir,<br />
pelo suor de seu rosto, no trabalho, no estudo, pela matemática, o que<br />
Deus queria. Cumprir. Em troca, a natureza trabalharia para seu deleite e<br />
dominação. Criado e ordenado porque perfaz “Sua imagem e<br />
semelhança”, o homem, conforme as escrituras, deveria ser fecundo,<br />
multiplicando-se e enchendo a Terra, submetendo-a (8), batido refrão. O<br />
socialista H. Marcuse apontou a conseqüência ecológica:<br />
“A natureza deixa de colaborar e, controlada, colocada para vista em<br />
jardins, paisagens e praias, é submetida como matéria-prima para as<br />
necessidades da racionalidade tecnológico-científica. Com a ciência e o<br />
capitalismo não só novas formas de dominação do homem aparecem, mas<br />
a própria natureza passa a ser dominada pelo homem.” (9)<br />
31<br />
Cientistas e filósofos que embarcaram no trem mecanicista acabaram<br />
omitindo as referências divinas: uma vez colocado o mundo em<br />
funcionamento não mais teria Deus por que participar das operações;<br />
tampouco ser comentado. Só a linguagem dos números e das medições<br />
obedecia a verdades encadeadas. Tudo era suscetível de explicação,<br />
desde que combinasse com a explicação mecânica. O mote enviava o<br />
homem a descobrir a prova pela matemática; nesta, o Verbo não tinha<br />
nada a influenciar ou a mistificar*. Ou, por outra, o Verbo se mostrava,<br />
lògicamente, pelo número. Número se faz provado e provável.<br />
Pois foi “apoiado no ombro dos gigantes” (10), entre os quais o pioneiro<br />
grego, Galileu, o carrasco da natureza Francis Bacon e o próprio<br />
Descartes, que Newton ampliou espetacularmente o cientificismo em voga,<br />
sedimentando-o, consagrando-o pela sintética, convincente e brilhante<br />
lógica que atingiu, ao tempo em que rechaçava, como aqueles, as<br />
abstrações, vãs filosofias. Célebre se tornou sua premissa “Hypoteses<br />
non fingo”:<br />
“Sobre isto, Newton foi bastante claro: “tudo que não é deduzido dos<br />
fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam as<br />
metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às<br />
mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental”. (11)<br />
Newton ansiava recuperar o sentido das enigmáticas revelações<br />
alcançadas aos babilônicos. Entender a “filosofia da natureza” através<br />
desses preconceitos foi fatal a si e à humanidade. Pressupondo que seria<br />
possível, tomando posse das velocidades de todas as partículas do<br />
Universo em determinada hora, medir as forças em ação e prever todos os<br />
detalhes do futuro, Newton atirou milhões à Rebabel. Cada parte de<br />
matéria no universo atrairia outra com uma força inversamente<br />
proporcional ao quadrado da distância entre elas e diretamente<br />
proporcional ao produto das respectivas massas. Todos os<br />
acontecimentos na face da Terra seriam guiados por estas matemáticas<br />
leis extensivas a tudo que existisse.<br />
A magia do arcoíris se desfez no espectro newtoniano; no lugar da<br />
filosofia natural, a renovada e sedutora metafísica:<br />
“A natureza toda se transformou em um palco de impulsos e atrações, de<br />
dentes e alavancas, de movimentos de partes ou de elementos aos quais<br />
eram diretamente aplicadas as fórmulas de movimentos produzidos por<br />
bem conhecidas máquinas.” (12)<br />
Alfred North Whitehead foi dos pioneiros conscientes do grave deslize<br />
cometido com a prancha dialética, tão longo quanto profundo, pelo qual<br />
despenca a massa humana: “Por mais que tenham sido ditas com orgulho,<br />
as palavras de Newton... repousam num completo equívoco sobre a<br />
capacidade da mente humana para lidar com a natureza externa.” (13)<br />
A cientista da Nasa, Barbara Ann Brennam, Master em Física<br />
Atmosférica na Wisconsin University, compreende:<br />
“A mecânica newtoniana descreveu com êxito os movimentos dos<br />
planetas, das máquinas mecânicas e dos fluidos em movimento contínuo.<br />
O enorme sucesso do modelo mecanicista levou os físicos do século XIX a<br />
32<br />
acreditarem que o universo, com efeito, era um imenso sistema mecânico<br />
que funcionava de acordo com as leis básicas da natureza. Consideravase<br />
a mecânica newtoniana a teoria definitiva dos fenômenos naturais...<br />
Tudo podia ser descrito objetivamente. Todas as reações físicas tinham<br />
uma causa física, como bolas que se chocam numa mesa de bilhar.” (14)<br />
A pesquisadora ainda lembra que “essa maneira de ver as coisas era<br />
muito confortadora” (15).<br />
O funcionamento do mundo não se apresenta desse modo tão<br />
rudimentar. Prigogine comprova-nos:<br />
“A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos<br />
aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse<br />
universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase<br />
caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil<br />
de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade...<br />
Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos<br />
ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte.” (16)<br />
Os fenômenos concebidos submetiam-se às leis observadas, mas<br />
algumas eram arranjadas: “Newton vai mudando os dados, em suas várias<br />
edições sob sua supervisão, de modo a encaixar cada vez melhor a teoria.<br />
Físicos contemporâneos demonstraram a manipulação no limite da<br />
desonestidade”. (17)<br />
Quem adorou e por isso adotou esta técnica newtoniana foi Sigmund<br />
Freud, ao montar e demonstrar seu sistema “compreensivo” da natureza<br />
da mente humana.<br />
A dimensão físico-teórica newtoniana mostra objetos sólidos formados<br />
por concretos (!?) blocos de átomos. Eventuais prótons, neutrons e<br />
elétrons girariam semelhante às órbitas planetárias, coerente, portanto,<br />
com a percepção mecanicista do jogo de forças, mas Newton não<br />
percebeu que era justamente este movimento que lhe retirava o principal<br />
caráter que assinalava do objeto, da matéria, sua total inércia. Pelo<br />
movimento, outrossim, Newton poderia ter formulado a hipótese de que<br />
ela, a matéria enxergada, estava intrínsecamente neste constante<br />
movimento, sendo por isto passível de ser permeada, portanto não tão<br />
sólida ou concreta. O cenário permanecia na ótica tridimensional da<br />
geometria. Onde estavam ausentes as formações corpóreas entendia-se<br />
completo vazio, um ôco da imensa caixa do relógio universal. A análise é<br />
do próprio sir Newton:<br />
“O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem levar em conta<br />
qualquer coisa que lhe seja externa, permanece sempre inalterado e<br />
imóvel... O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, de si mesmo e por<br />
sua própria natureza, flui uniformemente, sem depender de qualquer coisa<br />
externa.”(18)<br />
Preciso e enfático, Newton descartou automaticamente qualquer outra<br />
idéia ou cientificidade que não fosse oriunda dessa ótica. Os Principia<br />
encerraram de um modo tão completo o período de investigação basilar da<br />
astronomia que os cientistas subseqüentes só atinaram em consolidar<br />
seus conceitos e realizações. A conseqüência foi drástica em todos os<br />
33<br />
sentidos. Os outros ramos científicos tornaram-se meros satélites da teoria<br />
físico-matemática, embora em Oxford permanecesse uma lâmpada de<br />
resistência - John Owen, o Reitor Magnífico de 1690 - que não cansava<br />
de recomendar a seus pupilos: “Tomem cuidado com os números! De que<br />
modo lamentável e miserável temos sido enganados por eles”. (19)<br />
Tendo em vista que um mais um tem como resultado dois, verdade<br />
inconteste, ninguém percebeu o alcance do conselho. Cambridge se impôs<br />
sobre Oxford; e empurrou a humanidade a escorregar pelo liso e<br />
interminável tobogã:<br />
“Grau utópico de sua exatidão, a perfeição última da física social radica,<br />
sob o aspecto teórico, em constatar rigorosamente a filiação das gerações,<br />
seja quanto ao conjunto da sociedade, seja quanto a seus mais<br />
específicos elementos, desde o surgimento da Humanidade até sua mais<br />
recente data, e sob o ângulo prático, prever, com não menor rigor e em<br />
todos os seus pormenores essenciais, o estado de coisas que tende a<br />
florescer da marcha espontânea da civilização.” (20)<br />
O ultra-racionalista F. Nietzsche reconheceu que o catedrático de Oxford<br />
é quem poderia estar mais perto da verdade. Havia algo de errado na<br />
linguagem solta dos números:<br />
“Nós queremos, tanto quanto seja possível, introduzir em todas as<br />
ciências a sutileza e a severidade das matemáticas, sem que imaginemos<br />
que com isso não chegaremos a conhecer as coisas, mas somente a<br />
determinar nossas relações humanas com as coisas. A matemática é<br />
simplesmente o meio da ciência geral e última dos homens.” (21)<br />
Mesmo sem querer, Nietzsche foi tragado na correnteza numeral,<br />
mecanicista, logicamente arranjada, hierarquicamente disposta; e<br />
persuadido pela dialética de Darwin. Assim falou Zaratustra:<br />
“Percorredes o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em<br />
vós resta muito do verme. Noutro tempo fostes macaco, e hoje o homem é<br />
ainda mais macaco que todos os macacos.” (22)<br />
O cientificismo foi forte para subverter a já capitulada filosofia, frágil por<br />
desestruturação teocrática. E, o que é pior - o rumo das pesquisas nas<br />
ciências humanas ateve-se à linha fatalista, predeterminada porque<br />
concebida para consecução objetiva, dialética arranjada de acordo com o<br />
relógio (uma bomba-relógio), fato que confirmava a necessidade de<br />
mentores e artífices dos trágicos destinos, refrão da história: Ninguém<br />
precisou de muita criatividade: “A história das descobertas científicas e<br />
técnicas revela-nos quanto o espírito humano carece de idéias originais e<br />
de imaginação criadora.“ (23)<br />
Nesta ciência consagrada por Newton é que Hegel, o “rei da dialética”,<br />
nossa próxima atração, encontrou seu mais perfeito álibi: “Na natureza,<br />
nenhuma coisa muda senão pelo encontro das outras”. (24)<br />
Nada é por acaso: “Hegel tem Descartes na conta de um herói. “ (25)<br />
O código matemático de interpretação da natureza, de tão endossado,<br />
sentou no trono dogmático, definitivo, hegemônico, indiscutível; porém, era<br />
falso. Assim referiu-se A. Einstein:<br />
34<br />
“Evidentemente, nós percebemos com facilidade, até mesmo pelo<br />
vocabulário, que a noção de espaço absoluto, implicando a de inércia<br />
absoluta, embaraça de modo particular a Newton. Porque percebe que<br />
nenhuma experiência poderá corresponder a esta última noção. Da<br />
mesma forma o raciocínio sobre ações à distância o intriga. Mas a prática<br />
e o enorme sucesso da teoria o impedem, a ele e aos físicos dos séculos<br />
XVIII e XIX de entender que o fundamento de seu sistema repousa em<br />
base absolutamente fictícia... O caráter fictício dos princípios torna-se<br />
evidente pela simples razão de que se podem estabelecer dois princípios<br />
radicalmente diferentes, que no entanto concordam em grande parte com<br />
a experiência. De qualquer modo, toda a tentativa de deduzir logicamente<br />
a partir de experiências elementares os conceitos e as leis fundamentais<br />
da mecânica está votada ao malogro.” (26)<br />
A Física foi redimida, mas a conta não foi perdoada: o preço foi ( ainda é)<br />
alto demais. Milhões de vidas humanas, para não falar de todo o resto,<br />
principalmente a ecologia, foram (e ainda são) sacrificadas. Precisa mais?<br />
Pelo jeito, sim: no trem da alienação seus passageiros pensam estarem<br />
sobre um mundo sólido e imutável, num conjunto de dialéticas e<br />
mecânicas condicionantes do seu funcionamento, metafísica de<br />
aprendizes de feiticeiros e adivinhos. O vagão das ciências humanas<br />
abriga muitos desses incautos passageiros da monótona viagem em busca<br />
da propalada exatidão, prerequisito ao diploma científico tão almejado.<br />
Ficarão a pé.<br />
<br />
6. O incomparável Newton<br />
Copérnico, Livro I, cit. Châtelet, F., p. 49.<br />
Galilei, Galileu, cit. Gaarder, Jostein, O Mundo de Sofia, p. 221.<br />
Newton, Isaac, cit. Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 73.<br />
Newton. I., citado por B. J. Dobbs, The foundation of Newton´s alchemy,<br />
Cambridge University Press, 1975, p. 13-4; idem Thuillier, P., p. 148.<br />
Newton, Isaac, cit. Schwartz, Joseph, p. 45.<br />
Bacon, Francis, Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da<br />
Interpretação da Natureza, p. 67.<br />
Descartes, R., cit. Japiassú, Hilton, A Revolução Científica Moderna, p.<br />
173/4.<br />
Genesis 1:28<br />
Marcuse, Herbert, One-Dimensional Man, Beacon Press, 1964, cit. Deus,<br />
Jorge Dias de organizador e artigos de R.K.Merton, T.S.Kuhn,<br />
W.O.Hagstrom, J.Haberer, G.B. van Albada, Ph.Roqueplo, F.Gil,<br />
R.Horton, A.Maslow, A.N.Whitehead, p. 20.<br />
Célebre frase de Newton: "Se fui tão longe foi porque estava apoiado no<br />
ombro de gigantes." Arthur Koestler analisa os “gigantes”: primeiro,<br />
Johannes Kepler: "...uma mente para a qual toda a realidade última, a<br />
essência da religião, da verdade e da beleza estava contida na linguagem<br />
35<br />
dos números." Depois, Galileu Galilei e René Descartes: "...prometeu<br />
reconstruir o universo inteiro a partir apenas de matéria e extensão e que<br />
inventou a mais bela ferramenta de raciocínio matemático, a geometria<br />
analítica". Koestler, Arthur, The Sleepwalkers, 1978, cit. Lemkow, Anna<br />
F., , p. 84.<br />
Newton, Isaac, cit. Thuillier, P., p. 169.<br />
Dewey, John, p. 87. .<br />
Whitehead, Alfred North, Matemática, in Fadiman, Clifton, p. 333.<br />
Brennann, Barbara Ann, Mãos de Luz, p. 43.<br />
Idem, ibidem.<br />
Prigogine, Ilya, cit. Ferguson, Marilyn, A Conspiração Aquariana, p 164.<br />
Newton, Isaac, cit. Lentin, Jean-Pierre, Penso, Logo me Engano,<br />
"Grandes gênios, pequenas trapaças"; cit. revista Veja, Ed. Abril, São<br />
Paulo, 20 de marco de 1996, p. 108.<br />
Newton, Isaac, Principia, II parte, art. 37.<br />
Owen, John, cit. Ormerod, Paul, A Morte da Economia, p. 107.<br />
Comte, Augusto, cit. Lacerda, Arthur Virmond de, p. 33. Pelo último: “O<br />
anseio de tratar a ciência social como um ramo da matemática, encontra<br />
sua origem na convicção de que fora dela inexiste certeza, em verdade<br />
preconceito gerado na época em que o domínio do positivo limitava-se à<br />
esfera matemática e que tornou-se inescusável quando passou a haver<br />
certeza também em química e sobretudo em fisiologia, ciências das quais<br />
o cálculo não participa senão instrumentalmente.”<br />
Nietzsche, F. , A Gaia da Ciência, p. 130.<br />
Nietzsche, F., Assim falava Zaratustra, p. 8.<br />
Einstein, Albert, Como Vejo o Mundo, p. 198.<br />
Newton, Isaac, cit. Capra, Fritjof, p. 60.<br />
Alquié, F., p. 17<br />
Einstein, A. Como Vejo o Mundo, p. 149/50.<br />
36<br />
III. A “DOILÉTICA” DE HEGEL<br />
A filosofia de Platão, que outrora<br />
reclamara ser senhora no Estado, torna<br />
se com Hegel o seu mais servil lacaio.<br />
Karl Popper (1)<br />
O mundo de Hegel é o mundo da cultura<br />
tradicional, histórica, ética e jurídica,<br />
o mundo de um notável, não de um sábio.<br />
Gaston Bachelard (2)<br />
7. O notável lacaio<br />
Enquanto a Inglaterra continuava sua democracia liberal, em que pese<br />
o atendimento de algumas reivindicações “utilitaristas”; nos instantes em<br />
que a França se livrava do barbarismo e de Napoleão, para experimentar<br />
o laissez-faire, a Alemanha era insuflada pela mentalidade provinciana,<br />
disputas por supremacias internas, incentivos a confrontos de minorias<br />
étnicas e intelectuais em busca de hegemonia: "Quando a Prússia e os<br />
outros estados germânicos ingressaram no século XIX, encontraram a<br />
37<br />
onda de nacionalismo e as demandas por participação popular<br />
estimuladas pela Revolução Francesa." (3)<br />
As posturas anti-nacionalistas e pacífistas dos notáveis Kant e Goethe<br />
não redimiam a confusa realidade germânica, efervescente desde o<br />
Renascimento. A concepção do Estado da Prússia, por causa da recente<br />
invasão napoleônica, estava a exigir a configuração nacionalista-belicista.<br />
Antes, o respaldo legalista:<br />
“ A convicção de que a Alemanha esteve até agora enferma de muitas<br />
moléstias graves, de que pode e deve melhorar, é universal. O<br />
precedente domínio francês muito contribuiu para isso. Ninguém que<br />
queira ser imparcial pode negar que as instituições francesas estaõ<br />
encerradas muitas coisas boas e que o Código e as discussões e os<br />
discursos a respeito dele, assim como o código prussiano e o austríaco,<br />
trouxeram para nossa filosofia mais vitalidade e arte civilista que as<br />
acaloradas discussões dos nossos tratados sobre direito natural.” (4)<br />
As pacíficas e liberais fundamentações político-jurídicas foram<br />
neutralizadas assim pelos projetos alemães positiva e paulatinamente<br />
combinados de Herder, Fichte, Schelling, Ihering, Hegel, Hans Kelsen,<br />
Karl Savigny, Thibaut, Dilthey, Wundt, Gobineau, Nietzsche, Engels,<br />
Marx, Freud, Jung, Max Weber, Franz Oppenheimer, Friederich Wieser e<br />
Carl Schmitt. “O movimento ideológico tem, enfim, uma importância<br />
notável junto aos juspositivistas alemães da segunda metade do século<br />
transcorrido, que sofreram a influência hegeliana do Estado” (5)<br />
Russel pega a ficha dos emergentes:<br />
“Shelling (1775-1854), assim como Hegel e o poeta romântico Hölderlin,<br />
era de origem suábia e os três se tornaram amigos quando Schelling<br />
entrou para a Universidade de Tübingen, aos quinze anos. Kant e Fichte<br />
foram as principais influências filosóficas que absorveu... Tanto em Fichte<br />
como em Schelling, encontramos formas que Hegel mais tarde utilizou<br />
como método dialético... Com Hegel, a filosofia idealista alemã recebeu a<br />
sua forma final e sistemática. “ (6)<br />
Shelling arrependeu-se de ter contribuído: “A filosofia do direito de<br />
Hegel foi capaz de funcionar como apologia do Estado prussiano. Assim<br />
como não se passeia impunemente por entre palmeiras tampouco se vive<br />
impunemente em Berlim,” diz Karl Rosenkranz (7)<br />
Os germânicos até conheceram Leibniz e sua doutrina dos nômades<br />
- todas as substâncias possuiriam mesma natureza; contudo, este,<br />
isolado, também foi eclipsado, desta feita pelas práticas proposições de<br />
Wundt e de Wilhelm Dilthey, as quais exibiam a versatilidade do modêlo<br />
Volk, agora usado como gênese da psicologia de massa a identificar a<br />
hermenêutica, o objetivo, o interesse coletivo: “No decorrer do século XIX,<br />
a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física,<br />
química, biologia, psicologia e nas ciências sociais. “ (8)<br />
Os métodos científicos de busca do conhecimento através de cortes<br />
para análises de objetos “exumados” e as subsequentes<br />
classificações envolvidas por ordenamentos numéricos se impuseram<br />
38<br />
por essa gloriosa história de experiências, superstições, ardis,<br />
análises superficiais e por falta de imaginação:<br />
“O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal<br />
sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base<br />
conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica,<br />
como também política, histórica, social e até moral.” (9)<br />
A novel e vistosa Psicologia almejava obter a carteira de identidade<br />
da comunidade científica. O rigorismo quantificado passou a ter a<br />
única importância à aferição da inteligência. A geometria analítica<br />
poderia traduzir as operações de pensamento. E as ciências<br />
humanas, agora as “mentais”, ficavam mais uma vez privadas de seu<br />
sujeito e de seu objeto. Em nome do racionalismo, apelos simétricos.<br />
Explica-nos Hilton Japiassu, no trecho que corresponde ao mote de<br />
sua obra:<br />
“A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento<br />
científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a<br />
formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As<br />
ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e<br />
de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram<br />
em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A<br />
análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos<br />
cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por<br />
isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais<br />
bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que<br />
se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a<br />
ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à<br />
inteligência matemática.” (10)<br />
Biológica por essência, a Psicologia virou “política positivistasociológica”:<br />
“A influência de Comte no desenvolvimento posterior da<br />
psicologia é indiscutível. Ela se revela na própria obra de Wundt,<br />
obviamente enfatizado aqui o caráter científico da psicologia.” (11)<br />
Bobbio levanta as coincidências:<br />
“Minha opinião é a seguinte: com respeito à exigência, o jusnaturalismo<br />
não pode renascer, pela simples razão de que nunca morreu; no que<br />
concerne à teoria propriamente dita, temo que tenha morrido no fim do<br />
século XVIII, quando todas as novas correntes filosófica – o utilitarismo na<br />
Inglaterra, o positivismo na França, o historicismo na Alemanha –<br />
convergiram, sem o saber, na crítica ao direito natural.” (12)<br />
O Direito passou envergado; e a ciência, desvirtuada:<br />
“Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim,<br />
aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se<br />
inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos<br />
com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe<br />
fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva.” (13)<br />
Colocados os fenômenos como elementos de um sistema unido,<br />
coerente, lógico, fomentava-se a unidade imprescindível aos propósitos<br />
totalitaristas - o domínio da psicologia das massas - cada vez mais<br />
39<br />
justificado: “A ciência política opera com material humano e os<br />
fundamentos do poder e da obediência são de natureza psicológica”. (14)<br />
O projeto ideológico-psicológico não detinha segredos. O Estado (o<br />
eventual governante) punha-se como criador da arte, da lei, do moral, da<br />
religião, etc. Cabia ao cidadão ser seu produto, subliminar confirmação da<br />
perfídia roussoniana. Com a observação do der Gang der Sache selbst, a<br />
dinâmica interna dos fatos (de novo as concepções dialéticas em cima do<br />
universo-relógio a ser esmiuçado, peça por peça e função, até acertaremse<br />
ponteiros) acreditava-se na lógica seguinte ou no destino manifesto a<br />
partir desse determinado estado de coisas e isto já provara Comte. A<br />
busca do entendimento pela revisão passada, a síntese da dialética<br />
constituiria, afinal, a “verdade” da disciplina, proposição da “Ciência da<br />
Lógica”. O que acontece com a pretensão? P. Soupault responde:<br />
“A lógica tem sido o veneno que lentamente tem paralisado todas as<br />
forças da imaginação do homem. Em nome da lógica foram condenadas<br />
descobertas científicas e invenções poéticas, explorações de sonhadores<br />
e evasão de clarividentes.” (15)<br />
A lógica encarava um corpo acionado por leis mecânicas, contrapondose<br />
às virtudes da alma, identificada com a consciência. A luta entre corpo<br />
e alma, espírito e matéria dava origem à “confrontação” dos elementos no<br />
organismo entendido sempre doente. O “homem-porco”, às vezes só<br />
homem, às vezes só porco, estava fadado a correr enlouquecido, de um a<br />
outro extremo da meia-verdade ingênua ou maquiavelicamente estendida<br />
para os grandes combates dos bons costumes contra os bárbaros:<br />
“O organicismo ético e idealista cultivou-o a escola histórica, sobretudo<br />
a concepção de Savigny acerca do espírito popular - o Volksgeist -<br />
tomado como fonte histórica, costumeira, tradicional, geradora de regras e<br />
valores sociais e jurídicos” (16)<br />
Relembra Bobbio: “As primeiras histórias das instituições foram histórias<br />
do direito, escrita por juristas que com freqüencia tiveram um<br />
envolvimento prático direto nos negócios do Estado.” (17)<br />
Assim fora com Platão, em Siracusa; com Maquiavel*, em Florença;<br />
com Hobbes** e Bacon, em Londres; com Rousseau**, e, Paris; com<br />
Hegel e Savigny, em Berlim.<br />
A Fichte, Hegel, Savigny, somar-se-ia o brilhantismo jurídico de Rudolf<br />
von Ihering, este discípulo do último. Para todos o Direito deveria se<br />
iniciar no Volksgeist - o tal espírito do povo - (18) psicologia de Herder,<br />
Dilthey e Wundt. O gênio ou o espírito de uma nação atuaria através dos<br />
indivíduos independentemente de suas próprias vontades e intenções<br />
conscientes, os diferenciando de outras nações.<br />
Quem, finalmente, poderia implementar o rumo dessa força<br />
concentrada? Quem realizaria o Volksgeist, pelos regulamentos, pela<br />
ordem unida em busca daquela vida mais "cômoda" acenada por<br />
Savigny?<br />
Bismarck e Hitler convenceram-se capazes. Ambos acabaram com ela.<br />
O professor de filosofia Johan Gottlieb Fichte (1762-1814) merece<br />
destaque pelo pioneirismo da conclamação. Como todos os passageiros<br />
40<br />
do trem dos infortúnios, defendia a Revolução Francesa e glorificava a<br />
obra de Rousseau; com a adesão, tomou fama de democrata, já moldada<br />
por ser aluno e até meio discípulo de Kant. Fichte, todavia, modificara seu<br />
entendimento a partir da invasão napoleônica, quando então perverteu a<br />
base teórica de Kant, criando chicanas no trabalho do ex-afeto. Teve<br />
sucesso. Fichte foi precisamente descrito como “pai da unidade alemã,<br />
filho da Revolução e de Napoleão”.(19) Para o plagiador Johan, como fora<br />
para Hegel, Savigny e Comte, o Direito deveria pautar a política da força,<br />
do determinismo vetorial, da lei do mais forte, do controlador. Bertrand<br />
Russel enquadrou a bestialidade:<br />
________________________________________________________<br />
* Maquiavel, Nicolau: na obra O Exterminador do Futuro,<br />
www.hotbook.com.br<br />
** Hobbes, Thomas; Rousseau, Jean-Jacques: na obra A perfídia<br />
científica de Descartes, Hobbes & Rousseau, e sua trágicas<br />
consequências www.hotbook.com.br.<br />
“Fichte estabeleceu que a educação deveria ter por objetivo destruir o<br />
livre arbítrio, de modo que as crianças, depois de deixarem a escola,<br />
fossem incapazes, pelo resto de suas vidas, de pensar e agir de maneira<br />
diversa daquela que seus mestres teriam desejado. Mas este era, em sua<br />
época, um ideal atingível. O que ele considerava o melhor sistema, Karl<br />
Marx produziu...” (20)<br />
A teoria político-maquiavélica, pela qüinquagésima vez, se aproximou<br />
repetida. Mister o reforço da nacionalidade para fazer frente as<br />
intempéries. Gaetano Mosca reforça: “Em “Discursos a Nação Alemã”,<br />
publicado em 1808, o fortalecimento nacional passava de novo como<br />
única receita capaz de brecar ou mesmo reiniciar contendas e<br />
barbarismo”. (21)<br />
A unificação prussiana, além de defender a área, ensejaria coroar o<br />
objetivo hegemônico. O heróico brado retumbava:<br />
"Só a Alemanha, doravante, e não mais qualquer Estado e<br />
principalmente a França, se acha qualificada para realizar a<br />
humanidade”... O problema presente, a primeira tarefa é simplesmente o<br />
de preservar a existência e a continuação de tudo o que é alemão”. (22)<br />
A segunda tarefa realizou quarenta dias de bombardeio incessante<br />
sobre a milenar Paris. Antes, com Bismarck, realizava a Prússia a reunião<br />
apregoada: “... o regime de ferro de Bismarck atrofiava a capacidade de<br />
cidadania do povo alemão, deixando-a destruída para o Kaiser Guilherme<br />
II, “o diletante coroado”. (23)<br />
O barco ganhava o comandante; quase cinqüenta anos antes, seu<br />
mentor: A história política européia, que teve no Príncipe italiano sua<br />
revelação, no inglês Leviathan seu símbolo e na subvertida vontade<br />
francesa de Rousseau a solução, requeria o pujante organizador alemão.<br />
Mister, pois, este “Maquiavel” de olhos azuis, modernizado - o “patriota<br />
unificador”, de sobrenome Hegel. Por completo, Georg Wilhelm Friederich<br />
Hegel (1770-1831):<br />
41<br />
“A filosofia política moderna acha sua primeira forma sistemática em<br />
Hobbes; mas seu germe vital está em Maquiavel, de quem Hegel foi - não<br />
preciso lembrar - um grande admirador. E uma história que tem no<br />
Príncipe sua revelação, no Leviathan seu símbolo e - podemos também<br />
acrescentar, na vontade geral de Rousseau sua solução ideal, não podia<br />
deixar de ter como conclusão o deus-terreno de Hegel”.(24)<br />
Seguindo o princípio do Líder, Hegel extraiu do Nicol(m)au o apelo “aos<br />
altos destinos":<br />
“Na opinião pública, tudo é a um tempo falso e verdadeiro, mas cabe ao<br />
Grande Homem descobrir nela a verdade... E quem não compreende<br />
como desprezar a opinião pública... esse nunca realizará qualquer coisa<br />
grande.” (25)<br />
Notemos como Hegel levou a sério a tapeação:<br />
“A isto pode-se chamar astúcia da razão - o fato de por as paixões a<br />
trabalhar por si mesmas, embora aquilo que lhe desenvolva a existência<br />
através dessa compulsão pague o preço e sofra a perda... O particular é,<br />
na maior parte, demasiadamente insignificante quando comparado com o<br />
geral: os indivíduos são sacrificados e abandonados.” (26)<br />
O pavilhão nacionalista, extremado e incrementado, foi o mesmo degrau<br />
que permitiu ao novo passageiro subir a bordo e sentar, em lugar de<br />
honra, no trem dos infortúnios:<br />
“O Estado exige impostos e esta exigência de que cada um dê alguma<br />
coisa de sua propriedade, com o Estado tomando deste modo aos<br />
cidadãos, abarcando toda a existência: o direito à vida é sagrado, mas a<br />
ele se deve renunciar”.(27)<br />
“Os impostos não são, em absoluto lesões do direito de propriedade, a<br />
ponto de se considerar que reclamá-los seja algo ilícito. O direito do<br />
Estado, é algo mais alto do que o direito do indivíduo a sua propriedade e<br />
a sua própria pessoa”(28).<br />
Antes a Pátria do que a própria vida. Kamikazes agradecem a<br />
compreensão, mas pode alguém chamar filosofia o convite à morte?<br />
Não nos é difícil divisar a razão da escada: “O nacionalismo era o único<br />
sentimento que encerrava capacidade de atração geral” (29).<br />
A Revolução Francesa, mais do que devaneios filosóficos, indicava o<br />
que uma Nação unida poderia realizar. De nada adiantava ao cidadão<br />
possuir direitos em relação ao Estado, como acontecia na Inglaterra, mas<br />
não ser respeitado por periódicos invasores, como acontecia na Prússia:<br />
“Hegel influiu nos negócios na Alemanha ao fim das guerras<br />
Napoleônicas, diante a profunda humilhação nacional perante a França e<br />
as aspirações de unificação política e criação de um estado nacional que<br />
correspondesse a unidade e grandeza da cultura germânica.(30)<br />
Hegel quis e conseguiu influir em tudo:<br />
“Ao correr do desenvolvimento de seu pensamento, iria Hegel colocarse<br />
do lado da realidade da força, da violência, da prepotência; iria<br />
salientar o desabrochar das sociedades e do Estado como grupo<br />
hegemônico, em concorrência vital com outros Estados. O que ele de<br />
certo modo antecipou, e se converteu uns vinte anos depois de sua morte<br />
42<br />
na idéia central da biologia evolucionista de Darwin, com conseqüências<br />
filosóficas que repercutiram de vários modos sobre a Concepção de<br />
Mundo moderna...”(31)<br />
Seu discurso era enfático, convincente:<br />
“Uma multidão que, devido a dissolução da força militar e a falta de uma<br />
organização financeira, não soube formar um poder estatal, não está em<br />
condições de defender sua independência contra inimigos externos”. (32)<br />
Quando publicou sua “Enciclopédia”, Hegel era professor em Heidelberg,<br />
aprazível recanto entre Munich/Frankfurt; imediatamente, foi chamado a<br />
Berlim e consagrado “ditador oficializado” da filosofia política, por sua<br />
Filosofia da História; “o desenvolvimento do espírito na história é missão<br />
precípua dos alemães, os únicos que compreenderam o alcance universal<br />
da liberdade... mas não se pode deduzir que onde exista lei exista<br />
liberdade, como Hegel de fato parece pensar. Se assim fosse, “liberdade”<br />
seria sinônimo de “obediência à lei”, o que é um pouco diferente da<br />
opinião de um leigo.” (33)<br />
Hegel supôs propor a perfeição: “Somente a Idéia Absoluta é ser,<br />
perene vida, verdade que se sabe a si mesma, e é toda a verdade.” (34)<br />
Rohmann põe sua colher:<br />
“Hegel percebia uma relação complicada entre a família, a sociedade<br />
civil e o Estado, e concebia o Estado, também, como manifestação do<br />
Absoluto, ao qual o indivíduo é, paradoxalmente, obrigado a se sujeitar<br />
espontaneamente.” (35)<br />
A personalidade e a obra foram ironizadas por Von Mises:<br />
“Houve Hegel. Certamente foi um pensador profundo; suas obras são<br />
um rico acervo de idéias estimulantes. Não obstante, escreveu sempre<br />
dominado pela ilusão de que Geist, o Absoluto, revelava-se por seu<br />
intermédio. Não havia nada no universo que não estivesse ao alcance da<br />
sabedoria de Hegel. Pena que sua linguagem fosse tão ambígua, a ponto<br />
de ensejar múltiplas interpretações...” (36)<br />
A estratégia do lôbo, altamente interessante aos profissionais da<br />
política, não escapou da aguda crítica do contemporâneo Artur<br />
Schopenhauer (1788-1860):<br />
“ ... pelos poderes vigentes como o Grande Filósofo oficializado, era<br />
um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que<br />
alcançou o pináculo da audácia por garatujar e fortificar as mais malucas<br />
e mistificantes tolices. Essas tolices foram barulhentamente proclamadas<br />
como uma sabedoria imortal, por seguidores mercenários, e prontamente<br />
aceitas como tal por todos os tolos, que assim se juntaram num coro<br />
perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira. O extenso campo de<br />
influência espiritual que assim foi fornecido a Hegel por aqueles que se<br />
achavam no poder capacitou-o a realizar a corrupção intelectual de toda<br />
uma geração.” (37)<br />
Schopenhauer não viveu o suficiente para testemunhar como a<br />
corrupção intelectual hegeliana manchou não só a sua, mas todas as<br />
gerações que se seguiram.<br />
43<br />
As críticas em cima dos fundamentamentos do Direito Natural* até a<br />
chegada do Contrato Social, de Rousseau, possuíam características<br />
comuns, tentativas dissimuladas de extinção do pensamento<br />
jusnaturalista. Seriam totalmente exitosas com Napoleão, para o prejuízo<br />
de todos:<br />
________________________________________________________________<br />
* Direito Natural: proveniente do jusnaturalismo, caracterizado por Bobbio<br />
"como a doutrina segundo a qual existem leis não postas pela vontade humana -<br />
que por isso mesmo precedem a formação de todo o grupo social e são<br />
reconhecíveis através de pesquisa racional - das quais derivam, como em toda e<br />
qualquer lei moral ou jurídica, direitos e deveres que são, pelo próprio fato de<br />
serem derivados de uma lei natural, direitos e deveres naturais." Bobbio,<br />
Norberto, Liberalismo e Democracia, p. 12. Locke enalteceu o “Direito Natural”<br />
como a principal fonte, para não dizer a única científica, confiável e justa da<br />
própria Ciência Jurídica. Foi claro: “Se eliminas a lei da natureza, eliminas, ao<br />
mesmo tempo, entre os homens, toda a cidadania, todo o poder, a ordem e a<br />
sociedade”. Paulo Nader acrescenta: “O Direito Natural não possui a função de<br />
ocultar interesses materiais ou propósitos políticos. Não é ideológico...<br />
<br />
“É representado pelas pressões exercidas pelo regime napoleônico<br />
sobre os estabelecimentos reorganizados de ensino superior do direito (<br />
as velhas Faculdades de Direito da Universidade haviam sido substituídas<br />
pelas Escolas centrais por obra da República, transformadas<br />
posteriormente sob o Império em Escolas de Direito e colocadas sob o<br />
contrôle direto das autoridades políticas) a fim de que fosse ensinado<br />
somente o direito positivo e se deixasse de lado as teorias gerais do<br />
direito e as concepções jusnaturalistas (todas coisas inúteis, ou<br />
perigosas, aos olhos do governo napoleônico que, não esqueçamos, era<br />
nitidamente autoritário.)” (38)<br />
. A filosofia de direito de Hegel sedimentou a herança platônico-francesa<br />
ao insinuar que o Jusnaturalismo poderia existir, desde que circunscrito à<br />
“totalidade ética”:<br />
“Considerado isoladamente, o indivíduo era meramente nocivo, um<br />
animal governado por instintos bruscos, como dissera Rousseau, sem<br />
nenhuma norma de ação mais alta que impulsos, apetites e inclinações, e<br />
sem regra de pensamento mais importante que fantasias subjetivas. Os<br />
direitos e liberdades do indivíduo seriam aqueles que correspondessem<br />
aos deveres impostos pela situação que desfrutava na sociedade. Hegel<br />
fundiu a idéia da vontade geral incoerentemente formulada por<br />
Rousseau.” (39).<br />
O extraordinário filosofo alemão apelou à “vontade geral”, solicitada a<br />
florescer não no tronco da República, como propugnara o sofista francês,<br />
mas enfeixado na própria Monarquia, afinando a Hobbes e Jehan Bodin.<br />
Vejamos o (pré)conceito já emanado por Hobbes sobre o ser humano,<br />
algo que passou de geração a geração e de país em país:<br />
“Fora do Estado, acha-se o domínio das paixões, a guerra, o medo, a<br />
pobreza, a incúria, o isolamento, a barbárie, a ignorância, a bestialidade.<br />
44<br />
No Estado, acha-se o domínio da razão, a paz, a segurança, a riqueza, a<br />
decência, a sociabilidade, o refinamento, a ciência, a benevolência”. (40)<br />
Thomas Hobbes sentenciara: “A autoridade, não a sabedoria, cria a lei”.<br />
(41)<br />
___________________________________________________________<br />
... As diretrizes que traça para o Direito Positivo não decorrem de convenções<br />
humanas, nem são seus princípios estabelecidos à luz de acontecimentos<br />
históricos.” “...abandonar a idéia do Direito Natural é manifestação mais grave<br />
ainda, porque tal renúncia corresponde à tese de que não há, para o Estado,<br />
qualquer limite na sua tarefa de legislar, sendo-lhe franqueadas todas as formas<br />
de totalitarismo.” Leo Strauss especulou pelo este óbvio: “ ... o abandono da<br />
crença no direito natural, de um direito superior ao positivo, com valor objetivo e<br />
validade metahistórica, teria sido uma das causas do surgimento dos Estados<br />
totalitários, cujos principio ético consiste na máxima bárbara Gesetz ist Gesetz: a<br />
lei deve ser obedecida em si mesma, pelo fato de que é uma lei,<br />
independentemente de qualquer consideração sobre o seu valor ético.”<br />
Brasileiros obedecem porque é Medida Provisória. Brasileiro é tão bonzinho...<br />
Não se incomoda com a ditadura, seja ela de quartel ou de cartel.<br />
Nesta, Hegel soube somar, ao invés de seu hábito de dividir: “A<br />
autoridade faz a lei por que é a sabedoria”.(42)<br />
Hegel, por isso, considerava imprescindível uma monarquia nacional e<br />
constitucional, até por supor que toda a riqueza de Espanha, França e<br />
Grã-Bretanha provinha da união em torno do monarca. Misturando esses<br />
aleatórios dados com o conceito de nação fincado na linguagem, como<br />
gostava o ridículo Fichte, Hegel conseguiu liquidar com o tênue<br />
regionalismo ainda sobrevivente. Desvirtuaram-se tradicionais caminhos e<br />
vocações individuais, em nome do todo. O mais alto valor deveria<br />
pertencer ao Estado, que simplesmente responderia pelo diktak, molde<br />
estéril da personalidade platônica, a Nação-motor da História, o polvo que<br />
a tudo alcança, vetor estrelado, preferencialmente, por algum grande<br />
astro capaz de magistral interpretação:<br />
“Desde o momento em que o Estado - conforme Hegel - assume a<br />
realidade do direito como desenvolvimento de uma pura idéia,<br />
pretensamente moral, em pleno voluntarismo jurídico, a tarefa de legislar<br />
tende a converter-se num facere. Trata-se de um fazer mediante o qual<br />
sua vontade trata de levar a prática à construção de uma sociedade nova,<br />
por um método que combina o idealismo, que lhe ministra o modelo, e o<br />
empirismo, com o qual trata de construi-lo. Assim ficam abertas as portas<br />
a todo o intento de realizar cientificamente qualquer tipo de utopias.” (43)<br />
O vetor nacionalista compactava aparente vantagem prática frente a<br />
concepção de natureza social e humana arquitetadas pelos relativistas<br />
precoces. O modo de aprender a arte de guerrear poderia ser encontrado<br />
através da associaçãopara a defesa da pátria, pela impregnação de seus<br />
ideais e costumes, tornando-se, em resumo, do ponto de vista da tradição<br />
grega, um adepto prático das guerras. Hitler, Mussolini e Lenin bem<br />
souberam facere. Ao fã tupiniquim Octávio de Faria, Cesar Bórgia viera<br />
melhor reencarnado: “Mussolini é, em traços gerais, o homem com quem<br />
Machiavel sonhou.”(44)<br />
45<br />
Hitler o reconheceu quando, no acordo de paz da Tcheco Eslováquia,<br />
ele, Mussolini, dançou o ballet do “pacificador”. Nesta, como noutras<br />
ocasiões, Mussolini serviu de inocente-útil ao sagaz nazista: a presença<br />
italiana “conciliara” os interesses do III Reich e do resto do mundo. Eis o<br />
"vade-mecum" de ambos, a “lógica das lógicas”, enunciada primeiramente<br />
pelo Duce:<br />
“Formulo uma pergunta: após quatro séculos, o que resta de vivo no<br />
Príncipe? Podem os conselhos de Maquiavel ser ainda de alguma<br />
utilidade para aqueles que dirigem os Estados modernos?<br />
Circunscreve-se o valor do sistema político à época em que foi escrito<br />
e é, conseqüentemente, limitado e, em parte decrépito? Ou é, ao<br />
contrário, universal e atual, mais especialmente atual? Respondo a<br />
estas interrogações. Afirmo que a doutrina de Maquiavel vive hoje<br />
mais do que há quatro séculos, pois ainda que as formas exteriores<br />
de nossa existência tenham mudado consideravelmente, não se<br />
operaram modificações profundas, nem no espírito dos indivíduos,<br />
nem no dos povos.” (45)<br />
O espírito do homem “selvagem” lembrado por Hobbes e a ação de<br />
domínio sobre a natureza, proposta por Bacon, teriam que ser<br />
submetidos ao competente “domador”. Ao povo, pau, pão e circo. O<br />
Estado Corporativo fez-se na obra:<br />
“Cada ser humano tornou-se menos importante, mesmo a seus<br />
próprios olhos, ao ser confrontado com a vasta organização, além de seu<br />
controle e, muitas vezes, de sua compreensão. A corporação requer<br />
novos níveis de especialização do trabalho, coordenação central,<br />
economia de escala e concentração das tomadas de decisão... precipitou<br />
uma corrida do individualismo para o coletivismo. As tendências<br />
renascentistas à glória, à honra, e ao empreendimento individual foram<br />
substituídas, com poucas exceções, pela administração coletiva do<br />
“homem de organização” e pela busca do objetivo supremo da era<br />
moderna: a eficiência máxima. Enquanto a organização ia ficando cada<br />
vez maior, o indivíduo diminuía na mesma proporção.” (46)<br />
Antônio Gramsci e os italianos tinham sido tapeados, mas não só eles:<br />
o próprio Lênin, nos anos que antecederam à Revolução do Proletariado,<br />
ainda no exílio suíço, vibrara com o progresso encetado por Mussolini na<br />
província de Forli, quando o ator, já no início de sua carreira demagogo,<br />
provocara os diaristas trabalhadores de campo (braccianti) a enfrentarem<br />
os proprietários. Em seguida, tornou-se um dos jornalistas (?!) mais lidos<br />
na Europa. Em 1912, com menos de trinta anos, conquista “o poder do<br />
Partido Socialista Italiano, no Congresso de Reggio Emilia, insistindo em<br />
que o socialismo fosse marxista, perfeito, internacionalista e inflexível.”<br />
(47).<br />
Assim falava Hegel: “Tudo o que o homem é, ele deve ao Estado; só<br />
nele o homem tem sua essência”.(48)<br />
Assim cumpriram Bismarck, Mussolini, Hitler, Lênin e Stálin e seus<br />
macacos.<br />
46<br />
Hegel pintou um estado de natureza sem inocência, (que infância<br />
tiveram esses filósofos...) alertando à tradicional violência de civilizações<br />
sem Estado. Ele conhecia e gostava da obra de Hobbes, sem dúvida.<br />
A velha receita determinava detonar de imediato a base do<br />
pensamento “Iluminista; a tanto, Hegel formula o ensaio juvenil, de idade<br />
e ingenuidade - “Diversas Maneiras de Tratar Cientificamente o Direito<br />
Natural” de 1802. Trata-se, evidentemente, de anunciado sofisma. Russel,<br />
numa trivial definição, poderia satisfazê-lo com apenas uma resposta,<br />
única maneira: “...Neste caso, entende-se por direito natural aquilo a que<br />
um homem tem direito, precisamente devido à sua natureza humana.”<br />
(49)<br />
Bobbio demonstra que Hegel conseguiu ser “mais roussoniano que<br />
Rousseau...”(50) Este montara um contrato parcialmente inadequado.<br />
Mister era melhor expressá-lo:<br />
“Para que tal aconteça, explica Hegel, é necessário que haja, por parte<br />
do Estado, autoridade absoluta e, da parte do povo, obediência<br />
incondicional. Os cidadãos do Estado de Hegel são súditos, servos,<br />
submissos, no exato sentido da palavra”. (51)<br />
Neste caso, qualquer dialética é condenável, que dirá diversidade.<br />
John Dewey recorda os motivos: “Onde quer que impere a autoridade, o<br />
pensamento é tido como duvidoso e nocivo.” (52)<br />
Montesquieu alertara:<br />
“A extrema obediência pressupõe ignorância naquele que obedece; faz<br />
suspeitar também ignorância naquele que comanda; neste caso este não<br />
terá de deliberar, de duvidar e nem de raciocinar; não deverá senão<br />
querer.” (53)<br />
Quem, todavia, poderia conhecer ou se interessar pelos artífices<br />
liberais, sepultados ainda antes da famigerada Revolução? Por Napoleão,<br />
Rousseau é quem fora o vitorioso. A Alemanha o conheceu, e muito bem.<br />
Na celebração à inóspida guilhotina e à farsa democrática da Revolução<br />
Francesa, preferiu Hegel ser romântico: “Apenas agora o homem<br />
alcançou conhecer que o pensamento deve governar a realidade<br />
espiritual. Foi uma esplêndida aurora.”(54)<br />
Os cidadãos do Estado de Hegel foram os subservientes de Bismarck<br />
e Hitler, na mais pura, inocente ignorância. Toynbee analisa a perspectiva<br />
da “Vontade Geral”, de Rousseau, fonte pela qual se serviu, deixando os<br />
restos para louco de Munique, a seu parceiro do sul, sobrando para os<br />
russos:<br />
“Segundo esta concepção, o ser humano individual não é senão uma<br />
parte da sociedade de que ele é membro. O indivíduo existe para a<br />
sociedade e não a sociedade para o indivíduo. Por conseguinte, o que é<br />
significativo e importante, na vida humana, não é o desenvolvimento<br />
espiritual das almas, mas o desenvolvimento social das comunidades. Na<br />
minha opinião, esta tese não é verdadeira; sempre que tem sido<br />
considerada como tal e colocada em prática, tem produzido enormidades<br />
morais. A asserção de que o indivíduo é uma simples parte do todo social<br />
pode ser verdadeira quando se trata de insetos sociais - abelhas,<br />
47<br />
formigas e térmites - mas é falsa quando se refere a quaisquer seres<br />
humanos que conhecemos.” (55)<br />
Henri Bergson o rejeitou diretamente:<br />
“Em contraposição a Hegel e toda a ala da supremacia estatal, defende<br />
Bergson o valor supremo da individualidade humana. Qualquer espécie<br />
de sociedade é um meio, e não um fim em si mesma” (56).<br />
Nem Toynbee, tampouco Bergson estavam nos instantes de Hegel<br />
para serem ouvidos. E se estivessem, não adiantaria. Sören Kierkegaard<br />
(1813-1855) estava; Miguel Reali o cita:<br />
“Diferentemente de Hegel, que buscava o universal e a objetividade, o<br />
escritor desenvolve uma reflexão introspectiva na procura do “eu” e das<br />
componentes “singularidade e intimidade”, através da estética, ética e<br />
religião.” (57)<br />
O dinamarquês remetia a importância da vida sobre as organizações,<br />
meras protetoras dos direitos individuais. Mas quem seriam Kierkegaard<br />
ou Bergson para suplantar o “filósofo oficial”?<br />
Nem Hobbes, nem Platão, muito menos Maquiavel, tampouco<br />
Rousseau ou Hegel conheceram a “sabedoria” de Hitler e Lenin. Ficariam<br />
chocados com o bizarro: as forças impessoais solicitadas por ambos<br />
foram atendidas pelas duas forças pessoais. O poder soberano, dito<br />
também do povo, só é exercido por seu jockey.; e o povo, montaria.<br />
7. O notável lacaio<br />
Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, p. 269.<br />
Bachelard, Gaston, cit. Quillet, Pierre, Introdução ao Pensamento de<br />
Bachelard.<br />
Almond, G. e Powell Jr., G., p. 197.<br />
Thibaut, Antonio Frederico Justo (1772-1840), cit, Bobbio, N., O<br />
Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito, p. 57-8<br />
Bobbio, N., Locke e o direito natural, p. 24.<br />
Russel, B., p. 352/3<br />
Rosenkranz , Karl; Hegel, G.W., cits. Cicero, Antônio, p. 134.<br />
Lemkow, Anna, p. 86.<br />
Gleiser, Marcelo, p. 164.<br />
Japiassú, Hilton, "Nascimento e Morte das Ciências Humanas", p. 97.<br />
Comte, Augusto, cit. Penna, Antônio Gomes, História das Idéias<br />
Psicológicas, p. 118.<br />
Bobbio, Norberto, O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito, p.<br />
224.<br />
Heras, Jorge Xifra, "Introdución à la Política, Curso de Derecho<br />
Constitucional", 2. ed., Barcelona; cit. Bonavides, Paulo, "Ciência Política",<br />
p. 51.<br />
Japiassú, Hilton, "Nascimento e Morte das Ciências Humanas", p. 126.<br />
Soupault, Phillipe, cit. Oliveira, Beneval de, "Nietzsche, Freud e o<br />
Surrealismo", p. 41.<br />
48<br />
Bonavides, Paulo, "Ciência Política", p. 57.<br />
Bobbio, N., Estado, Govêrno e Sociedade; para uma teoria geral da<br />
política, p. 54.<br />
Bastos, Wilson de Lima, p. 197.<br />
Fichte, J.G., cit. Jouvenel, Bertrand de, por Chevallier, Jean Jacques, ob.<br />
cit. p. 232.<br />
Fichte, J.G., cit. Russel, Bertrand, p. 94.<br />
Mosca, Gaetano, cit. Bastos, Wilson de Lima, "Nos Meandros da Política",<br />
p. 140.<br />
Fichte, J.G., "Discursos a Nação Alemã", Nacionalismo e Formação<br />
Nacional, cit. Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, ob.<br />
cit. p. 573.<br />
Bismarck, cit. Diggins, John Patrick, p. 115.<br />
Hegel, G.W , Bobbio, Norberto, Estudos Sobre Hegel, Direito, Sociedade<br />
Civil, Estado, p. 42.<br />
Hegel, G. W. The Philosophy of History, Introdução, Bohn Library, p. 34,<br />
cit. Sabine, G. p. 62.<br />
Hegel, G. W. cit. Bobbio, N., Estudos Sobre Hegel, Direito, Sociedade<br />
Civil, Estado,p. 119.<br />
Hegel, G.W., Princípios de Filosofia do Direito, parágrafo 258, cit. Pereira,<br />
Julio Cesar R., p. 124.<br />
Hegel, G. W. , cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 119.<br />
Sabine, George, História das Idéias Políticas, p. 848.<br />
Hegel, G. W., cit. Sabine, G., p. 647.<br />
Hegel, G.W., cit. Penna, J. O. M., O Espírito das Revoluções, p. 94.<br />
Hegel, G.W., cit. em Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 135.<br />
Hegel, G.W., cit. Russel, Bertrand, p. 357<br />
Hegel, F. W., Ed. Lasson, Vol. II, p. 484; cit. Heidegger, M., A<br />
Constituição Onto-teológica da Metafísica, p. 190. ;Hegel, G.W., cit. em<br />
Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado,<br />
p. 135.<br />
Hegel, G., cit. Rohmann, Chris, p. 188.<br />
Von Mises, Ludwig, Ação Humana - Um Tratado de Economia, p. 72.<br />
Bobbio, N., O Positivismo Jurídico, Lições de Filosofia do Direito, p. 81.<br />
Schopenhauer, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus<br />
Inimigos, p. 255.<br />
Rousseau, Jean-Jacques e Hegel, G.W., cit. Rohden, Huberto, p. 160.<br />
Hobbes, Thomas, cit. Bobbio, Norberto, idem, p. 41.<br />
Hobbes, Thomas, De Cive, cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, p.<br />
50.<br />
Hegel G W. , cit. Bobbio, Norberto, idem, p. 40.<br />
Hegel, G.W., cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 154.<br />
Faria, Octávio, Machiavel e o Brasil, p. 93.<br />
Mussolini, Benito, 1924, cit. em Jorge, Fernando, p. 142.<br />
Clemens, John K. e Douglas F. Mayer, p. 170.<br />
49<br />
Nolte, Ernst, Three Faces of Fascism, p. 155; cit. Johnson, Paul, p. 45.<br />
Johnson continua ligando: "Lênin, escrevendo sobre o Congresso para o<br />
Pravda (15 de julho de 1912) regogizava-se: "O partido do proletariado<br />
socialista italiano tomou o rumo certo."<br />
Hegel, G.W., cit. Bobbio, Norberto, Estudos Sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil, Estado, p. 86.<br />
Russel, Bertrand, p.158.<br />
Hegel, GW e Rousseau, J. J. , cits. Bobbio, Norberto, Estudos Sobre<br />
Hegel, Direito, Sociedade Civil, Estado, p. 86. .<br />
Idem, ibidem.<br />
Dewey, J., p. 144.<br />
Montesquieu, Do Espírito das Leis, p. 44.<br />
Toynbee, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização<br />
posta a prova, p. 217.<br />
Bergson, Henri, cit. Rohden, Huberto, A Filosofia Contemporânea,<br />
50<br />
8. As pernas mecânicas<br />
<br />
De que maneira a estratégia de Hegel pode ser acolhida, ainda mais<br />
como manifestação científica? Como a dialética recebeu tão cobiçado<br />
galardão? De que modo simples leis positivas se apresentam como a<br />
mais pura expressão da ciência? Ora, bastava usar as duas pernas do<br />
original grego, já utilizadas por Maquiavel, Bacon, Hobbes, Rousseau e,<br />
principalmente, Descartes: “A cisão é a fonte da exigência da filosofia”, diz<br />
Hegel no Differenzschrift”. (1)<br />
Como Platão e Descartes, Hegel fazia a operação matemática de<br />
dividir o objeto em duas metades, para contrapô-las, extraindo “o suco”.<br />
Não por coincidência, reafirmava-se a cisão do conhecimento, na velha<br />
estratégia da Academia:<br />
“O abandono da universidade da Idade Média deve-se a uma iniciativa<br />
de um pequeno país chamado Prússia, no começo do século XIX, que<br />
criou uma universidade de maneira inovadora, dividida em<br />
departamentos: de Ciências, de Química, de Matemática.”(2)<br />
Dentre estas, a matemática era a grande vedete:<br />
“ Na matemática não há fatos fora do seu próprio campo que exijam<br />
comparação. Por causa dessa certeza, os filósofos de todos os tempos<br />
sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e<br />
mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.” (3)<br />
Provando seu alinhamento científico-filosófico-mecanicista, para exigir o<br />
reconhecimento científico à sua nem tão engenhosa propositura, Hegel<br />
formulou as poéticas palavras, em homenagem ao ídolo Descartes:<br />
“Como ele cruzamos propriamente o umbral de nossa filosofia<br />
independente... Aqui, podemos dizer, estamos em casa e podemos, como<br />
o navegante após longo périplo por mar proceloso, exclamar “terra”...”(4)<br />
Sinceramente, era preferido ter ficado no mar.<br />
“ ...um racionalista francês, Helvécio, afirmara que as leis podem ser<br />
deduzidas de princípios certos como aqueles da geometria.” (5)<br />
O precursor utilitarista-positivista, já no prefácio do L’esprit (6), alegava<br />
que tentara tratar a ética como qualquer outra ciência e fazê-la tão<br />
51<br />
empírica como a Física. Ora, tratar a ética como aritmética captava<br />
enorme simpatia popular; daí a sua corruptela foi um pequeno passo.<br />
Helvécio passou a ilusão de que o legislador sábio utilizaria dores e<br />
penalidades para harmonizar interesses contrários, mas inaugurava<br />
temerário precedente: se moralidade e instituições sociais justificavam-se<br />
apenas por sua utilidade, qualquer reivindicação pessoal seria um<br />
absurdo. Assim aconteceu. Na luta à tomada de poder, o argumento<br />
numérico, próprio de Descartes e Rousseau, constituiu-se de pleno<br />
sucesso, fortalecendo os desmandos da Revolução Francesa e o<br />
desdobramento napoleônico.<br />
O Barão de Holbach (1723-1784) propunha “O Sistema da Natureza”<br />
(7), misto de ateísmo e materialismo também baseado nas ciências<br />
físicas conhecidas. Irradiando a crença de que a classe média era, em<br />
sentido especial, paradigma de bem-estar, Holbach propugnou pela<br />
extensão dos direitos políticos a ela, maneira de minimizar o acirramento<br />
de classes, por interferência do poder. Alemães costumam perseguir a<br />
perfeição:<br />
“Muitas partes do direito civil são, por assim dizer, somente uma<br />
espécie de pura matemática jurídica em cuja posição não pode ocorrer<br />
nenhum influxo decisivo, como a doutrina da propriedade, da sucessão,<br />
as hipotecas, etc. “ (8)<br />
A mecânica universal de Newton vinha a calhar. No começo da<br />
terceira parte dos Principia, a demonstração cabal de fenômenos de ação<br />
e reação:<br />
“Agora demonstrarei a estrutura do Sistema do Mundo:<br />
Todo o corpo continua no próprio estado de repouso ou de movimento<br />
uniforme numa reta, a não ser que seja impelido a mudar esse estado por<br />
forças que lhe forem aplicadas.<br />
A mudança de movimento é proporcional à força motriz aplicada e<br />
ocorre na direção da reta em que a força foi aplicada.<br />
Para toda ação existe sempre uma reação igual e oposta.”(9)<br />
“Na natureza, nenhuma coisa muda senão pelo encontro das outras”.<br />
(10)<br />
O item número um, antes de Newton, Descartes já o formulara, em<br />
1644, no Principia Philosophiae; e o ítem três foi ainda mais fatal para<br />
Hegel e tantos. A medição de fenômenos físicos de acordo com sua<br />
intensidade variável, mas de regular constância sobre um eixo<br />
epistemológico arbitrado, como se tudo pudesse ser resolvido por<br />
eficazes medidores, foi aplicada em todos os temas nos quais os<br />
conceitos de desenvolvimento fossem relevantes. Foi usada, par<br />
excellence nos Estudos Sociais, por arranjos dialéticos. O trabalho da<br />
investigação hegeliana redunda em trazer à tona o dark side, o negativo<br />
subliminar da trajetória histórica conhecida, à luz de uma realidade virtual<br />
completamente fantasiada. Jean T. Desanti analisa os esforços de Hegel,<br />
sua tentativa: “...emendar os encadeamentos operatórios da matemática<br />
com seus encadeamentos conceituais.”(11)<br />
52<br />
Qual o significado que queria emprestar este extraordinário arquiteto de<br />
palavras? E a composição etimológica da famosa dialética? Ou, como<br />
indaga Bobbio, “o termo dialética tem significado unívoco? Se tem muitos<br />
significados, que relação existe entre uns e outros?”(12)<br />
O termo “dialética”, como tudo de Hegel e Platão, suscita dúvidas e<br />
polêmicas: “Os escritos de Hegel estão entre as obras mais difíceis de<br />
toda a literatura filosófica, devido não só a natureza dos tópicos<br />
discutidos, mas também ao estilo canhestro do autor.” (13)<br />
Vejamos pelo descendente Antônio Gramsci, quem sabe, no texto de<br />
Bobbio:<br />
“ Quanto ao uso do termo ‘dialética’ ( e derivados) podem-se encontrar<br />
– nas páginas de Gramsci – os diversos significados que o termo ssumiu<br />
na linguagem marxista. Podem-se distinguir, pelo menos, dois<br />
significados fundamentais: o significado de ‘ação recíproca’ e o de<br />
‘processo por tese, antítese e síntese’. O primeiro significado aparece<br />
quando quando o adjetivo ‘dialético’ vem unido à ‘relação’, ‘conexão’,<br />
talvez mesmo ‘unidade’. O segundo, quando vem unido a ‘movimento’,<br />
‘processo’, ‘desenvolvimento’.” (14)<br />
Tentemos pelos marxistas, seus maiores cultores:<br />
“Tem-se a impressão de que, na linguagem cotidiana do marxismo, o<br />
termo ‘dialética’ apresenta uma fluidez excessiva, escondendo em suas<br />
dobras significados variados, dificilmente articuláveis entre si, e que são,<br />
de resto, a maior fonte de confusão e de plêmicas inúteis.” (15)<br />
Vamos dissecá-la de outro modo. Alguns pesquisadores enxergam-no<br />
formado pelo prefixo dia - correspondente a intercâmbio - e pelo verbo<br />
legein, ou substantivo logos, significando diálogo. O sentido, todavia, por<br />
dialético continua dúbio. Tentemos outra: pela semiótica, na sintaxe e na<br />
semântica do prefixo dial percebe-se o pragmatismo do adjetivo dual, ou<br />
seja, duplo, talvez anunciante de duas éticas - uma, real, legítima; outra a<br />
que interessa, dissimulada. Chama-se dial o eixo por onde corre, de norte<br />
a sul ou de leste a oeste, no receptor de rádio, o ponteiro para atingir as<br />
posições de cada emissora. Continuamos na mesma. Rohden nos fala<br />
em soma de dia=através e lelo=pensar, jogo de palavras que envolve<br />
duas (dial) éticas...(16)<br />
Decifremos o significado diretamente pelo adepto? Logo, para Hegel, é<br />
o sufixo que denota a própria lógica proveniente de uma escolha arbitrária<br />
sobre um dos dois vértices chamados “intercambiáveis” (na verdade<br />
contraditórios) que produzem o confronto das forças, daí restando os<br />
despojos cognominados síntese. Considerando o mundo em equilíbrio<br />
permanente, por causa da confrontação das forças físicas, Hegel<br />
enxergava a dinâmica da História como produto também do princípio<br />
decorrente, quando a oposição e situação teriam cada um sua razão e<br />
seu equívoco, resultando a providencial síntese que eliminaria os erros de<br />
cada uma, voz da maioria, que imediatamente passa a totalitária.<br />
Descamps não o perdoou:<br />
“Praticar a história é, então, se colocar à escuta de mecanismos de<br />
poderes, de interesses e de paixões que forjam um real que só aparece<br />
53<br />
como racional tarde demais para o filósofo hegeliano acompanhado de<br />
sua coruja de Minerva.” (17)<br />
Teses antagônicas, o positivo versus negativo, atração e repulsão<br />
gerariam a síntese, daí outra tese, outra antítese e nova síntese, assim<br />
por diante, em movimentos supostamente regulares, numa mágica<br />
depurativa para um produto pretensamente mais fortalecido e<br />
cientificamente correto. Cada povo daria sua peculiar e oportuna<br />
contribuição ao mundo, ganhando ou perdendo importância, e a<br />
propositura coincidia com um dirigido exame aos fatos da acidentada vida<br />
européia. Granger descobre sua principal deficiência:<br />
“Sejam quais forem os atrativos das descrições dialéticas de certos<br />
períodos da história, não podemos deixar de pensar que a diversidade<br />
dos acontecimentos e dos homens não se ajusta assim tanto a este<br />
esquema. O salto da antítese para a síntese aparece muitas vezes como<br />
arbitrária.” (18)<br />
Contrapõe-se tese e antítese no eixo determinista. Para alcançar a<br />
realidade (aleatória) captada na síntese, mister o antagonismo mais<br />
unilateral possível, o choque frontal, o confronto direto. O resultado é esta<br />
pretensa sintética-expressão, a qual já nasce deformada e até<br />
traumatizada pelo próprio choque, e completamente distanciada da<br />
harmonia natural por que regem todos os corpos, esquecidos tanto na<br />
produção quanto em sua apuração. Se paixões não são metais que se<br />
fundem, tampouco são campos magnéticos repelentes. Burns assim<br />
desqualificou o método: “Nunca acontecia de o novo substituir<br />
inteiramente o antigo, pois o padrão da mudança era “dialético.” (19)<br />
Paul Feyerabend compôs “Contra o método”.(20)<br />
Pedro Demo assinala prosaicas constâncias nas formulações dialéticas.<br />
Vale a pena trazê-lo: “Todavia é mister modestamente reconhecer que a<br />
dialética padece de crônica inefetividade, por várias razões:<br />
na maioria das vezes, apresenta-se como mera disposição teórica, verve<br />
crítica, fúria verbal; esta incongruência é ainda mais gritante quando a<br />
dialética se diz materialista histórica, porquanto nada seria mais a esta<br />
postura do que o distanciamento acintoso para com a prática;<br />
por outra, no campo formal, a dialética comporta-se como qualquer outra<br />
metodologia e não deveria mostrar pudor, retração, constrangimento no bom<br />
uso das instrumentações cientificas e metodologias; trata-se simplesmente<br />
do patrimônio comum científico; a diferenciação vem após ele, não<br />
propriamente dentro dele;<br />
é quase marca do dialético o azedume compulsivo, que em tudo põe defeito,<br />
muitas vezes sem sequer tomar conhecimento devido do que critica, sem<br />
apresentar alternativa convincente; esta vocação para “detergente” apenas<br />
esconde fraquezas crônicas e a falta concreta de contraproposta;<br />
forçoso é reconhecer a ainda baixa produtividade nos campos ditos<br />
alternativos, aqui resumidos na qualidade política - sabemos melhor dizer o<br />
que falta, o que se deturpa, mas estamos longe de garantir caminhos outros<br />
54<br />
criativos; a dialética ainda não apresentou qual seria a alternativa, por<br />
exemplo, ao “idiota especializado”;<br />
é por demais comum a confusão simplória entre horizontes formais e<br />
horizontes políticos, sobretudo a “politização” fora de lugar; vai por conta<br />
disso, por exemplo, a leviandade dos que acham a dialética a falta de<br />
capanorância em matéria de estatística e computação, ou decantam como<br />
dialética a despreocupação ingênua com o método<br />
é estereótipo freqüente o vôo macro-histórico, que pretende explicar a<br />
história toda em duas patadas, com ar profético simplório, dando a entender<br />
que a dialética vagueia lá, onde não mora ninguém; tudo que é estranho ao<br />
homem comum foi inventado por pessoas que não se acham comuns e<br />
produzem uma dialética esnobe e particular; sobretudo, são escassas as<br />
experiências alternativas, nas quais se trata de conferir a qualidade política<br />
concreta, donde jorra a conclusão inevitável de que a fala insistente sobre<br />
mudança é tendencialmente estratégia para camuflar o desinteresse e o<br />
distanciamento para com compromissos históricos concretos; porquanto,<br />
nada é mais conservador do que a crítica radical sem prática.” (21)<br />
A dialética é realmente mais fácil de entender como ética (ou falta dela)<br />
do que como lógica. Constitui, além de antagonismo predatório, sutil<br />
apelo moral, sem perder a característica da estratégica divisão, lição<br />
antiga:<br />
“ ...Hegel vê em Platão uma dialética positivo-especulativa, uma<br />
dialética tal que não conhece contradições objetivas somente por abolir<br />
sua pressuposição, mas que compreende ademais a contradição<br />
antitética do ser e do não-ser, da diferença e da indiferença(...). Para esta<br />
interpretação da dialética platônica Hegel se inspira, sobretudo, no<br />
Parmênides de Platão.” (22)<br />
Kant se reportava à dialética como “ciência das ilusões” (23) e<br />
Schopenhauer bem que advertiu:<br />
“Se alguma vez quiseres embotar o engenho de um jovem e<br />
incapacitar-lhe o cérebro para qualquer espécie de pensamento, o melhor<br />
que podes fazer e dar-lhe a ler Hegel. Pois estas monstruosas<br />
acumulações de palavras, que se amontoam e se contradizem<br />
mutuamente, impelem o espírito a atormentar-se com vãs tentativas para<br />
pensar qualquer coisa em relação a elas, até cair em colapso de plena<br />
exaustão. Assim, qualquer capacidade de pensar fica tão inteiramente<br />
destruída que o jovem acabara por confundir a verbosidade vazia e ôca<br />
com o pensamento real.” (24)<br />
Norberto Bobbio concorda:<br />
“Tem-se a impressão de que, na linguagem cotidiana do marxismo, o<br />
termo “dialética” apresenta uma fluidez excessiva, escondendo em suas<br />
dobras significados variados, dificilmente articuláveis entre si, e que são,<br />
de resto, a maior fonte de confusão e polêmicas inúteis.”(25)<br />
Sir Popper rechaça completamente a dialética e suplicou: “A nova<br />
geração, pelo menos, devia ser ajudada a libertar-se dessa fraude<br />
intelectual, a maior talvez da história de nossa civilização.”(26)<br />
55<br />
Nietzsche a viu como fórmula do oportunismo,(27) embora sua obra<br />
tenha o estilo.<br />
Niels Bohr, o extraordinário físico de nosso século, igualmente fulmina a<br />
pretensão científica calcada no choque dos contrários, demonstrando<br />
como uma premissa mal apanhada enseja o prejuízo de seu inverso.<br />
Vale o replay: “Uma verdade superficial é um enunciado cujo contrário é<br />
falso ... enquanto que uma verdade profunda é um enunciado cujo<br />
contrário também é uma verdade profunda.” (28)<br />
Destarte, como admitir científica síntese calcada em tantos dados<br />
prejudicados?<br />
Essa idéia da oposição de forças atuando em equilíbrio ordenado por<br />
um fenômeno progressivamente lógico, todavia, desde Platão mostravase<br />
capaz de fornecer a nova “chave” do entendimento sobre a natureza e<br />
sobre a História. Estava ao alcance dos germânicos, pois, a realização<br />
pela Pátria, já experimentadas pelos vizinhos. As forças impessoais<br />
inerentes à sociedade consumariam o destino de cada um. Só o produto<br />
da força reunida era capaz de produzir hegemonia. Apenas esta força<br />
seria capaz de barrar futuras invasões. Hegel clamava pela união em<br />
torno do estandarte e eleição de adversários, primeiro mostrando pela<br />
história um mundo hostil, daí requerendo a chamada “reação” veiculada<br />
por Newton, o vetor contrário, a dialética do nacionalismo pan-germânico<br />
contra outras nacionalidades, especialmente aquela assaltante.<br />
A dialética disseminada no campo político professava autenticidade<br />
racional. Foi para ascender à autenticidade, merecer crédito e<br />
reconhecimento, que Hegel peregrinou pelos atalhos da física conhecida,<br />
propondo o uso e controle da intensidade das forças por cálculos precisos<br />
fornecidos pelas ciências matemáticas, único método consentido desde<br />
Galileu e que serviu como padrão ideal à condução das massas. Seu<br />
primórdio exige a reunião da força. Só o Estado poderia perfazer a força<br />
concentrada, positivamente guardada na Constituição - “a organização<br />
das várias partes num todo compacto e coerente, que seja mais forte que<br />
as partes e, por isto mesmo, sua desagregação interna afaste a ameaça<br />
de destruição proveniente de fora” (29)<br />
Bertrand Russel execra a possibilidade tantas vezes tornada realidade:<br />
“Surge um grave perigo quando esse hábito de manipulação com base<br />
em leis matemáticas é estendido ao nosso trato com seres humanos, uma<br />
vez que estes, diferentemente do cabo telefônico, são suscetíveis de<br />
felicidade e infortúnio, de desejo e aversão. Seria, portanto, lamentável<br />
que se permitisse que hábitos mentais apropriados e corretos para o trato<br />
com mecanismos materiais dominassem os esforços do administrador no<br />
plano da construção social”. (30)<br />
O indivíduo (exceto o Príncipe e seus asseclas) era descartado. Ele<br />
perdia sua identidade, tomada por um Estado condutor, na justificada<br />
totalidade ética. O molde, (sempre o mesmo, aplicado desde a<br />
Renascença), ordenava a todos buscarem o abrigo comum, o grande<br />
toldo do Estado. Ao conceder proteção ao povo, recaia ao protetor o<br />
direito de subjugá-lo. O Príncipe e seus amigos mostram-se único guia,<br />
56<br />
fim de todo o desenvolvimento e de toda sucumbência: “O Direito do<br />
Estado é algo mais alto que o direito do indivíduo a sua propriedade e a<br />
sua pessoa”. (31)<br />
Neste propósito, trazemos a crítica e o apelo de Habermas:<br />
“Por certo Hegel, do mesmo modo que Aristóteles, ainda está<br />
convencido de que a sociedade encontra sua unidade na vida política e<br />
na organização do Estado; a filosofia prática dos tempos modernos parte,<br />
como antes, do princípio de que os indivíduos pertencem à sociedade<br />
como membros a uma coletividade ou as partes do todo - mesmo quando<br />
o todo deva ser constituído somente através do vínculo entre suas partes.<br />
As sociedades modernas, todavia, tornaram-se tão complexas que não se<br />
pode mais aplicar sem problemas ambas as figuras de pensamento - uma<br />
sociedade centrada no Estado, outra no indivíduo. A teoria do discurso do<br />
direito - e do Estado de Direito - tem de romper a bitola convencional<br />
imposta pela filosofia do direito e do estado, ainda que acolha sua<br />
temática.” (32)<br />
Sua temática é má temática. O rompimento é com o conceito, com o<br />
paradigma das ações de justiça, de direito, as quais, se antecedidas de<br />
ética, simplesmente não nascem, não acontecem, não persiste razão a<br />
tanto.<br />
Felizmente não são poucos os que reconhecem, até se penitenciam. Sir<br />
James Lightill foi dos mais célebres:<br />
“Hoje em dia todos nós estamos profundamente cônscios de que o<br />
entusiasmo que nossos precursores tinham em relação aos feitos<br />
maravilhosos da mecânica newtoniana levou-os a fazer generalizações<br />
nesta área de previsibilidade, na qual de modo geral talvez tenhamos<br />
tendido a acreditar, antes de 1960, mas que hoje reconhecemos que era<br />
falsa. Queremos nos desculpar coletivamente por haver confundido o<br />
público instruído em geral, fazendo-os acreditar em idéias sobre o<br />
determinismo de sistemas que satisfazem as leis de movimento de<br />
Newton, as quais, a partir de 1960, foi provado serem incorretas.” (33)<br />
A natureza não conhece justiça, que é um conceito inventado por<br />
Platão. Nada é igual a nada, portanto não há compensação. Mas a<br />
natureza conhece a ética, embora Darwin assim não acreditasse. Ela<br />
conhece cooperação, respeito e diversidade, na multiplicidade dos corpos<br />
em movimento, em ambiente de energia a todos comum.<br />
A perna mecânica<br />
Hegel G.W., cit. Cicero, Antônio, p. 73.<br />
Morin, Edgar, “Em seminário internacional do MEC, pensador Edgar Morin<br />
fala na educação do futuro - Ensino sem espírito não funciona”, Porto<br />
Alegre, Jornal Folha do Sul, 23/24 de setembro de 2000, p. 17.<br />
Russel, Bertrand, p. 137.<br />
57<br />
Descartes, René, cit. Hegel, G. W., Conferências e Escritos Filosóficos de<br />
Martin Heidegger, Hegel e os Gregos, p. 20<br />
Helvétio, C.V., cit. Bobbio, Norberto, O Positivismo Jurídico, Lições de<br />
Filosofia do Direito, p, 92.<br />
Helvécio, C. V., De L'esprit, II, 5; Ouevres (Paris 1795) Vol I, p. 208.<br />
Holbach, cit. Prelot, Marcel, Vol II p. 292.<br />
Bobbio, N., O Positivismo Jurídico, p. 92<br />
Newton, I., cit. Rohden, Huberto, Filosofia Contemporânea, p. 169.<br />
Newton, Isaac, cit. Capra, Fritjof, p. 60.<br />
Desanti, Jean T., G. W. Hegel, Des Idealites Mathematiques, Seuil, 1968,<br />
cit. Descamps, Christian, p. 93.<br />
Russel, B., p. 354.<br />
Gramsci, Antônio, cit. Bobbio, N, Ensaios Sobre Gramsci e o conceito de<br />
sociedade civil, p. 31.<br />
Idem, p. 27.<br />
Newton, Isaac, Principia Mathematica, cit. por Coveney, Peter e Highfield,<br />
Roger, ob. cit. p. 34 e 43.<br />
Newton, Isaac, cit. Capra, Fritjof, p. 60.<br />
Desanti, Jean T., G. W. Hegel, Des Idealites Mathematiques, Seuil, 1968,<br />
cit. Descamps, Christian, p. 93.<br />
Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 99.<br />
Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, vol.2, p.<br />
575.<br />
Feyerabend, Paul, cit. Thuillier, Pierre, introdução, p. 21.<br />
Demo, Pedro, in Haguette, p. 135/6<br />
Hegel, G.W., cit. Gadamer, Hans George, in Luft, Eduardo, Para uma<br />
crítica interna ao sistema de Hegel, p. 68<br />
Kant, I., cit. Haguette, Teresa Maria Frota org., Haguette, André, Bruhl,<br />
Dieter, Oliveira, Manfredo Araújo de, Demo, Pedro, Dialética Hoje, p. 12.<br />
Schopenhauer, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus<br />
Inimigos, p. 85.<br />
Bobbio, N., Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil, p. 27.<br />
Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, p. 85.<br />
Nietzsche, cit. Sabine, p. 633.<br />
Bohr, Niels, cit. Descamps, Christian, p. 103.<br />
Hegel, F.W., cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 67.<br />
Russel, Bertrand, cit. Fadiman, Clifton org., p. 266.<br />
Hegel, F.W., cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 119.<br />
Hegel, F.W., cit. Habermas, Jörgen, especial para o jornal O Estado de<br />
São Paulo de 6 de novembro de 1993.<br />
Lightill, Sir James, cit. Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 242.<br />
58<br />
<br />
9. Dialética x Somalética<br />
Foi pela consideração ao Direito Natural que o Iluminismo<br />
resplandeceu. Sociedades e governos coexistiam para proteger o direito<br />
de propriedade e garantir ao aspirante o produto de sua participação<br />
social, na medida em que esta é exercitada. O direito de propriedade<br />
advém da extensão desta personalidade aos objetos produzidos,<br />
consumidos, usados. Ao dispender neles sua energia, ou mesmo captá-<br />
la, o homem os transforma em partes de si mesmo: “O homem tem<br />
direito natural as coisas com as quais “misturou” o trabalho do seu corpo,<br />
tais como, por exemplo, cercar e lavrar a terra.” (1)<br />
Locke propôs, como bem diz Capra (2), “a teoria atomística da<br />
sociedade humana” mais de duzentos anos antes do princípio ser<br />
corroborado pela física nuclear. Adam Smith o completou, mas “o<br />
trabalho como origem e fundamento de toda a propriedade” foi negado<br />
justamente pelos patronos das chamadas causas “sociais” e<br />
“trabalhistas” dos séculos XVIII, XIX e XX. Subvertida a teoria pelo<br />
parcial exame histórico-econômico de competentes sofistas, somadas<br />
drásticas alterações circunstanciais dos séculos XIX e XX, a moda<br />
trabalhista-comunista, paradoxalmente, afastou a propriedade do próprio<br />
trabalhador. Teriam sido, então, John Locke, Adam Smith, os mais<br />
autênticos socialistas? A resposta é afirmativa e não somos os primeiros<br />
a levantar a para muitos bizarra hipótese:<br />
“Adam Smith só não se qualificou como anticapitalista porque o século<br />
XVII era básicamente capitalista, mas sua posição a respeito da<br />
ideologia e da prática capitalista era marcada por boa dose de ceticismo.<br />
As idéias de Von Humbolt e de Smith se relacionavam com a tradição<br />
socialista-anarquista - a crítica libertária de esquerda ao capitalismo.<br />
Tudo isso foi pervertido de forma grosseira, ou simplesmente esquecido,<br />
na vida intelectual moderna; no entanto, penso que todas essas idéias<br />
derivam diretamente do liberalismo clássico do século XVIII.” (3)<br />
Para nosso conforto, ninguém menos do que o Premio Nobel de<br />
Economia 1998 também concorda: "Eu acho que o Adam Smith é um<br />
59<br />
economista de esquerda; os líderes da Revolução Francesa eram<br />
grandes discípulos de Adam Smith." (4)<br />
Mais conhecida pelo toque de Hegel que embalou o marxismo, a<br />
relação dialética no prisma lockiano jamais é paradoxal, contraditória ou<br />
hierárquica. Salientando o caráter integrativo dos dois pólos, Locke exibe<br />
rito mais complexo, por isso também mais completo do que a<br />
simploriedade da platônica contraposição de vetores. Relembremos a<br />
citação:"Foi igualmente pela recusa do dualismo cartesiano, e pela<br />
defesa da observação e da análise contra o espírito sistemático, que<br />
Locke se impôs como "mestre da sabedoria" aos filósofos franceses do<br />
século XVIII." (5)<br />
Dos raros precursores da ciência política, praticamente nenhum lhe<br />
serviu. Não havia governo civil. Não usou Platão, a não ser para lembrar<br />
das trinta tiranias de Atenas e as de Siracusa, as quais tiveram como<br />
conselheiro o próprio Platão; muito menos Maquiavel. Tampouco parou<br />
em Hobbes, exceto para rapidamente contestá-lo; dos franceses,<br />
nenhum foi considerado – nem Bousset, ou Bodin, muto menos<br />
Descartes. O universo destes artífices se fazia totalitário, mecanicista e<br />
determinista. Locke quebraria uma perna do tripé; as outras deveriam<br />
cair na consequência, mas o mundo tinha que esperar mais provas. O<br />
físico nuclear Max Born, se presente, concordaria: “Max Born também<br />
escreveu, para dizer que não entendia como era possível conciliar um<br />
universo totalmente mecanicista com a liberdade da ética individual... Um<br />
mundo determinista é, para mim, um mundo muito aborrecido.” (6)<br />
Locke, como Born, não permitiu a seu mundo aborrecê-lo. Sua<br />
personalidade e a consistência dos “Ensaios Sobre a Lei da Natureza”<br />
propiciavam o bálsamo intelectual. Na abordagem científico-filosófica do<br />
sensato inglês não cabia aquele ordenamento numeral do já consagrado<br />
conterrâneo e contemporâneo Newton, embora este detivesse sua<br />
admiração. Desconfiava o íntimo de Locke, no entanto, de que boa parte<br />
da matemática utilizada não passava de um disfarce. Era preferível trilhar<br />
uma incerta verdade do que a certeza do equívoco; e assim falou John<br />
Locke:<br />
“1) Enquanto as idéias matemáticas podem ser expressas por meio de<br />
sinais sensíveis, imediatamente claros aos nossos sentidos, as idéias<br />
morais só podem ser expressas por meio de palavras, que são signos<br />
menos estáveis e exigem interpretação;<br />
2) as idéias morais são mais complexas do que as matemáticas, daí a<br />
maior incerteza dos nomes com que são designadas e a dificuldade em<br />
aceitá-las todas de uma vez.” (7)<br />
Pois é o maior matemático, o Professor Doutor Albert Einstein, quem<br />
lhe dá razão. Preconceitos, pressupostos marcadamente deterministas,<br />
absolutistas e calculistas são tão impróprios quanto a utopia, a ilusão, a<br />
impossibilidade: “O princípio criador reside na matemática; sua certeza é<br />
absoluta, enquanto se trata de matemática abstrata, mas diminui na<br />
razão direta de sua concretização”. (8)<br />
60<br />
Apesar da magnitude de sua obra, o modesto Locke considerava-se<br />
simples operário “encarregado de limpar um pouco o terreno, de afastar<br />
uma parte das velhas ruínas que obstruem o caminho do conhecimento,<br />
que sustam ou retardam o progresso” (9).<br />
Grande parte das velhas ruínas acabaram mesmo ruindo, e de imediato,<br />
na Inglaterra; algumas outras resistem, mesmo com a ainda mais<br />
espetacular implosão científica causada na história da civilização pelo<br />
aquele outro notável modesto, A. Einstein. O caráter da relação polar<br />
vista por John Locke voga no esteio que requer Edgar Morin e todos os<br />
modernos físicos, num leitmotiv solidário-integrativo, expressão somada<br />
– algo que inventamos expressar como somalética, em vez da<br />
preconceituosa “dialética”.<br />
Manifesta-se o professor Miguel Reale sobre a peculiaridade metódica<br />
de Locke, embora este, é bom que se corrija, não pudesse conhecer a<br />
dialética de Hegel, pela impossibilidade cronológica, apenas a de<br />
Hobbes e Platão, este de modo indireto, o que vem a dar na mesma:<br />
“A dialética que desenvolveu é a da complementariedade que implica<br />
uma pluralidade de perspectivas, que conduzem a sínteses abertas,<br />
onde os elementos sociais alcançam sentido quando se relacionam e se<br />
complementam. Com ressalva, continua admitindo a dialética hegeliana<br />
sob a condição de que os opostos, em lugar de integrarem um processo<br />
de síntese superadora, fossem considerados componentes da dialética<br />
de complementariedade.” (10)<br />
Subvertida a teoria pelo parcial exame histórico-econômico de<br />
competentes sofistas, somadas às drásticas alterações circunstanciais<br />
dos séculos XIX e XX, a moda trabalhista-comunista, paradoxalmente,<br />
afastou a propriedade do próprio trabalhador. Jacques Rueef em Les<br />
dieux et les rois, traduzido com o título de “A Visão Quântica do<br />
Universo”, depõe:<br />
“O determinado, o movimento da história, a lei do progresso inevitável,<br />
a dialética como motor do mesmo, a estrutura tecnocrática imposta, ao<br />
serem cotejados com os novos achados da ciência, resultam meros<br />
conceitos sem justificação, porque inclusive seus pressupostos<br />
científicos caducaram, revisados em suas raízes mais profundas”. (11)<br />
Chopra realça a capital importância e a gratificação na captura desta<br />
ação natural:<br />
“Quando você compreende a requintada coexistência de opostos, entra<br />
em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico, a substância<br />
imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é<br />
fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo<br />
é imutável, quieto, tranquilo, silencioso, eterno repouso.” (12)<br />
O notável jurista Hans Kelsen, no segundo estágio de sua obra,<br />
alcançou nosso objeto, ligando a democracia com a relatividade: “A<br />
concepção metafísico-absolutista está associada a uma atitude<br />
autocrática, enquanto a concepção crítico-relativista do mundo associase<br />
uma atitude democrática.” (13)<br />
61<br />
Malthus, Darwin e Hegel embarcaram muita gente no trem da<br />
carochinha. O sapo que vira Príncipe Encantado, a raçuda Gata<br />
Borralheira, o Superman obtinham sucesso em todos os continentes. Por<br />
aqui, Sérgio Buarque de Holanda, Viana Moog eram pródigos em<br />
reconhecer a superioridade racista e a conseqüente inferioridade da<br />
nossa e de outras ainda piores gentes. (Os outrora subdesenvolvidos<br />
“gatos” asiáticos, possantes “tigres”, puseram a pá de cal nesta antiga e<br />
por demais fermentada hipótese antropológico-determinista.)<br />
As feridas napoleônicas não estavam cicatrizadas; viúvas e amantes se<br />
reagruparam ao confronto. A guerra, o choque dialético, a luta pela<br />
sobrevivência, as novas constatações científicas, a filosofia vinda do<br />
afamado germânico Hegel, que consagrava os patrícios Rousseau,<br />
Descartes e Comte, imediatamente ampliada por Darwin e Marx, o<br />
determinismo, o mecanicismo, tudo foi apêlo (ou justificativa) a novo<br />
percalço. “Progressistas”, adeptos da vida “racionalmente” montada,<br />
reascenderam ao sucesso:<br />
“Sob influência dos filósofos absolutistas e autoritários, Hegel, Marx,<br />
Comte e uma pletora de epígonos contaminados por esta magia negra<br />
da política que é Ideologia - o Liberalismo recuou a partir da segunda<br />
metade do século XIX”. (14)<br />
Hegel também tirava deduções da moda de evolução trazida pela<br />
biologia. No estudo da natureza geólogos confirmavam o estado atual da<br />
Terra como produto de ação contínua de forças naturais durante enorme<br />
período, enquanto Lamarck apresentava uma coerência evolutiva que<br />
depois acabaria desaguando na Origem das Espécies, de Darwin. A<br />
evolução detectada na “força maior” encaixava-se no estudo das ciências<br />
humanas e Hegel buscou o sucesso pela mesma escada, deixando-a<br />
estendida a Darwin, mas, na tentativa de afastamento das antigas<br />
concepções rigorosamente deterministas, tanto este como aquele caíram<br />
vitimas dos próprios desígnios. Destarte, ao invés de se aproximarem da<br />
moderna concepção de natureza (que dezenas de anos após seria<br />
cabalmente demonstrada por Einstein) Hegel, alguns antepassados,<br />
contemporâneos e sucessores trabalharam com o equívoco mecanicista<br />
trocado por outro, embora pensado biológico, porém mais nefasto e mais<br />
baconiano, porque no sentido da dominação pela força. O absurdo<br />
estendeu-se preconizando uma biologia mecanicista, uma psicologia<br />
behaviorista, uma história empírica, uma sociologia descritiva e<br />
coisificante. O trabalho de John Locke preocupou o jovem Hegel. A<br />
Tábula Rasa explicava que todo humano nascia livre de pecado, num<br />
sistema que admite três formas de poder do homem sobre o homem: o<br />
poder familiar, o poder despótico e o poder civil. O primeiro deriva da<br />
natureza mas está limitado no tempo, porque existe enquanto os filhos<br />
não são adultos; o outro deriva de circunstância excepcional, isto é, de<br />
uma falta cometida cujo ato redentor vem pela submissão (ex delito) e,<br />
portanto, só pode ser confundido com o poder civil por quem considera<br />
os homens pecadores ao nascerem, incapazes de se redimirem per si (o<br />
Estado como remedium peccati). “Despótico”, em grego despotes,<br />
62<br />
designa a ação que o senhor exerce sobre os escravos. O último, o<br />
poder político, deriva do consenso; pressupõe que homens sejam<br />
dotados de razão, que limitam voluntariamente sua liberdade natural<br />
para poderem viver em paz e segurança. O Estado deveria ser a<br />
perfeição projetada na vida social e única forma de convivência<br />
imaginada do homem enquanto ser racional.<br />
Pois bem; Hegel começou sua “missão” justamente despejando<br />
enorme arsenal de V-1 * no endereço de John Locke.<br />
________________________________________________________________<br />
* V-1: Analogia com as terriveis bombas voadoras V-1 e V-2 usadas para<br />
destruição de Londres durante a 2. Grande Guerra.<br />
Uma ojeriza completa à Grã-Bretanha compunha a personalidade do<br />
intrépido Wilhelm, também neste aspecto assemelhada a Rousseau.<br />
Norberto Bobbio confirma:<br />
“... ele se desagradava da Inglaterra e de tudo o que a ela se referia,<br />
sempre a expressar um juízo negativo sobre governos aristocráticos,<br />
buscando macular o exemplo histórico mais relevante - a Inglaterra -<br />
junto com a República Romana.” (15)<br />
Eis a primaz preocupação de Hegel: “A política lhe aparece como luta<br />
pela unidade contra a desunião, não luta pela liberdade contra o<br />
despotismo.”(16)<br />
A Common Law * sofreu os duros ataques e até reveses elencados,<br />
diante do racionalismo jurídico, o domínio da “moralidade positiva”<br />
colocado acima da disputa direito tradicional e moral individual. Os<br />
costumes deveriam se perfazer nestas elevadas manifestações, nos<br />
códigos, tarefa inescapável do Estado daquele tempo: “Tudo o que o<br />
homem é, ele deve ao Estado: só nele o homem tem sua essência; no<br />
Estado o universal está nas leis”.(17)<br />
O “direito hegeliano” não percebe a razão humana como libertadora<br />
espiritual, mas arsenal de violência e opressão, o lamentável estado de<br />
natureza preconizado por Hobbes, Jeremy Bentham, John Austin nas<br />
ciências políticas e por Bacon e Newton nas ciências exatas e naturais.<br />
Coberto pelo quarteto inglês e pela artilharia francesa de Descartes,<br />
Rousseau e Comte, o último tipo, Hegel atacou, exitosamente, o Direito<br />
Consuetudinário,** taxando o Direito Natural como estéril e fonte de<br />
“enorme confusão”. Não poderia existir outro direito além do positivo, do<br />
codificado, do decretado, do ditado:<br />
“O conceito positivo que Hegel tem da Constituição está estritamente<br />
ligado com a concepção orgânica do Estado, insistentemente<br />
contraposta à teoria atomista predominante, típica dos jusnaturalistas...<br />
não existe para Hegel outro direito, no sentido palavra, além do direito<br />
positivo.” (18)<br />
Tampouco existiria outra filosofia que não fosse a de Platão:<br />
<br />
_______________________________________________________________<br />
63<br />
* Common laws: “Common laws, ou leis costumeiras ou consuetudinárias são<br />
as que revelam mediante o costume e a tradição, usualmente sendo registradas<br />
pela iniciativa dos juízes: daí a importância delas no sistema anglo-saxão.<br />
Statute laws são as leis baixadas por um rei ou assembléia, e que devem sua<br />
eficácia legal a essa edição. Na tradição inglêsa, eram repudiados inferiores,<br />
arbitrárias, contrastando com as primeiras, que seriam mais capazes de<br />
respeitar a natureza das coisas. (N.do R.T.)” Locke, J., Dois Tratados Sobre o<br />
Governo, p. 211.<br />
** Direito Consuetudinário: já definido por Locke, ume, na tradição, na<br />
história, que por sua obviedade e prática natural condiciona o ordenamento<br />
legislativo e comportamental. O País que mais o adota é a Inglaterra.<br />
“A filosofia platônica é um exemplo notável de teoria orgânica da<br />
sociedade – isto é, da teoria que concebe a sociedade ( ou o Estado)<br />
como um verdadeiro organismo, à imagem e semelhança do corpo<br />
humano.” (19)<br />
Para os africanos Hegel também tinha bala: “... para ele o negro é “o<br />
homem no estado bruto”, o “homem natural na sua total barbárie e<br />
ausência de freios”. (20)<br />
Hitler e Gobineau só podiam agradecer.<br />
Os jusfilósofos germânicos, como Friederich Karl von Savigny (1779-<br />
1861)* Rudolf von Ihering (1818-1892), de certa maneira Nietszche, e<br />
depois, já no nosso século, mas antes da 2ª Grande Guerra, Hans<br />
Kelsen (1881-1973), logo vieram para reafirmar que a lei era justa e<br />
racional só pelo fato de ser lei expressa. O último arrependeu-se; o<br />
primeiro, compreende-se: além de jurista, objetivava o executivo*.<br />
Buscava legislar em causa própria e, principalmente, ser obedecido,<br />
gáudio de qualquer megalomaníaco. Comparêmo-los com Montesquieu:<br />
“Dizer que não há nada de justo nem de injusto senão o que as leis<br />
positivas ordenam ou proíbem é dizer que antes de ser traçado o círculo<br />
todos os seus raios não eram iguais”. (21)<br />
Hegel demonstrou algum conhecimento de Direito Romano através dos<br />
filósofos do Direito Natural, que ele próprio rejeitava. Aliás, Hegel não<br />
possuía conhecimento direto do Corpo Iuris e detestava advogados,<br />
“profissionais que agem exclusivamente em causa própria, de maneira<br />
egoísta”. Ouçamos a palavra do “mestre”:<br />
“A categoria dos advogados, que, entre outros grupos sociais restantes,<br />
é aquela em que mais se pode pensar, está ligada, em sua mentalidade<br />
e em seus negócios, aos princípios do Direito Privado e, além disso, ao<br />
Direito Positivo, que são antípodas do Direito Público - vale dizer, aquele<br />
direito racional, o único que se pensar numa Constituição fundada na<br />
razão”. (22)<br />
Ora, foi entendendo o Direito com esta apreciação, obtusa e parcial,<br />
hostilizando a profissão concernente, que Hegel (e depois até Mussolini)<br />
se meteu a interpretar o Direito Romano. No plágio a Rousseau, Hegel<br />
conseguiu subverter a produção e aplicação deste direito - a<br />
competência saiu da esfera científico-jurídica para o âmbito prático-<br />
64<br />
político. No interior do sistema hegeliano operam-se as convenientes<br />
alterações.<br />
O natural balizamento ético concernente à legislação consuetudinária<br />
sofreu o impacto da dialética. Alteraram-se Direito Civil, Penal,<br />
Processual, Administrativo, Constitucional, até Direitos Humanos e<br />
Direito Internacional. O Direito Público solapou o Direito Privado.<br />
__________________________________________________________<br />
* Savigny foi transformado em ministro logo após a revolta reacionária<br />
de Frederico Guilherme IV.<br />
H. O. Ziegler descreve a introdução da idéia hegeliana - “espíritos<br />
coletivos concebidos como Personalidades”, como a “Revolução<br />
Copérnica na Filosofia da Nação”. (23)<br />
Mediante a alavanca da lei proposta por sábios ou notáveis, platônicos,<br />
autoridades, interesseiros pesquisadores ou demagogos, o Direito<br />
tornou-se cada vez mais positivo; e, freqüentemente, parcial, arbitrário.<br />
O radicalismo metodológico, envolvente e indiscriminado, permitiu que<br />
se imiscuísse pelo viés legislativo a Economia, o Moral e a Política, não<br />
mais se distinguindo o Direito do Moral. Hegel abriu esta enorme vereda<br />
por onde escorreram todas as ideologias. Valendo-se da dialética, os<br />
positivismos, utilitarismos e tantos “ismos”, até opostos entre si, tinham<br />
como vocação comum subjugar o jusnaturalismo: “...no que concerne a<br />
teoria propriamente dita, temo que tenha morrido no fim do século XVIII,<br />
quando todas as novas correntes filosóficas - o utilitarismo na Inglaterra,<br />
o positivismo na França, o historicismo na Alemanha - convergiram, sem<br />
o saber, na crítica ao direito natural.” (24)<br />
As linhas de pensamento foram riscadas em pares opostos: a antiliberalidade,<br />
através dessa valoração extremada do Estado em<br />
detrimento do cidadão e a filosofia científica, montada a escorar sua<br />
argumentação. Ambos elementos ligavam-se como as pernas do corpo.<br />
Para a libertação do determinismo metafísico, se sobrepõe a dialética,<br />
mas a platônica interpretação manifesta o vício romântico-idealista,<br />
portanto aprimorando o que condena: “Deve-se ter em mente que lógica,<br />
para Hegel, é realmente sinônimo de metafísica.” (25)<br />
Foi êste o ponto deletado por Marx, o qual utilizou a mesma<br />
mentalização dialética para pregar a luta - agora não mais de nações,<br />
como apregoava Hegel, mas de classes, envolvendo-as num programa<br />
de conflito com proporções mundiais:<br />
“A dialética hegeliana é idealista, pela primazia concedida ao espiritual<br />
sobre o material. Feuerbach, na própria escola de Hegel, iniciou a<br />
conversão do idealismo para o materialismo, obra esta completada por<br />
Karl Marx.”(26)<br />
Marx, então, escolheu de Hegel e de Darwin a dialética chamada<br />
científica, refutou a perna mecânica do Estado Nacional e partiu para a<br />
formulação teórica da “ditadura do proletariado”. Eis “cabal” razão do<br />
filósofo-mor do materialismo: “Em Hegel a dialética está de cabeça para<br />
65<br />
baixo. É preciso recolocá-la sobre seus próprios pés para descobrir-lhe o<br />
núcleo racional, sob o invólucro místico”.(27)<br />
Enquanto na interpretação histórico-hegeliana, a Nação e não o<br />
indivíduo forma a unidade realmente importante, de “cabeça para baixo”<br />
o indivíduo permaneceria ao rés do chão. Cambiava-se, apenas, o<br />
comando da impostura - da observada burguesia para uma classe<br />
predeterminada, a tal classe operária, independentemente de sua<br />
genealogia. O modo de existir do mundo dependeria da ação dos<br />
agentes operários, o mudar por nossa intervenção, nítido conselho de<br />
Bacon.(28)<br />
Marx apreciou esta originalidade baconiana: “Os filósofos tem se<br />
limitado a interpretar o mundo de maneiras diversas; trata-se de<br />
transformá-lo.” (29) “O ser que já iniciou a apropriação da natureza por<br />
meio do trabalho de suas mãos, do intelecto e da fantasia, jamais deixará<br />
de fazê-lo e, após cada conquista, vislumbra já seu próximo passo.”(30)<br />
Hitler que o diga, mas seu último passo foi para a morte.<br />
Embora a proposta de Hegel (como de resto as de Engels e Marx) fosse<br />
de conotação independente aos costumes das ciências humanas em<br />
prática, ansiando, com isto, escapar do puro empirismo, ao próprio<br />
empirismo retorna, eis que apenas inverte a direção do trem.<br />
O excepcional cientista Gaston Bachelard o compreende...“Quando<br />
Hegel estudava o destino do sujeito racional sobre a linha do saber, ele<br />
não dispunha mais do que de um racionalismo linear, de um racionalismo<br />
que se temporalizava sobre a linha histórica de sua cultura, realizando<br />
movimentos sucessivos de diversas dialéticas e sínteses.” (31) ... e<br />
mostra-nos porque a dialética capacitou-se preferida a Engels e Marx,<br />
Lenin, Sorel, Mussolini e Hitler: “Ela nos serve apenas para mudar de<br />
um sistema para outro.” (32)<br />
A formulação marxiana, exclusivista porque dialética, é tosca, parcial,<br />
inexata, sem deixar de ser “bem bolada”:<br />
“Temos assim, fundamentalmente, duas e somente duas classes: a dos<br />
proprietários ou capitalistas e a dos que nada possuem e são compelidos<br />
a vender seu trabalho, a classe trabalhadora ou proletariado. A<br />
existência de grupos intermediários, tais como os formados por<br />
agricultores e artesãos, que empregam trabalhadores mas também<br />
executam trabalho manual, pelos empregados no comércio e pelos<br />
profissionais liberais não é naturalmente negada. Mas tais grupos são<br />
tratados como anomalias, que tendem a desaparecer no decorrer do<br />
processo capitalista. As duas classes fundamentais são, em virtude da<br />
lógica de suas posições e inteiramente fora da vontade dos indivíduos,<br />
essencialmente antagônicas... A própria natureza das relações da classe<br />
capitalista e do proletariado é de luta, isto é, de guerra de classes.” (33)<br />
A Nomenklatura (34) unca lutou nesta guerra; sempre se valeu dela.<br />
Hegel subverteu os ensinamentos também de Kant, seu maior vizinho:<br />
“Kant nos demonstrou que um conhecimento metafísico esbarra nas<br />
antinomias da razão pura e Hegel tomou este resultado como uma<br />
66<br />
demonstração de que é por meio da contradição que a razão se<br />
desenvolve.” (35)<br />
Foi o que invariavelmente aconteceu: “A dialética de Hegel, assevero,<br />
foi concebida em ampla medida com o fito de perverter a idéias de 1789.<br />
Hegel estava perfeitamente consciente do fato de que o método dialético<br />
pode ser utilizado para retorcer uma idéia em seu oposto.”(36)<br />
Perversão*: eis a substância que lhe é pertinente. Bobbio ainda<br />
ressalta a espécie de morbidez:<br />
“O tema de guerra inspirou a Hegel algumas de suas páginas mais<br />
famosas: desde as primeiras obras tinha proclamado que a guerra é<br />
necessária e mantém a saúde dos povos: como o vento sobre o pântano,<br />
a guerra é o momento de igualdade absoluta.” (37)<br />
“A gangrena - dizia aquele filósofo amargamente [naqueles tempos<br />
realmente havia muita gangrena] - não é curada com água de lavanda.<br />
É na guerra e não na paz que o Estado mostrava seu ânimo e ascendia<br />
às alturas de sua potencialidades.”(38)<br />
Hegel dispensava um programa para o futuro, o fazendo como um<br />
reconhecimento a importância do presente. O presente (grego) viera<br />
recém-passado por Napoleão. Mesmo dispensando o programa para o<br />
futuro, ele projetou Bismarck, Lenin, Mussolini e Hitler.<br />
O “Espírito” de cada nação a diferenciava das outras. Quem desejasse<br />
constar na geopolítica mundial deveria afirmar sua individualidade ou<br />
alma, penetrando una e forte no palco da História na qualidade de<br />
combatente.A isso se dava o nome de “progresso”: “Hegel, como<br />
Heráclito, acredita ser a guerra o pai e a mãe de todas as coisas.”(39)<br />
Max Scheler aprimorou a definição: “A guerra significa o Estado no seu<br />
mais efetivo crescimento e elevação; significa política.” (40)<br />
O ano de 1931, centenário da morte de Hegel e véspera do descalabro<br />
mundial, tinha na eterna filha adotiva, a dialética a possibilidade de<br />
rememorá-lo. Um grupo internacional se congregou aos seus estudos,<br />
em Haia. Publicaram-se vários ensaios, a maioria sem originalidade,<br />
muita pregação do fascismo, este em plena viagem de cruzeiro. A<br />
Rivista di Filosofia foi dedicada a Hegel; Antônio Barfi clamou por um<br />
Renascimento Hegeliano, destacando que Hegel não perecera; mister o<br />
retorno do sistema orgânico com leis de continuidade e desenvolvimento.<br />
E Appunti di Filosofia del Diritto (ad uso degli studenti) Turim,<br />
Giappichelli, 1932, definiu-se como filosofia jurídica neo-hegeliana (41).<br />
Solari aproveitava o embalo: “...é preciso retomar o fio interrompido da<br />
tradição hegeliana, para desenvolvê-lo e dele extrair elementos para uma<br />
reconstrução idealista do direito e do Estado em seu sentido social... “<br />
(42)<br />
__________________________________________________________<br />
67<br />
*"Perversão" foi tema retomado por Hegel na "Fenomelogia", num célebre<br />
passo em que se lê que os governos, no que diz respeito aos povos, "para não<br />
deixá-los lancar raízes e enrijecerem-se em tal isolamento, para não deixar<br />
desagregar o todo e envaidecer o espírito", devem "sacudi-los de quando em<br />
quando, em seu íntimo, com as guerras"; quanto aos indivíduos, os governos<br />
devem "fazê-lo sentir, com aquele trabalho imposto, o seu senhor: a morte. "<br />
(trad. Fenomenologia dello Spirito, Florenca, La Nuova Italia, 1936, v.II, p. 15;<br />
cit. Bobbio, Norberto, Estudos Sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado,<br />
ob. cit., p. 48<br />
Os dedicados franceses também preferiam cair no conto da dialética<br />
científica, aplicada à política:<br />
“Antes da II Grande Guerra, durante mais de vinte anos, Hegel ocupou<br />
na França um lugar central. Se a maioria dos pensamentos se afastam<br />
dele, também é por terem sofrido a influência determinante daquele que<br />
se quis o “último filósofo” e que continua a colocar para todos a questão<br />
da mudança do mundo.” (43)<br />
Quatro anos antes da catástrofe, manifestara-se o famoso General<br />
Ludendorff: “Durante os anos da chamada paz, a política só tem<br />
sentido... enquanto se prepara para a guerra total.”(44)<br />
O historiador prussiano Treitschke os “compreende”:<br />
“A guerra não é só uma necessidade prática; é também uma<br />
necessidade teórica, uma exigência da lógica. O conceito do Estado<br />
implica o conceito de guerra, pois a essência do Estado é o Poder. O<br />
Estado é Povo organizado em Poder soberano.”(45)<br />
Em que pese os mitos que ensejou, Hegel foi por demais ignorante.<br />
Engels foi claro em sua análise:<br />
“Seu horizonte achava-se circunscrito, em primeiro lugar, pela limitação<br />
inevitável dos seus próprios conhecimentos e, em segundo lugar, pelos<br />
conhecimentos e concepções de sua época, limitados também em<br />
extensão e profundidade... E, por mais exatas e mesmo geniais que<br />
fossem várias conexões concretas concebidas por Hegel, era inevitável,<br />
pelos motivos que acabamos de apontar, que muitos de seus detalhes<br />
tivessem um caráter amaneirado, artificial, construído, numa palavra,<br />
falso.” (46)<br />
O desenvolvimento do saber percorre incontáveis labirintos, alguns<br />
caminhos ao nada. Muitos dos que se dedicaram ao estudo da natureza<br />
se enganaram radicalmente; entretanto, quiçá nenhum tenha propiciado<br />
tão má conseqüência, tanto perigo e tanta catástrofe à humanidade<br />
quanto este débil: “Em nossos próprios tempos, o historicismo histérico<br />
de Hegel é ainda o fertilizante a que o totalitarismo moderno deve seu<br />
rápido crescimento. Seu uso preparou o terreno e educou os meios<br />
cultos da desonestidade intelectual.” (47)<br />
Rohden confirma: “Hegel foi o filósofo clássico de todos os<br />
totalitarismos estatais e políticos, tanto os da direita (nazismo) como os<br />
da esquerda (comunismo).”(48)<br />
68<br />
Sabine emenda: “Na Itália o hegelianismo atuou no fascismo<br />
principalmente nas primeiras fases. O hegelianismo fascista foi<br />
reconhecidamente quase uma racionalização ad hoc..” (49)<br />
<br />
9. Dialética x Somalética<br />
Locke, John, cit. Sabine, George H., História das Teorias Políticas, p. 521.<br />
Locke, John, cit. Capra, Fritjof, O Ponto de Mutação, p. 189.<br />
Smith, Adam e Von Humbolt, cits. Bobbio, Norberto, Locke e o Direito<br />
Natural, p. 197.<br />
Smith, Adam, cit. Amarty Sen, jornal O Estado de São Paulo, São Paulo,<br />
23 de julho de 2000, Caderno Economia, p. B9.<br />
Locke, John, cit. Châtelet, F., p. 228.<br />
Born, Max, cit. Brian, Denis, p. 374.<br />
Locke, John, Ensaios Sobre a Lei da Natureza, cit. Bobbio, Norberto,<br />
Locke e o Direito Natural, p. 138.<br />
Einstein, Albert, cit. Monteiro Irineu, Einstein, Reflexões Filosóficas, p. 51.<br />
Locke, John. cit. Chevallier, J. J., p. 31.<br />
Reale, Miguel, cit. em Nader, Paulo, p. 269.<br />
Rueef, Jacques, Les dieux et les rois, Goytisolo, Juan Vallet de, ob. cit. p.<br />
56.<br />
Chopra, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 23.<br />
Kelsen, Hans, A Democracia, p. 105.<br />
Penna, J. O. de Meira, O Espírito das Revoluções, p. 178.<br />
Bobbio, Norberto, A Teoria das Formas de Govêrno, p. 59.<br />
Hegel, F.W., cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 86.<br />
Idem, ibidem.<br />
Idem, p. 135.<br />
Bobbio, Norberto, A Teoria das Formas de Govêrno, p. 51.<br />
Hegel, F. W., idem, p. 152. É bem verdade que Bobbio também declara<br />
que nesta "agressão" aos africanos Hegel acompanhava-se de ninguém<br />
menos do que Montesquieu: " Não nos podemos convencer de que Deus,<br />
um ser de grande sabedoria, pôs uma alma e sobretudo uma boa alma<br />
num corpo tão negro... É impossível supormos que se trate de homens<br />
porque, se admitíssemos isso, poderíamos começar a crer que nós<br />
próprios não somos cristãos."<br />
Montesquieu, cit. Nader, P., p. 140<br />
Hegel, F.W. cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 150.<br />
Ziegler, H. O., cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus<br />
Inimigos, p. 87.<br />
Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural, p. 24.<br />
Russel, B., p. 355<br />
Goldman, Lucien, Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia, p.<br />
15/16.<br />
69<br />
Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 42.<br />
Bacon, Francis, cit. Konder, Leandro, idem, p. 4.<br />
Marx, Karl, posfácio à segunda edição alemã do primeiro volume "O<br />
Capital", cit. Konder, Leandro, A Derrota da Dialética, p. 10.<br />
Marx, Karl, O que Marx Realmente Disse, décima-primeira das Teses<br />
sobre Feuerbach, p. 22.<br />
Bachelard, Gaston, cit. Quillet, Pierre, p. 46/57<br />
Idem, ibidem.<br />
Schumpeter, Joseph, Capitalismo, Socialismo, Democracia, p. 24.<br />
Volenski, Michel, La Nomenklatura, les Privilegies en URSS.<br />
Kant, Immanuel, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus<br />
Inimigos, p. 122<br />
Hegel, F. W., cit. Popper, Karl, idem, p. 48.<br />
Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural, p. 24.<br />
Hegel, F.W., cit. Sabine, George, o. cit., p. 620.<br />
Hegel, F.W. e Heráclito, cits. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e<br />
Seus Inimigos, p. 44.<br />
Scheler, Max, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos,<br />
p. 78.<br />
Barfi, Antônio, cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito,<br />
Sociedade Civil e Estado, p. 182.<br />
Solari, cit. idem, ibidem.<br />
Hegel, G. W., cit. Descamps, Christian, p. 132<br />
General Ludendorff, Comandante das tropas alemãs na I Grande Guerra,<br />
cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, p. 78.<br />
Treitschke, cit. Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos<br />
p. 73.<br />
Engels, F. p. 50.<br />
Popper, Karl, A Sociedade Democrática e Seus Inimigos, ob cit. p. 282.<br />
Rohden, Huberto ob. cit, p. 157.<br />
Sabine, George, ob. cit. p. 650.<br />
70<br />
10. O PEQUENO FALSÁRIO<br />
Nós, macacos, somos mais completos<br />
do que os homens, pois temos rabos,<br />
que eles não têm! *<br />
De um desenho animado de TV.<br />
Se me perguntarem qual é a minha convicção mais íntima<br />
sobre o nome que será dado a este século, se será o<br />
“século de ferro”, “do vapor” ou da “eletricidade”,<br />
responderei sem hesitar que será chamado o século da<br />
visão mecânica da natureza, o século de Darwin.<br />
Ludwig Boltzmann (1)<br />
Era uma vez grande navegante, que não da Internet nem da famosa<br />
escola de Sagres. Criança, o aventureiro gostava da trapaça: “Também<br />
posso confessar aqui que, quando pequeno, era muito dado a inventar<br />
histórias falsas e o fazia sempre para causar admiração.” (2)<br />
Crescido falsário confesso, saiu ele e contrariado comandante, em<br />
barco bem equipado, velame perfeito, a bisbilhotar o mundo,<br />
especialmente praias tropicais, invadindo reinos de animais ilhéus. Até o<br />
Brasil recebeu sua visita. Na volta, se justificou:<br />
“Tanto quanto possível apreciar-me a mim próprio (o que será que ele<br />
queria dizer com isto?) trabalhei ao máximo ao longo da viagem pelo<br />
mero prazer de investigar e pelo meu forte desejo de juntar alguns fatos<br />
das ciências naturais. Mas também tinha a ambição de ocupar um lugar<br />
suficientemente importante entre os homens da ciência - se essa<br />
ambição era maior ou menor do que a da maioria dos meus colegas de<br />
trabalho, não sei dizer.” (3)<br />
Era melhor não ter dito nada. Além da completa falta de modéstia, da<br />
queda à farsa, ardia a vocação turística:<br />
“No princípio de minha etapa escolar, um colega tinha um exemplar de<br />
Wonders of the World (Maravilhas do Mundo), que o lia com<br />
71<br />
freqüência... creio que este livro me inspirou o desejo de viajar por<br />
países remotos...” (4)<br />
__________________________________________________________<br />
*Diante da constatação dos macaquinhos, pode-se esperar que eles tenham<br />
sua origem no homem, sendo, pois, sua "evolução" ? Estaria, então, o outro<br />
seriado também certo?<br />
O comandante da excepcional embarcação, que partia em missão<br />
essencialmente cartográfica (Terra do Fogo, Chile, Ilhas Galápagos,<br />
etc.), antipatizava claramente com o estranho passageiro (5), tipo “pau<br />
de arara”, daqueles que recolhem tudo quanto é quinquilharia,<br />
“enchendo o saco”, o aposento e até a cabine de comando com folhas,<br />
insetos, vidros e caixas de todos os tamanhos. O “aproveitador” gabavase:<br />
“Nunca voltei dessas expedições de mãos vazias.”(5)<br />
Em cinco anos de circunavegações não foram poucas as<br />
lembrancinhas recolhidas. Para Robert Fitz-Roy, o comodoro, restava<br />
tolerar que fosse o luxuoso iate transformado em arca-de-noé. Não<br />
obstante, o passageiro resmungava: “Fitz-Roy tinha muito mau gênio.<br />
Geralmente era pior pela manhã cedo...”<br />
Ao final do tour, Fitz-Roy, exausto e enfastiado, desejou-lhe “boa sorte”,<br />
augurando nunca mais revê-lo nesta ou noutra belonave.<br />
A embarcação, de propriedade da Majestade Real da Grã-Bretanha,<br />
fora batizada com o sugestivo nome de Beagle *. O “cruzeiro” aconteceu<br />
por volta de 1830; passou no Brasil em 32. O ilustre, porém,<br />
inconveniente passageiro ficou mundialmente conhecido por publicar, em<br />
1859, portanto 27 anos depois, o que nele se passou, o que pode<br />
observar, algumas coisas que a partir daí projetou e, certamente, outras<br />
que inventou, com o fito de causar a tão sonhada admiração. Vendeu<br />
toda a edição no dia. Em seguida, a estória foi traduzida para trinta<br />
línguas. O nome desse ator-autor quase ninguém desconhece, mas<br />
impõe-se designá-lo: Darwin. Por completo, Charles Robert Darwin (1809-<br />
1882). Obra: “Sobre a origem das espécies graças à seleção natural, ou,<br />
a preservação de raças favorecidas na luta pela vida”.<br />
Não chegou Darwin a ser nada original. Seu avô, Erasmus Darwin, já<br />
havia escrito: “A causa final da confrontação entre machos parece ser<br />
esta: o animal mais forte e mais ativo deve propagar a espécie, que<br />
desta maneira é melhorada.” (6)<br />
Confrontação entre machos e fêmeas? Mas que espécie de família<br />
provém de tão encantadora relação?<br />
Lamarck era quem encantava os Darwin: “De todos os pensadores que<br />
o haviam precedido no estudo da origem das espécies, o que mais<br />
interessava era Lamarck. Foi na obra de Lyell sobre geologia que<br />
Darwin encontrou a doutrina de Lamarck, minuciosamente exposta.”(7)<br />
Adolphe Quètelet, pela estatística social, também “serviu-lhe de<br />
modelo.” (8) Pela confessa cronologia, entretanto, percebe-se que seu<br />
trabalho é plágio descarado de Wallace:<br />
“Meu trabalho está agora (1859) [portanto quase vinte anos depois da<br />
chegada do tour !] quase terminado; mas, como serão necessários<br />
72<br />
ainda alguns anos para completá-lo [(?!)] e como minha saúde não é<br />
muito boa, convenceram-me a publicar este resumo.<br />
__________________________________________________________<br />
* Beagle: do inglês, quer dizer “caçador”.<br />
Fui induzido a isto especialmente porque o Sr Wallace, que atualmente<br />
estuda a história do arquipélago malaio, chegou exatamente as mesmas<br />
conclusões que eu sobre a origem das espécies. Em 1858 ele me<br />
enviou um ensaio sobre o assunto, pedindo-me que o entregasse a Sir<br />
Charles Lyell, o qual o enviou à Sociedade Linneana. Sir C. Liell julgou<br />
conveniente publicar, juntamente com o excelente ensaio do Sr.<br />
Wallace, alguns breves trechos do meu manuscrito. Este Resumo, que<br />
publico agora, é naturalmente imperfeito. Não posso dar referências e<br />
citar autoridades para reforço de minhas afirmações.” [sic] (9)<br />
Várias questões afloram deste depoimento pessoal de Darwin; por que<br />
ele demorou vinte anos e nada apresentara além de parcos relatórios?<br />
Que má saúde esperaria ainda quase vinte e cinco anos para fulminá-<br />
lo? Depois desse “Resumo”, porque não apresentou toda a pesquisa?<br />
Porque não anexou bibliografia, nem na hora, nem depois? Porque não<br />
“podia dar referências, nem citar autoridades”? Porque preferia se isolar<br />
em refúgios com familiares?<br />
Uma resposta explica todas: o trabalho foi furtado de quem lhe confiara<br />
guarda.* Nesta data especial, sua saúde não incomodou:<br />
“Em junho de 1858, contudo, aconteceu um fato que produziu em<br />
Darwin um efeito muito mais vivo que o conselho dos seus amigos<br />
íntimos. Nessa memorável manhã recebeu ele uma carta, vinda do outro<br />
lado do mundo. Era a carta mais importante que lhe foi escrita em toda a<br />
sua vida. Trazia o carimbo de Ternate, uma ilha do arquipélago Malaio.<br />
No volumoso sobrescrito vinha o nome do retetente: Alfred Russel<br />
Wallace. Darwin abriu-o. Continha uma carta e um manuscrito...Antes de<br />
folhear o manuscrito, Darwin apanhou a carta. Pedia-se-lhe nela que<br />
lesse o esboço incluso e, se lhe parecesse bem, que o passasse a outros<br />
naturalistas – com vistas na publicação próxima. Darwin lembrou-se da<br />
última memória escrita, três anos atrás, por Wallace, e para a qual Lyell<br />
lhe tinha chamado a atenção...” (10)<br />
Wallace acabou não recebendo o beneplácido oficial, quiçá porque o<br />
Iate de sua Magestade não lhe tivesse hospedado. Foi eclipsado pela<br />
esperteza de Darwin, com a ajuda de Lyell.<br />
Haeckel enxergou em Darwin “der Kopernikus der organishen Welt”,<br />
(11) o Copérnico da ciência biológica, falso marketing. Copérnico era um<br />
completo revolucionário; sua teoria não se apoiava em prenúncios e foi<br />
completamente original.<br />
_______________________________________________________________<br />
* Constam inúmeras “suspeitas” quanto ao plágio a Alfred Russel Wallace. Diz a<br />
nota: “Para evitar que Alfred Russel Wallace tivesse a “prioridade” que podia<br />
pretender, Darwin e seus amigos realizaram manobras que os historiadores nem<br />
sempre consideram muito “honestas”. Além disso, parece que Darwin utilizou as<br />
73<br />
idéias de certos autores (em particular de Blyth) sem reconhecer sua dívida. O<br />
debate permanece em aberto”. Eis alguns autores que estabeleceram obras que<br />
contêm fortes críticas: H.L. McKinney, A C. Brackman, L. Eiseley, J. Novicow, R.<br />
Hofstadter, R.C. Banniester, G.E. Simpson, J.A Rogers, J.E. Greene, L.L. Clark.”<br />
Cits. Thuillier, P., p. 223.<br />
Já Darwin era um copiador, um “colador”, como se diz no primário. Um<br />
predecessor, o filósofo carrasco da natureza Bacon (12) já sentenciara -<br />
a variedade dos indivíduos era produto de obstáculos e desvios<br />
promovidos pela natureza - ao que ele se perfilou: “Trabalhei sobre<br />
verdadeiros princípios baconianos e, sem nenhuma teoria, comecei a<br />
registrar dados em grandes quantidades...” (13)<br />
A atenção de Darwin era centrada em si próprio, esmerada em<br />
autoelogios: “Quando vejo a lista dos livros de todo o gênero que li e<br />
resumi, inclusive coleções inteiras de Revistas e Atas, fico surpreso com<br />
a minha diligência”. (14)<br />
Mesmo com essa diligência, seu produto veio pigmentado de<br />
preconceitos, principalmente aqueles oriundos das “ciências exatas”,<br />
que mal arrastava: “Um professor particular me explicou Euclides, e<br />
recordo claramente a intensa satisfação que me proporcionaram as<br />
claras demonstrações geométricas.” (15)<br />
Charles era cuidadoso colecionador de selos de lacre, timbres,<br />
conchas e minerais. Quanto aos estudos formais, não mostrava pendor:<br />
levado à Universidade de Edimburg em 1825 para fazer medicina, sua<br />
experiência foi um fracasso: “...achava monótonas as palestras e sentia<br />
repulsa em ver as operações feitas sem anestésicos”. (16)<br />
Sua negligência estudantil foi notada e apontada até por seu pai,<br />
Robert Darwin, para quem Charles era “a vergonha da família”! (17)<br />
Voltado à ciência natural, seu pensamento não se detinha em<br />
examinar a formação da Terra, provavelmente sequer sua evolução<br />
histórica, como se fosse possível ou mesmo desejável a dissociação. De<br />
Geologia, pois, ficou como mínima referência, não restando sequer<br />
pudor pela falha: “...incrivelmente sem graça... o único efeito que<br />
produziam em mim era a determinação de jamais ler um livro de<br />
geologia enquanto vivesse”. (18)<br />
Não se dispôs Charles a conhecer alguma língua estrangeira: “Durante<br />
toda minha vida tenho sido regularmente incapaz de dominar nenhum<br />
idioma.” (19).<br />
Com relação ao sexo oposto, em que pese posterior tentativa de<br />
correção desta parte de sua personalidade, foi claro: “o casamento<br />
acarreta uma terrível perda de tempo!” (20)<br />
O jornalista José Reis comenta:<br />
“A vida de Darwin, como se sabe, foi um contínuo sofrimento, excluído<br />
talvez o tempo que passou em sua excursão... Onze meses após o<br />
casamento e tres dias antes do nascimento do primeiro filho, entrou em<br />
depressão, sem ânimo para trabalhar... a prematura morte da mãe aos<br />
74<br />
cinco anos, fato que Darwin nunca lamentou e as más relações que ele<br />
tinha com o pai na infância e na juventude.” (21)<br />
Outros historiadores o qualificam como hipocondríaco, com doenças<br />
psicossomáticas advindas principalmente pelo uso excessivo de<br />
arsênico, durante toda a vida, para curar um mal de juventude. Algumas<br />
de suas práticas, como a caça indiscriminada, desmanche de ninhos e<br />
surrupio de ovos, na época eram perfeitamente aceitos; Darwin não<br />
receou mostrar esta outra faceta, pouco recomendável, de indisfarçável<br />
sadismo, bastante estranho a quem se dispunha tratar da natureza:<br />
“Era muito aficcionado em colecionar ovos, mas nunca colhia mais de<br />
um de cada ninho de pássaros, exceto em uma só ocasião em que os<br />
colhi todos, não por seu valor, mas por uma espécie de bravata... Uma<br />
vez, quando pequeno, na época da escola diurna, ou antes, atuei<br />
cruelmente: golpeei um cãozinho, creio que simplesmente por desfrutar<br />
a sensação de força.” (22)<br />
Será que ele não poderia ter tido a sensação simplesmente indo aos<br />
pés?<br />
Ainda na juventude, o forçudo Darwin ingressou no sacerdócio, em<br />
Cambridge, mas voltou a não se empenhar. Ficou emulado<br />
contrariamente aos ditames católicos dos quais se aproximara e, diante<br />
dos desígneos científicos que já haviam implodido os dogmas<br />
eclesiásticos, acionou a dinamite correspondente: “Darwin repetiu<br />
muitas vezes: seu objetivo era demolir a teoria das “criações especiais”,<br />
segundo a qual diversas espécies haviam sido criadas separadamente.”<br />
(23)<br />
Para enriquecer seu intelecto, ou quiçá para torná-lo um pouco mais<br />
humilde, ofereceram-lhe Shakespeare. Darwin retrucou: “Tentei<br />
ultimamente ler Shakespeare, mas achei tão intoleravelmente<br />
enfadonho que tive náuseas”. (24)<br />
É sabido que Darwin passou a vida sofrendo do estômago, mas,<br />
curiosamente, não há menção de algum enjôo do turista nos balanços<br />
do mar. Foi uma lástima que ele não tivesse assimilado a mais popular<br />
frase de Shakespeare - “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio,<br />
(ou Darwin) do que pode conceber a nossa vã filosofia...”<br />
Por uma peça de nossa vã filosofia, um economista daquele reino, que<br />
também não gastara seu tempo com leituras eruditas, havia alarmado o<br />
povo usando mirabolantes mas escassos cálculos. Thomas Malthus<br />
assim demonstrava: as populações cresciam geometricamente,<br />
enquanto a produção de alimentos aumentava apenas aritmeticamente<br />
(25). Só restrições como guerras, epidemias, etc, poderiam evitar a<br />
extinção da humanidade pela fome. A formulação econômica de David<br />
Ricardo considerou o mesmo dilema, mas ressaltou que a equação valia<br />
apenas às limitações da Gran Bretanha. Por Darwin, que tomou<br />
conhecimento do assunto, só “o mais apto”, doravante, poderia<br />
sobreviver: “Foi o Ensaio de Malthus que o eletrizou. Eis aí o<br />
mecanismo que procurava - a luta pela sobrevivência”. (26)<br />
75<br />
A palavra é do “profeta” do passado: “Enquanto pensava vagamente<br />
em como isto poderia afetar qualquer espécie, de repente me surgiu a<br />
idéia da sobrevivência dos mais aptos.” (27)<br />
“Tive a imediata revelação [sic] que, em tais circunstâncias, as variáveis<br />
favoráveis tenderiam a conservar-se, e as desfavoráveis a ser<br />
destruídas! Resultaria daí a formação de uma nova espécie. [sic] Tinha<br />
eu encontrado afinal uma teoria com que trabalhar.” (28)<br />
A criação lhe ensejou passear. Colocando o fenômeno como únic<br />
76<br />
afirmar que “os indivíduos adaptados sobrevivem” é o mesmo que<br />
proferir uma tautologia: “os indivíduos que sobrevivem, sobrevivem”!.<br />
Fórmula absolutamente irrefutável, mas de poder explicativo duvidoso.”<br />
(34)<br />
Servindo-se dessarte, dessa preconceituosa teoria mecanicista,<br />
intelectuais subseqüentes redirecionaram os trilhos, sutilmente, a seus<br />
particularismos. As primogênitas doutrinas dialético-evolucionistas<br />
extrapolaram seu campo de abrangência, tornando-o ainda maior do<br />
que a matriz da física exatamente por carregarem explicação às<br />
condutas humanas, com isso atingindo os campos da Psicologia,<br />
Psicanálise, Sociologia, Economia, do Direito, da Ciência Política, da<br />
ética, do moral, enfim, tornando-as oficinas de mitos científico-filosóficos<br />
porque inverificáveis suas premissas.<br />
Na especificidade das ciências humanas, especialmente na política, o<br />
determinismo científico-dialético-baconiano-darwineano se prestou a<br />
extenso aplicativo. As constatações político-científicas sob o método de<br />
antagonismos, de Hegel, diante da escassez de recursos anunciada por<br />
David Ricardo, tendo a teoria da superpopulação alardeada por Malthus,<br />
bem como suas predições para salvar (?) a humanidade, somados ao<br />
arsenal teórico justificante dos embates pela sobrevivência, de Darwin,<br />
compuseram generosa munição a todos os sentimentos bélicos, de<br />
Bismarck a Lênin e Hitler.<br />
Herbert Spencer (1820-1903), Albert Schäffle (35), enriqueceram o<br />
comboio. Nos Principles of Sociology (1. vol, 1876) o primeiro<br />
desenvolve um paralelo entre a organização e a evolução dos<br />
organismos vivos e das sociedades. Social Statics fora publicado nove<br />
anos antes da Origem das Espécies e The Man versus State veio em<br />
1884. Spencer mesclou a tradição racionalista dos economistas<br />
clássicos com a versão moderna da natureza - a evolução. (36) Como<br />
Mill e Hegel, soube carrear ao liberalismo uma “inteligível confusão”<br />
(37).<br />
Para completar, quase no fim do século o extraordinário professor<br />
polonês Ludwig von Gumplovicz utilizou esses conceitos em Die<br />
Sociologische Staatsidee (1892). O próprio Estado seria um produto<br />
social da evolução, aperfeiçoado pela competição e pela luta nos<br />
embates tribais, firmando a hegemonia dos mais aptos, na forma de<br />
evolução social também apregoada por Albert Schäffle, (38) ou seja,<br />
pela luta direta, clara consagração a Hegel.<br />
Assim, as relações sociais passaram a ser observadas pela “tal” lei de<br />
sobrevivência, entendida “lei do mais forte” e, o mais grave, foi neste<br />
pântano teórico que caíram quase todos os estudos sociológicos a partir<br />
daí, conforme pinça Schwartz:<br />
“Depois de ter sido incorporada por Charles Darwin como uma metáfora<br />
para ilustrar o mecanismo evolutivo das espécies biológicas, foi<br />
reincorporada por sociólogos como uma confirmação oferecida pela<br />
história natural dos processos que atravessam a história humana”. (39)<br />
77<br />
R. Wallace denunciara e, com R. Young, demonstrara a<br />
“curiosa”simultaneidade, para não dizer vício de origem do trabalho de<br />
Darwin. Houve, ainda, uma forma de predição à virtual influência nos<br />
totalitarismos daí em diante: “Toda a teoria darwineana da luta pela<br />
existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva,<br />
da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria<br />
econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população<br />
de Malthus.” (40)<br />
O entendimento de que “da guerra da natureza, da fome, da morte,<br />
forma-se o mais nobre objeto que somos capazes de conceber: a<br />
produção de animais superiores” o menos avisado pensaria ser discurso<br />
nazista; porém, assim não o é. Esta eloqüente frase foi proferida pelo<br />
parente símio, nosso Charles (41). Acima dos conflitos, além do “bem” e<br />
do “mal”, pois, a teoria darwineana incitou a presença decisiva e protetora<br />
do paladino despótico. Paul Johnson descreve-nos a meritosa<br />
contribuição sócio-política da nova ciência: “A noção de Darwin relativa a<br />
sobrevivência do mais adaptável foi elemento chave tanto para o conceito<br />
marxista da luta de classes quanto para as filosofias raciais que deram<br />
forma ao hitlerismo”. (42)<br />
Robert Downs confirma: “Consciente ou inconscientemente o Mein<br />
Kampf, de Hitler, deve muito a Maquiavel, Darwin, Marx, Mahan,<br />
Mackinder e Freud.” (43)<br />
Deve também a Nietszche. Downs ainda esqueceu de Mussolini,<br />
mentor da hipócrita Carta del Lavoro, logo disseminada na metade do<br />
globo.<br />
F. Hayek condena a corruptela. Desta análise sai o título de sua obra,<br />
“Arrogância Fatal”: “O darwinismo social está errado, mas a intensa<br />
aversão que provoca hoje é também devida em parte a seu conflito com<br />
a arrogância fatal de que o homem seria capaz de moldar o mundo ao<br />
seu redor de acordo com seus desejos”. (44)<br />
Ken Wilber corrobora: “A teoria científica ortodoxa da evolução parece<br />
correta quanto ao “quê” da evolução, mas é profundamente reducionista<br />
e/ou contraditória quanto ao “como” (e porquê) da evolução.” (45)<br />
As palavras de Dorion Sagan poderiam ser a rebatida de Locke:<br />
“A seguir, a visão da evolução como uma crônica competição<br />
sangrenta entre indivíduos e as espécies, um desvirtuamento popular da<br />
noção de Darwin da “sobrevivência dos mais aptos”, dissolve-se diante<br />
de uma nova visão de cooperaçãocontínua, forte interação e<br />
dependência mútua entre as formas de vida. A vida não conquistou o<br />
globo pelo combate, mas por um entrelaçamento. As formas de vida<br />
multiplicaram-se e tornaram-se complexas cooptando outras, e não<br />
apenas matando-as.” (46)<br />
A idéia cerne de Darwin, Lamarck e Malthus é furada. Que dirá seu<br />
transplante à sociologia:<br />
“Não é a adaptação bem sucedida a um dado ambiente que constitui o<br />
mais notável formador da vida, mas a teia de processos ecológicos em<br />
um sistema ambiental que forma os padrões psicológicos e<br />
78<br />
comportamentais, os quais podem apoiar-se na genética. A evolução<br />
acontece não como resposta às exigências da sobrevivência, mas como<br />
um jogo criativo e necessidade cooperativa de um universo todo ele<br />
evolutivo”.(47)<br />
Bateson explica:<br />
“Na ciência clássica, a natureza era vista como um sistema mecânico<br />
composto de elementos básicos. De acordo com essa visão, Darwin<br />
propôs uma teoria de evolução em que a unidade de sobrevivência era<br />
a espécie, a subespécie ou algum outro componente básico da estrutura<br />
do mundo biológico. Mas, um século mais tarde, ficou bem claro que a<br />
unidade de sobrevivência não é qualquer uma destas entidades. O que<br />
sobrevive é o organismo-em-seu-meio-ambiente.” (48)<br />
O cientista russo Príncipe Peter Alexeyeevich Kropotkin (1842-1912),<br />
ex-integrante do seleto Corpo de Pagens do Czar Nicolau I, não foi ao<br />
paraíso tropical de Galápagos; foi na Sibéria que ele viu as espécies<br />
bem sucedidas preferirem a cooperação e, por isso, provavelmente foi o<br />
primeiro a “falsear” a popular teoria. Longe de ser desenvolvida através<br />
da competição, a seleção natural procura um meio de evitá-la. O livro<br />
“Auxílio Mútuo”, contudo, não era de serventia praxeológica.<br />
Andrew Smith interpôs outras nuances de falseabilidade à presunção<br />
darwinista:<br />
“A teoria de Darwin foi falha. Não há evidência direta para a seleção<br />
natural como um processo evolucionário. Ninguém jamais observou um<br />
organismo evoluir, sob condições naturais, para outra forma de<br />
organismo. Que formas intermediárias concebíveis poderiam ter levado<br />
à aparição do olho? Como poderia a Seleção Natural ter dado origem à<br />
aparição de pássaros? Quando um animal arrisca sua vida para salvar<br />
um companheiro, suas possibilidades de sobrevivência não são<br />
aumentadas...” (49)<br />
Para Thomas Nagel, embora seus trabalhos busquem resgatar a razão,<br />
o campo de Darwin não oferece a menor segurança: “ Se pudéssemos<br />
aplicar as idéias de Darwin para explicar a nossa racionalidade,<br />
teríamos de admitir que essas nada mais seriam do que um produto<br />
efêmero da história e da evolução biológica, o que solaparia sua<br />
confiabilidade como instrumento de explicação.” (50)<br />
A questão da genealogia é por demais intrincada. Gonzaguè de Reynold<br />
cita o episódio do descobrimento do homo faber de Neandertal, quando<br />
ficou constatado não ser este o antepassado do homo sapiens:<br />
“Estes descobrimentos tiveram a virtude de romper o bonito<br />
encadeamento da evolução progressiva. O neandertalense é, pois,<br />
início de um fim, não um começo; foi um tipo humano em regressão ou -<br />
como diz Marcelliun Boule - um ramo murcho. Com isto nos achamos<br />
com duas hipóteses equivalentes: a do animal em progresso e a do<br />
homem em regressão. Dito de outra maneira: ou os homens fósseis<br />
descendem de um primeiro antepassado animalóide, com respeito ao<br />
qual progridem, ou descendem de um homem parecido com o atual,<br />
com respeito ao qual retrocedem.” (51)<br />
79<br />
Não dá para desconfiar que os macaquinhos do seriado estejam<br />
certos?<br />
O positivista tupiniquim Pontes de Miranda acabou abandonando a<br />
teoria porque ela “não se preocupou com a questão de saber de onde<br />
vêm as variações individuais que produzem a seleção natural. A<br />
mentalidade contemporânea já o deixou atrás, no meio da grande<br />
estrada. Tem novas exigências; e possui dados para criticar a teoria<br />
darwínica e engastá-la no conjunto das leis universais.” (52)<br />
Pontes escreveu pela década de vinte. Quatro décadas depois, ainda<br />
havia necessidade do alerta científico internacional: “A teoria da<br />
evolução, de Darwin, de mutação acidental e de sobrevivência dos mais<br />
capazes, inevitavelmente tem se mostrado inadequada para responder<br />
a um grande número de observações biológicas.” (53)<br />
Evoluções não são apenas conseqüências de grosseiras dialéticas ou<br />
antagonismos, mas de interações externas, internas, longínquas,<br />
encostadas, mais ou menos oblíquas, de passadas, presentes e futuras:<br />
“Por causa de suas interações, dentro dos campos de suas<br />
recíprocas influências, as micropartículas se organizam em grupos, com<br />
constituições definidas, e que se chamam átomos. Por causa de suas<br />
interações, dentro dos campos de suas recíprocas influências, os<br />
átomos, também, se organizam em grupos, com constituições definidas,<br />
e que se chamam moléculas. Um corpo é uma associação de<br />
moléculas. A infinita variedade de moléculas é o que explica a infinita<br />
variedade de corpos... Combinados de diversas maneiras, os elementos<br />
químicos produzem a variedade infinita do Universo. Os corpos são<br />
associações de uma enorme multidão de átomos. Cada corpo tem suas<br />
propriedades. A causa dessas propriedades está nas propriedades dos<br />
átomos e das moléculas que os constituem e nas propriedades<br />
resultantes das combinações de tais átomos e moléculas. As próprias<br />
faculdades da vida têm sua causa em complexas combinações<br />
atômicas. Pois todo o ser vivo é composto de átomos, dos mesmos<br />
átomos que constituem o mundo mineral. Por causa de suas interações,<br />
dentro dos campos de suas recíprocas influências, moléculas de ácidos<br />
nucleicos e de aminoácidos se organizam em grupos, com constituições<br />
definidas. Estes grupos se chamam células. Dentro do núcleo de cada<br />
célula, nucleotídios se dispõem em filamentos. Estes filamentos foram<br />
organizados ao sabor de bilhões de anos de experiência. Constituem o<br />
ácido dosoxirribonucleico, o DNA, que é, ao mesmo tempo, o patrimônio<br />
genético da célula (a memória celular) e o centro de seu sistema<br />
cibernético governante... O primeiro fundamento das tábuas morais, dos<br />
sistemas axiológicos de referência, dos usos e costumes, das<br />
ordenações jurídicas se encontra nos elementos quânticos, de que se<br />
compõem as moléculas do ácido nucleico, no núcleo das células<br />
humanas.” (54)<br />
O homem faz-se a partir das informações transportadas pelo DNA;<br />
todavia, no componente, jamais há informação sobre o futuro, pelas<br />
óbvias razões: o futuro faz-se somente a partir da transmissão. E<br />
80<br />
acontece pela interferência de tantas variáveis quantas são as estrelas.<br />
O passado também faz-se por conjeturas não assimiladas. Vejamos a<br />
possibilidade da clássica predisposição passado/futuro em se tratando<br />
de genes:<br />
“A própria genética solapou com severidade o neodarwinismo, que<br />
depende do DNA como o mais importante mecanismo para estabilidade<br />
e transformação evolucionárias. Descobertas recentes mostram que os<br />
próprios genes tem uma natureza fluida ou mutável. Na bactéria, o DNA<br />
pula para frente e para trás dos cromossomos, expandindo-se e<br />
contraindo-se, de modo que... ( o próprio conceito de gen agora exige<br />
revisão)... O Prêmio Nobel e descobridor da Vitamina C, Albert SzentGyorgi<br />
argumenta que a célula na verdade realimenta o DNA com<br />
informações e muda suas instruções. Em outras palavras, o DNA parece<br />
ser afetado por algumas próprias coisas que se supunha que ele<br />
controlasse. Isso levou Waddington e outros biólogos a sugerirem que<br />
os genes na verdade interagem com o ambiente.”(55)<br />
Como pinçar a lógica necessária neste universo tão amplo e<br />
atemporal para sedimentar tão ousada e predeterminada teoria? A<br />
sorte, de todo modo, fora lançada. Na rota riscada por Bacon,<br />
Descartes, Newton, Hobbes, Rousseau, Bentham, Hegel, Mill, Ricardo,<br />
Comte, Sorel, Lamarck, Darwin e em seguida Engels e Marx, criativas<br />
equações sociológicas, econômicas e legislativas passaram a “ordenar”,<br />
cada vez com maior ênfase e precisão, os fatos sociais. A maioria dos<br />
liberais já tinha claramente identificado que a manobra de transferência<br />
de um poder (real) para outro (do povo), como queriam Rousseau,<br />
Bentham e seus cometas, não buscava a liberdade, mas sim a novo<br />
absolutismo. De fato, as formulações tecno-políticas embasadas no<br />
“utilitarismo” passaram a sobrepujar, até mesmo na Inglaterra, o<br />
“utópico” e “primitivo” liberalismo, enquanto líderes comunitários exibiam<br />
ceticismo a caminhos particulares. O trem da alienação desceu a<br />
ribanceira, desenfreada carreira. Com a detectada “força-maior”<br />
biológico-determinista encaixada no estudo de todas as ciências<br />
humanas. No parâmetro da nova moda, o universo social passou a ser<br />
descrito em ordem uniformemente acelerada. A esquerda “festiva”, por<br />
seu maior porta-voz, dedicou a edição inglêsa de “O Capital” ao autor da<br />
“Origem das Espécies”: “O livro de Darwin é muito importante e me<br />
convém como base da luta histórica das classes.”(56)<br />
Darwin recusou a homenagem, simplesmente por não entender o que<br />
teria a Seleção Natural a ver com o Socialismo... Na verdade era uma<br />
falsa modéstia. A expressão “podemos lançar um olhar profético ao<br />
futuro e ver que as espécies pertencentes aos grupos maiores e<br />
dominantes dentro de cada classe é que finalmente prevalecerão e<br />
darão origens a novas espécies dominantes” traduz a que se opõe o<br />
discurso dialético-comunista, mas é de Darwin a autoria. (57)<br />
Ambas teorias renegam a estória de Adão e Eva; e, com a estória<br />
interpretada pelos dois na “sobrevivência do mais forte”, entendida a<br />
“força” na forma mais bruta, mais tosca, mais primata da ciência física,<br />
81<br />
Marx montou a sua: “A noção de Darwin relativa à sobrevivência do<br />
mais adaptável foi um elemento-chave tanto para o conceito marxista da<br />
luta de classes quanto para as filosofias raciais que deram forma ao<br />
hitlerismo.” (58)<br />
Reafirma Miguel Reale:<br />
“Alguns postulados fundamentais caracterizam a filosofia marxista: o<br />
primado do real sobre o ideal, a admissão da teoria evolucionista de<br />
Darwin, a concepção materialista da historia, a dialética hegeliana<br />
revisada.” (59)<br />
(Marx tanto se valeu do antropofágico curso que Turati e Kautsky o<br />
identificaram como o “Darwin da ciência social”. (60))<br />
A partir da direção do patrono comunista, nova leva embarcou no trem.<br />
Joseph Needham, em 1943, foi um dos arrastados:<br />
“A nova ordem mundial de justiça social e da camaradagem, o estado<br />
racional e sem classes, não é um desvairado sonho idealista, mas uma<br />
extrapolação lógica a partir de todo o curso da evolução, que não tem<br />
menos autoridade do que aquela que o precedeu é portanto de todas as<br />
crenças a mais racional.”(61)<br />
Needham cometeu redondo engano, teórico e prático. Não se trata de<br />
programação ordenativa, de tática, de imposição:<br />
“Em resumo, a evolução é um desdobrar-se de uma ordem interna<br />
existente. Mas, por ser ela inteligente e não um processo mecânico, há<br />
espaço aberto para variações criativas e respostas individuais às<br />
circunstâncias ambientais.” (62)<br />
Testemunhos são constantes:<br />
“Apesar de bastante atraente, a teoria de Lamarck foi praticamente<br />
abandonada pela ciência atual. Como demonstrou August Weismann<br />
(1834-1914), os caracteres adquiridos não podem ser transmitidos<br />
hereditariamente, porquanto não afetam o material genético. As<br />
mudanças surgem como conseqüência de variações de plasma genético.<br />
Elas podem ocorrer por acaso, espontaneamente, ou devido a influências<br />
físicas (exemplo, as radiações) e químicas, mas apenas quando atuando<br />
diretamente sobre a estrutura do material genético.” (63)<br />
Hayek ainda assegura:<br />
“A evolução cultural não é determinada nem geneticamente, nem de<br />
qualquer outra forma e sua conseqüência é a diversidade e não a<br />
uniformidade. Filósofos como Marx e Augusto Comte que afirmaram que<br />
nossos estudos podem levar a leis de evolução que permitem prever<br />
desdobramentos futuros inevitáveis estão errados.” (64)<br />
Ainda bem. Se tivéssemos mesmo uma evolução a partir do marxismo<br />
ou do fascismo, poderíamos ter o bizarro:<br />
“Aprisionado por um sistema totalitário em que o Estado regularia sua<br />
vida e atividade dia por dia, o ser humano iria perdendo pouco a pouco<br />
o gosto pelo risco, o espírito de iniciativa, o sentido e a necessidade de<br />
independência pessoal. Ao perpetuar-se este sistema, produziria por<br />
força dos acontecimentos uma atrofia do cérebro que, por sua vez,<br />
82<br />
atuaria sobre a anatomia; e, ao cabo desta evolução regressiva, chegarse-ia<br />
a obter um tipo humano degenerado: de tipo bestial”. (65)<br />
Sempre há quem reverencie a certeza darwineana, o mito, até porque,<br />
evidentemente, todos sofremos processos evolutivos e adaptativos. É<br />
mesmo verossímel que não sejamos frutos da concepção simplista,<br />
ingênua, romântica, talvez metafórica, de Adão e Eva. É certo que<br />
nossos antepassados, por silvícolas, possuiam características<br />
compatíveis com símios. Também é correta a percepção da<br />
adaptabilidade, embora este fenômeno seja integrativo. Por fim, mister<br />
lembrar que ainda não surgiu outra teoria mais consistente, para<br />
substituí-la. Não é de se admirar, pois, que as coincidências<br />
elucubradas tenham atraído tantos pesquisadores, até de vanguarda. O<br />
notável contemporâneo S. Hawking, por exemplo, expressa divagação<br />
que excede sua astrofísica para aventurar sua metafísica, arriscando um<br />
conceito de cunhagem filosófica e futurológica, embora ele próprio não o<br />
repute científico. Sua especulação talvez se origine mais na admiração<br />
da personalidade citada, certamente desconhecendo seu curriculum, ou<br />
pela facilidade de assimilação de uma teoria tão proliferada, do que<br />
pela consistência teórica da produção:<br />
“E se de fato há uma teoria completa e unificada, ela provavelmente<br />
determinará também nossas ações. Assim, a própria teoria determinaria<br />
o resultado de nossa busca neste sentido! E por que determinaria que<br />
chegássemos às conclusões certas a partir da evidência? Ela não<br />
poderia igualmente determinar que esboçássemos as conclusões<br />
erradas? Ou que não atingíssemos quaisquer conclusões? A única<br />
resposta que posso dar a esse problema é baseada no princípio da<br />
seleção natural de Darwin.” (66)<br />
Sem querermos estabelecer polêmica, que não é o caso, até pela<br />
discrepância de status, ousamos a discordância. Como o notável<br />
cientista físico é pródigo em afirmar, não existem verdades absolutas. A<br />
hipótese darwineana, ao postular para si tão excludente caminho,<br />
mostra desconsiderar sutis influências, porque permanece a girar, tão<br />
somente, no eixo dialético que propõe, onde adversidades se digladiam<br />
e nunca se completam. Jamais poderia a observação da vitória do mais<br />
apto poderia ser extrapolada como conquista científica:<br />
“Nem a física de Newton nem a biologia de Darwin disseram muito que<br />
possa contribuir para um quadro coerente de nos mesmos dentro do<br />
Universo. A biologia darwinista, quer em sua versão original bruta é<br />
determinista (a sobrevivência do mais forte), quer na versão<br />
neodarwinista com ênfase na evolução aleatória tem pouco a nos dizer<br />
acerca do porque de estarmos aqui, de como nos relacionamos com o<br />
surgimento da realidade material e muito menos a cerca do propósito e<br />
significado de qualquer evolução da consciência além da conclusão<br />
muito simples e utilitária de que a consciência parece “conferir alguma<br />
vantagem evolutiva”. (67)<br />
Hopkins preferiu ser absolutamente enfático: “A teoria do senhor<br />
Darwin não consegue explicar nada, pois fica na impossibilidade de<br />
83<br />
atribuir uma relação necessária entre os fenômenos e as causas às<br />
quais ela os submete” (68)<br />
Samuel Haughton recorreu a ironia: “Se um químico ou um<br />
mineralogista qualquer se permitisse levar adiante uma teoria geológica<br />
(tão medíocre) sobre a origem do salitre e da cal, seus colegas o<br />
tomariam por um alienado.” (69)<br />
O colega físico Lord Kelvin (1824-1907) teve tempo de enfatizar “a<br />
completa futilidade da filosofia de Darwin.” (70)<br />
Não seria a primeira vez que Hawking viria a público<br />
equivocadamente. Em 91, o norte-americano Kip Thorne, do Instituto de<br />
Tecnologia da Califórnia, provou, ao cético e agora devedor de cem<br />
dólares proveniente da aposta perdida, que um fenômeno chamado<br />
“singularidade nua” ocorre dentro dos buracos negros (71). Nosso<br />
astrofísico negava a possibilidade, o que lhe custou a nota. Por fim,<br />
convém lembrar: o renomado autor do Best-Seller Uma Breve História<br />
do Tempo, é portador de sérias deficiências físicas. Pelas leis<br />
darwineanas, na selva da vida ele próprio já teria sucumbido. Vejamos,<br />
pois, uma hipótese diversa, a da luminosa russa Madame Blavatsky:<br />
“Há três vertentes de evolução, separadas mas entrelaçadas, no<br />
esquema terrestre das coisas: a espiritual, a intelectual e a física, cada<br />
qual com suas próprias regras ou leis internas. As três vertentes são<br />
representadas na constituição do homem, no microcosmo e no<br />
macrocosmo (a própria natureza) e é isso que faz de nos os seres<br />
complexos que somos.” (72)<br />
O professor Ernest B. Trattner em “Einstein, um estudo - A Teoria da<br />
Relatividade”, foi categórico: “Meia dúzia de símios, postos a martelar<br />
numa máquina de escrever durante milhões de anos, não seriam<br />
capazes de reproduzir uma só frase dos livros de Einstein”. (73)<br />
No homem, felizmente, residem essas notáveis diferença, assim<br />
explicitada por algumas frases desses livros de Einstein, coisa que nem<br />
chimpanzé evoluído pode entender:<br />
“A memória, a capacidade de fazer novas combinações e o dom da<br />
comunicação oral permitiram, entre os seres humanos, avanços que não<br />
são ditados por necessidades biológicas. Tais avanços manifestam-se<br />
em tradições, instituições e organizações; na literatura; nas realizações<br />
científicas e de engenharia; em obras de arte. Isso explica como é<br />
possível que, em certo sentido, o homem possa influenciar sua vida<br />
através de sua própria conduta, e que o pensamento consciente e a<br />
vontade possa desempenhar um papel nesse processo.” (74)<br />
Talvez porque só se preocupassem com a “origem”, portanto atendose<br />
exclusivamente a um passado, fragmentado, predisposto por fatos e<br />
objetos parcialmente identificados, coletados e mal interpretados, é que<br />
Spencer e Darwin, Malthus e Ricardo, Rousseau, Sorel, Hegel e Marx<br />
não conjeturaram a espetacular reversão científica que adviria com as<br />
teorias do caos, da quântica e da relatividade. A ciência e a sociedade<br />
de ponta evoluem por “somaléticas”, em vez das necessariamente<br />
84<br />
preconceituosas, bitoladas, obsoletas e destrutivas “dialéticas”, sejam<br />
elas de caráter físico, biológico, econômico, político, ético ou social.<br />
Quanto aos macaquinhos, que se calem. Embora gostemos de<br />
bananas, não precisamos disputar cipós.<br />
10. O pequeno falsário<br />
Boltzmann, Ludwig, "Populare Schriften Essay 1" em Ludwig Boltzmann,<br />
theorethical physics and philosophical problems, p. 15; cit. Coveney, Peter<br />
e Highfield, Roger,, p. 135. Boltzmann defendeu este mesmo ponto de<br />
vista na palestra sobre a segunda lei, proferida em 1886, num festival da<br />
Academia Austríaca de Ciências.<br />
Darwin, Charles, Autobiografia, p. 7.<br />
Idem, ibidem.<br />
Darwin, Charles, Autobiografia, Madrid, p. 12.<br />
Darwin, Charles, cit. Carvalho, Eide M. Murta, "O Pensamento Vivo de<br />
Darwin", p. 108.<br />
Darwin, Erasmus, cit. Thuillier, P., p. 198.<br />
Darwin, C., cit. . Carvalho, Eide M. Murta, "O Pensamento Vivo de Darwin",<br />
p. 33<br />
Quètelet, A, cit. Thuillier, P., p. 220.<br />
Lyell, Charles, Wallace, Sir Alfred, cits. Darwin, C., in Carvalho, Eide M.<br />
Murta, "O Pensamento Vivo de Darwin", p. 14/15<br />
Idem, p. 40/41<br />
Haeckel, cit. Miranda, Pontes, p. 188.<br />
Bacon, Francis, Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da<br />
Interpretação da Natureza.<br />
Darwin, Charles, Autobiografia, p. 7.<br />
Idem, ibidem.<br />
Darwin, Charles, idem, p. 12.<br />
Darwin, Charles, cit. Ronan, Colin A., Universidade de Cambridge, História<br />
da Ciência Ilustrada, Volume IV, A Ciência dos Séculos XIX e XX, p. 12.<br />
Darwin, C. e Darwin, Robert, cit. Thuillier, P., p. 194.<br />
Darwin, Charles, cit. Coveney, Peter e Highfield, Roger, , p. 221.<br />
Darwin, Autobiografia, Madrid, p. 11.<br />
Darwin, Charles, cit. Thuillier, P. p. 199.<br />
Darwin, C. cit. Reis, José, Periscópio - A doença de Darwin, especial para<br />
a Folha, Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 12 de março de 2000,<br />
Caderno Mais!, p. 33<br />
Darwin, Charles, Bibliografia, Madrid, p. 8/9.<br />
Darwin, C., cit. Thuillier, P., p. 191.<br />
Darwin, Charles, cit. Challita, Mansour, "Os Mais Belos Pensamentos de<br />
Todos os Tempos", p. 156.<br />
Malthus, Thomas, "Ensaio sobre o Princípio da População".<br />
85<br />
Darwin, Charles, cit. Croft, L. The life and death of Charles Darwin, p. 65;<br />
Darwin, Charles, cit. Coveney, Peter e Highfield, , p. 222.também Darwin,<br />
Charles e Malthus Thomas, cits. Carvalho, Eide Murta, p. 34.<br />
Idem.<br />
Idem, p. 35.<br />
Darwin, Charles, cit. Downs, Robert Bingham, p. 200.<br />
Darwin, C., cit. Thuillier, P., p. 210.<br />
idem, p. 214.<br />
Idem, p. 216.<br />
Idem, p. 196<br />
Idem, ibidem;<br />
Spencer, Herbert e Schäffle, Albert, cits. Carvalho, Eide M. Murta, p. 63.<br />
Spencer, Herbert, cit. Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política,<br />
p. 143.<br />
Spencer, Herbert, cit. Sabine, George, História das Idéias Políticas, p. 699.<br />
Schäffle, Albert, Bau und Leben des sozialen Körpers (1875-1878), cit.<br />
Miranda, Pontes, p. 200.<br />
Schwartz, Joseph, O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência<br />
Moderna, p. 57.<br />
Wallace, A.R. e Young, R., Sciences studies, 1971, p. 184; cit. Japiassú,<br />
Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, p. 56.<br />
Darwin, Charles, cit. Carvalho, Eide M. Murta, ob. cit. p. 21.<br />
Johnson, Paul, Paul, Tempos Modernos: O mundo dos anos 20 aos 80, p.<br />
4.<br />
Downs, Robert Bingham,, p. 8.<br />
Hayek, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal, p.<br />
46/47.<br />
Wilber, Ken, Up From Eden: A Transpersonal View of Human Evolution, p.<br />
304/305; cit. Lemkow, Anna, p. 178.<br />
Sagan, Dorion, cit. Dawkins, Richard, p. 288.<br />
Lemkow, Anna F., "Princípio da Totalidade", p. 183/185.<br />
Bateson, Gregory, "Steps to an ecológy of mind", p. 451.<br />
Smith, Andrew P., Mutiny On The Beagle, ReVision, Vol 7., n. 1, p. 21; cit.<br />
Lemkow, Anna F., p. 167.<br />
Darwin, Charles; Nagel, Thomas, cits. Teixeira, João Fernandes,<br />
Assombrações da pós-modernidade, Jornal Folha de São Paulo, Caderno<br />
Mais, São Paulo, 10 de junho de 2001, p. 20. Nagel tem duas obras<br />
traduzidas: A última palavra, trad. Carlos Felipe Moisés, São Paulo: ed.<br />
UNESP 2001, com 176 págs. e Uma breve introdução à filosofia, trad.<br />
Silvana Vieira, pela Martins Fontes, São Paulo: Martins Fontes, 2001, com<br />
108 págs..<br />
Reynold, Gonzaguè de, cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 210.<br />
Miranda, Pontes de, p. 198.<br />
Ferguson, Marilyn, , p. 149.<br />
Junior, Goffredo Telles, O Direito Quântico, p. 244/246.<br />
Lemkow, Anna, p. 169.<br />
86<br />
Marx, Karl, cit. Japiassú, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências<br />
Humanas, p. 60.<br />
Darwin, C., cit. Carvalho, Eide M. Murta, p. 21<br />
Darwin, C., cit. Johnson, Paul, p. 4.<br />
Reale, Miguel, O Direito Como Experiência, p. 223<br />
Turati e Kautsi, cit. Hayek, F.A., Os erros do socialismo- Arrogância Fatal,<br />
p. 83.<br />
Needham, Joseph, cit. idem., p. 84.<br />
Lemkow, Anna, F., p. 174.<br />
Andrade, Hernani Guimarães, p. 181.<br />
Hayek, Friederich August Von, Os erros do socialismo- Arrogância Fatal,<br />
p. 45.<br />
Fourner, Pierre, cit. Goytisolo, Juan Vallet, p. 211.<br />
Hawking, Stephen W., p. 32.<br />
Zohar, Danah e Marshall I.N., p. 270.<br />
Hopkins, W., cit. Thuillier, P., ob. cit. p. 215.<br />
Haughton, S., cit. idem, ibidem.<br />
Revista Isto É, São Paulo, 19 de fevereiro de 1997, p. 19.<br />
Cit. Thuillier, P., p. 217.<br />
Blavatsky, H.P., The Secret Doctrine, Escritos Selecionados 1888, p. 181;<br />
cit. Lemkow, Anna, p. 176.<br />
Trattner, Ernest B., Einstein, Um Estudo - A Teoria da Relatividade, in<br />
Einstein por Ele Mesmo, p. 18.<br />
Einstein, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação,<br />
religião, relações sociais, racismo, ciências sociais, p. 132.<br />
87<br />
11. As fantasias de Freud e Marx<br />
Sigmund Freud (1856-1939) fez do ardil dialético o ringue do seu show.<br />
A construção teórica da psicanálise, montada por ele, Bauer, seus<br />
discípulos e derivados, de franca cunhagem dialético-cartesiana e<br />
pontal positivista, exige a separação do objeto a ser esmiuçado - o<br />
corpo da consciência e esta dividida em vários departamentos<br />
hierarquicamente sobrepostos - egos, superegos, "tataraegos",<br />
inconscientes, planos, teses e antíteses - no mecanicista e reduzido<br />
universo cerebral transformado em eterno campo de combate. Haja<br />
revoltas. Abraham Maslow contabiliza: “Freud forneceu-nos a metade<br />
doente da psicologia e devemos agora preencher a metade saudável”.<br />
(1)<br />
Fritjof Capra reforça:<br />
“A psicologia freudiana é basicamente uma psicologia de conflito. Em<br />
sua luta existencial, Freud foi indubitavelmente influenciado por Darwin<br />
e os darwinistas sociais, mas para a dinâmica detalhada de “colisões”<br />
psicológicas ele recorreu a Newton. No sistema freudiano, todos os<br />
mecanismos da mente são impulsionados por forças semelhantes as do<br />
modelo da mecânica clássica”. (2)<br />
Darwin fora competente, não se discute. Arrumou vários apóstolos.<br />
Freud o acompanhou no pentear dos macacos: “Em seus primeiros<br />
anos, (Freud) achou-se fortemente atraído pelas teorias de Darwin, pois<br />
sentia que “elas ofereciam esperanças de um avanço extraordinário em<br />
nosso conhecimento do mundo.” (3)<br />
Ficamos embotados. E o crime, justificado: “Freud nota que matar o<br />
inimigo é uma tendência compulsiva. Mesmo no reino animal os<br />
conflitos de interesse são decididos pela força.” (4)<br />
Kelsen confirma o rastro darwinista e complementa a idéia cerne, de<br />
caráter nitidamente hobbesiano: “A partir da conjetura de Darwin, Freud<br />
supõe que a forma primitiva da sociedade humana era a horda submetida<br />
ao domínio absoluto de um macho poderoso.” (5)<br />
“Barbaridade", "tchê!”.<br />
O paradigma maquiavélico-hobbesiano do “homem feito lobo do<br />
homem”, foi usado por Freud para justificar sua profissão. Neste sentido,<br />
88<br />
Sigmund descreve “O Mal-estar na Civilização”, no qual sustenta que “a<br />
sociedade teve de impor de fora regras destinadas a conter as ondas de<br />
excesso emocional que surgem demasiado livres de dentro”.(6)<br />
Em “História da Loucura” Michel Foucault demonstra: “ ... a definição e<br />
o tratamento da ‘demência’ constitui uma forma de contrôle social.” (7)<br />
Michel Maffesolli identifica as ligações:<br />
“Poucos e, para além de algumas variações, de pequena importância,<br />
os sistemas de explicação do mundo eladorados na segunda metade so<br />
século XIX, como o marxismo, o freudismo ou o funcionalismo, baseiamse<br />
numa visão positivista, teleológica e material da evolução humana.”<br />
(8)<br />
Hegel havia declarado que a consciência do homem determinava seu<br />
modo de ser. Para Marx, outro notável discípulo de Darwin, o fenômeno<br />
seria inverso: o status social determinaria a consciência: “O padrão final<br />
das relações econômicas como vistas na superfície.... é muito diferente,<br />
para não dizer o oposto, do seu padrão essencialmente interno e<br />
oculto”.(9)<br />
Pereira explica-nos a pretensão: “O último elemento presente no<br />
materialismo histórico é a afirmação de que o homem não é dotado de<br />
consciência autônoma e liberdade de escolha, já que “não é a consciência<br />
que determina o ser, mas, ao contrário, o ser social que determina sua<br />
consciência.” (10)<br />
No caso mental, basta substituir a causa econômica, o ser social<br />
marxista (pai) pela “causa-mãe”, de Freud. Ambas as teorias e todos os<br />
seus efeitos dialéticos permanecem tentando se equilibrar no limitado eixo<br />
correspondente. O deputado-psiquiatra Eduardo Mascarenhas as<br />
misturou desse modo, incluindo ainda a idéia de Rousseau:<br />
“Freud preferia uma resposta mais psicológica: a luta de classes, a<br />
exploração do homem pelo homem, a desigualdade de riquezas,<br />
prerrogativas e poderes são a expressão da vontade narcísica de poder,<br />
do deleite da dominação, do gozo da superioridade. A civilização seria um<br />
pacto social para minimizar a luta selvagem pela supremacia.” (11)<br />
Alberto Oliva consegue, por Popper, qualificar, numa só frase, a teoria<br />
freudiana e a teoria marxista, ambas capengas por semelhantes defeitos:<br />
“Suas estruturas explicativas basilares se apoiariam dissimuladamente<br />
em estratagemas para debilitar a ação da crítica. A conseqüência disso<br />
seria a dogmatização de conteúdos interpretativos cuja encenação social<br />
levaria, em última análise, à oclusão política...” (12)<br />
Walter Evangelista faz a precisa pergunta: “Marxismo e Psicanálise<br />
como ciências não seria o casamento da violência com o charlatanismo?”.<br />
(13)<br />
Soros também os enquadra:<br />
“É significativo que tanto Marx como Freud tenham sido altissonantes<br />
ao enfatizar o cunho cientìfico das suas teorias, baseando muitas das<br />
suas conclusões na autoridade emanante do “cientificismo”. Aceito esse<br />
ponto, a própria expressão “ciências sociais” se torna suspeita. Ela é em<br />
89<br />
geral uma frase mágica, empregada pelos alquimistas sociais no esforço<br />
de impor sua vontade ao objeto, por encantamento.” (14)<br />
Para Paul Ricoer e também para Jürgen Habermas, a psicanálise não<br />
pode ser considerada ciência, mas “uma atividade hermenêutica<br />
(interpretativa), caso no qual deveria ser julgada somente em bases<br />
intuitivas e empáticas, não empíricas.” (15)<br />
Danah Zohar observa:<br />
“Nossa atual psicologia da pessoa, tanto como compreendida pelas<br />
pessoas comuns como pelos acadêmicos, advogados e juízes é uma<br />
curiosa mistura de idéias deterministas tiradas diretamente da ciência<br />
em si ou de um bolo mal digerido dos usos em que Marx e Freud<br />
quiseram colocar a ciência.” (16)<br />
Tratando-se de Marx, tudo foi por água abaixo, tragado pelo curso da<br />
História:<br />
“Assim sendo, contrariamente as previsões implícitas nas teorias da<br />
mais-valia e da exploração do homem pelo homem, considerado o<br />
sistema econômico como um todo, ao maior ganho do patrão não<br />
corresponderá o menor ganho do empregado, corresponderá ao maior.<br />
E ao maior ganho do empregado não corresponderá o menor e sim o<br />
maior ganho do patrão. Tudo ao contrário do que afirmara Marx”. (17)<br />
O conceituado filósofo contemporâneo Gilles Deleuze e o psicanalista<br />
Felix Guattari sintetizaram sua crítica misturando Marx e Freud num<br />
volume, o Anti-Édipo, “no qual realiza uma crítica do conceito freudiano<br />
e lacaniano de inconsciente a partir da categoria marxista de<br />
“produção”. (18)<br />
Marx agravou o erro de muitos, entre os quais os de Bacon - “pai do<br />
materialismo inglês”(19) - o fim do pensamento e o começo da ação, a<br />
operação de domínio e modificação forçada da natureza. O<br />
companheiro Marx, aprovou a originalidade baconiana, ampliada a<br />
possibilidade da translação dessa magnífica ciência ao campo social, a<br />
partir da dialética de Hegel. Numa das “Teses sobre Feuerbach”<br />
propôs: “Os filósofos tem se limitado a interpretar o mundo de maneiras<br />
diversas; trata-se de transformá-lo.” (20) E completou: “O ser que já<br />
iniciou a apropriação da natureza por meio do trabalho de suas mãos,<br />
do intelecto e da fantasia, jamais deixará de fazê-lo e, após cada<br />
conquista, vislumbra já seu próximo passo.” (21)<br />
O próximo passo é para trás, impulso de coice.<br />
O leitmotiv marxista, nítido e pretensamente viável, requer a quebra da<br />
tradição em todas as formas, notadamente as manifestações<br />
patrióticas com o conseqüente torpedeamento da história, para daí<br />
imporem-se as alterações patrimoniais. William Henry Chamberlin o<br />
arrasa:<br />
“O método do materialismo histórico de Marx não consegue explicar as<br />
óbvias diferenças entre povos que se encontram na mesma fase de<br />
desenvolvimento econômico. Não toma em consideração fatores vitais<br />
como a raça, a religião e a nacionalidade. Não leva em conta a imensa<br />
importância da personalidade humana. É duvidoso que um único<br />
90<br />
acontecimento histórico possa ser corretamente interpretado de acordo<br />
com essa teoria.” (22)<br />
A égide exata chegava ao cúmulo filosófico, insensatez materialista<br />
extremada, analogia do relógio dado corda:<br />
“O socialismo científico abordou a sociedade da mesma forma que<br />
Newton abordou o comportamento dos corpos celestes, investigando<br />
suas imutáveis “leis de movimento”. (23)<br />
A dimensão por tudo é dogmática, limitada, determinista porque<br />
mecanicista, parcial e preconceituosa. Tenta vislumbrar, pela ótica<br />
sócio-política, o código matemático absoluto, pretensão que fez tantos<br />
naufragarem no mar das ilusões. Tal qual Galileu, Descartes, Bacon,<br />
Copérnico e Newton, Marx examinou equivocados princípios às<br />
“matemáticas” conclusões. Na tela, a medida exata do capital<br />
representado pelo dinheiro e pelos contados bens materiais:<br />
“Marx, enquanto materialista, enquanto alguém que advoga que toda a<br />
realidade e matéria, porém não apenas isto, que toda a realidade e<br />
matéria obedece a leis que são absolutamente determinadas não<br />
apenas é materialista, como também determinista, isto é, crê ser<br />
possível compreender a realidade de tal forma que, uma vez<br />
descoberta suas leis, poderíamos antecipar seu futuro desenvolvimento<br />
e “O Capital” tem a pretensão de ser a obra que descreve o<br />
desenvolvimento das leis econômicas da sociedade moderna.” (24)<br />
Sua produção foi, no mínimo, negligente com inúmeras outras<br />
importantes peculiaridades da vida Por Deepak Chopra percebe-se que<br />
a montagem de Marx é que é “ideológica”:<br />
“Sintetizando, posso dizer que a conclusão fundamental dos<br />
estudiosos do campo quântico é que a matéria-prima do mundo não é<br />
material, as coisas essenciais do universo são não-coisas. Toda a<br />
nossa tecnologia baseia-se nesse fato, que faz cair pode terra a atual<br />
superstição do materialismo”. (25)<br />
Complementariedade não é o mesmo que dialética. Talvez por isso<br />
Marx tenha desistido de completar “O Capital”, depois de dezessete<br />
anos de trabalho, fato de incomensurável importância, praticamente<br />
desconhecido: “Joachim Reig (Introdução à tradução espanhola de E.<br />
von Bohm Bawerk sobre a teoria da exploração de Marx , 1976) afirma<br />
que Marx, depois de tomar conhecimento das obras de Jevons e<br />
Menger, abandonou “O Capital”. (26)<br />
O Primeiro-Ministro da Espanha, Felipe Gonzalez, comunga da idéia:<br />
“Hoje, vivo e pensador inteligente, Karl Marx não seria marxista. As<br />
esquerdas tem de conviver com a realidade de mercado e abandonar o<br />
radicalismo”.(27)<br />
Nem hoje, nem quando vivia: “...Talvez por isso Marx tenha<br />
declarado, no fim da vida: “Eu não sou marxista”. (28)<br />
No início da vida, ele e Engels tratavam “O Capital” como “livro<br />
maldito”(29). Marx o desenvolveu como um “verdadeiro pesadelo” (30).<br />
Os inglêses se livraram de conhecê-lo ainda por vinte anos, até traduzilo.(31)<br />
Como qualificar um trabalho que nasce maldito e termina<br />
91<br />
negado pelo próprio autor? Pelo dizer de Durkheim talvez tivesse<br />
passado o mau momento: “O que de propriamente científico existe no<br />
socialismo não é socialista e o que é socialista não é científico. O<br />
socialismo é um grito de dor, às vezes de cólera”. (32)<br />
A famosa tese acabou sendo tomada como progressista porque<br />
escapava dos métodos rigorosamente lineares que imperavam<br />
incólumes até a presença mais enfática da dialética. Descreve-nos<br />
ninguém menos que Trótski:<br />
“Com base num profundo e abrangente estudo da ciência, Lenin<br />
provou que os métodos do materialismo dialético, tal qual formulados<br />
por Marx e Engels, eram inteiramente confirmados pelo<br />
desenvolvimento do pensamento científico em geral e pela ciência<br />
natural em particular.”(33)<br />
Na verdade sabemos o que Lenin provou. Walter Lippmann conheceu<br />
o tipo:<br />
“Os coletivistas... tem o empenho de progresso, a simpatia pelos<br />
pobres, o ardente sentido do injusto, o impulso para os grandes feitos,<br />
coisas que tanto vem faltando ao liberalismo nos últimos tempos. Mas<br />
sua ciência se baseia num profundo mal-entendido...; e suas ações,<br />
portanto, são intensamente destrutivas e reacionárias. Assim, os<br />
corações dos homens são destroçados, suas mentes divididas e são<br />
apresentadas alternativas impossíveis.” (34)<br />
Houve quem alertasse: “Uma comunidade de indivíduos<br />
padronizados, sem originalidade pessoal e sem aspirações pessoais,<br />
seria uma comunidade inferior, sem possibilidade de desenvolvimento.”<br />
(35)<br />
A confirmação do pecado científico veio em nosso século, na<br />
confissão dos próprios discípulos da “comunidade inferior de indivíduos<br />
padronizados” teimosamente implantada. A tapeação era incompatível<br />
com a verdade:<br />
“A Teoria da Relatividade foi condenada, não porque (como na<br />
Alemanha Nazista) Einstein fosse judeu, mas por razões igualmente<br />
irrelevantes: Marx havia dito que o Universo era infinito e Einstein havia<br />
tirado certas idéias de Mach, proscrito por Lenin. Por trás de tudo estava<br />
a desconfiança de Stálin de qualquer idéia remota associada a valores<br />
burgueses. Ele estava levando adiante aquilo que os comunistas<br />
chineses mais tarde chamariam de Revolução Cultural - uma tentativa de<br />
mudar, por decreto e uso da polícia, as atitudes humanas fundamentais<br />
em relação a uma gama de conhecimentos.” (36)<br />
As razões, todavia, não era irrelevantes; pelo contrário:<br />
“Moscou, o quartel-general do ateísmo, viu na Teoria da Relatividade<br />
incompatibilidade entre ela e o materialismo soviético fundamentado no<br />
marxismo.”(37)<br />
O cisco caia nos pés dos carrascos bolcheviques, era empurrado<br />
para baixo do tapete, mas a máscara científica se dissolvia como açúcar:<br />
“Na União Soviética, do tempo de Lenine, se fez grande silêncio sobre<br />
a teoria de Einstein, porque os pontífices do Governo haviam declarado<br />
92<br />
que o átomo não podia ser dividido, por ser a base da matéria, e sem<br />
matéria não haveria materialismo, um dos pilares do comunismo.” (38)<br />
Nem o comunismo, tampouco as “leis” de movimento descritas por<br />
Newton refletem a ciência. Embora as ambições, ambos traduzem,<br />
apenas, pitorescas coincidências. Fala o mestre Bertrand Russel:<br />
“Os corpos se movem como o fazem porque esse é o mais fácil<br />
movimento possível na região de espaço-tempo em que se encontram,<br />
não porque forças “agem” sobre eles.” (39)<br />
Vale a pena transcrevermos todo ensinamento:<br />
“Os corpos se tornam, assim, muito mais independentes uns dos<br />
outros do que eram na física newtoniana: há um acréscimo de<br />
individualismo e uma diminuição de governo central, se nos for<br />
permitido usar esta linguagem metafórica. Isto pode, mais cedo ou<br />
mais tarde, modificar consideravelmente a visão que o homem culto<br />
tem do universo, possivelmente com resultados de grande alcance.”<br />
(40)<br />
Desde há muito, pois, cogitava-se do fim da perfídia:<br />
“Um segundo pilar na catedral da teoria socialista foi o planejamento<br />
central. Em vez de permitir que o “caos” do mercado determinasse as<br />
regras da economia, um planejamento inteligente de cima para baixo<br />
possibilitou concentrar recursos nos setores-chaves e acelerar o<br />
desenvolvimento tecnológico. Mas planejamento central dependia de<br />
conhecimento e, já nos anos 1920, o economista austríaco Ludwig von<br />
Mises identificou a falta de conhecimento, ou como a chamou, o seu<br />
“problema de cálculo”, como o calcanhar de aquiles do socialismo”.<br />
(41)<br />
O ser da matéria não se separa de sua atividade. A interação é total.<br />
O próprio Einstein afirmou: “A massa de um corpo é a medida de seu<br />
conteúdo de energia.” (42)<br />
Heisenberg já detetava: “ ... a física atômica fez a ciência afastar-se<br />
da tendência materialista que ela tivera durante o século XIX.” (43)<br />
E o que relembra Rohden? “O materialismo do século XIX morreu por<br />
falta de matéria - que ironia!- pois a ciência do século vinte reduziu a tal<br />
matéria a energia, E=mc2. Energia é massa multiplicada pelo quadrado<br />
da velocidade da luz”. (44)<br />
A ciência agora precisa se ocupa em desfazer seus nós: “Assim, o<br />
estudo da microenergética parece-nos conduzir a uma desmaterialização<br />
do materialismo.” (45)<br />
Como cientificamente falsas são suas conjeturas, o que se deve<br />
gravar à lembrança do famoso sociólogo-economista é o fato dele ser<br />
um dos principais, senão o principal responsável pela morte e pelo<br />
saque a milhões de inocentes pelo mundo afora, além de tolher de cada<br />
cidadão, de cada sobrevivente, de cada habitante do rincão alcançado<br />
pela sua preconceituosa idéia, o usufruto de uma vida de realização<br />
pessoal, trágica lista que começou em sua própria casa: “De seus seis<br />
filhos apenas três chegaram a idade adulta, e desses três, dois vieram a<br />
suicidar-se”. (46)<br />
93<br />
Livraram-se os filhos de presenciarem ainda mais atrocidades: “Em<br />
nome do progresso humano, Marx provavelmente causou mais<br />
mortes, miséria, degradação e desespero que qualquer outro homem<br />
que já tenha vivido”. (47)<br />
Ao seu lado, Hegel, Darwin e Comte. Qual o produto?<br />
“Antes já assinalamos o engano que pode encerrar a quantificação da<br />
ordem, do progresso, da justiça. Partir dela é apoiar-se em dados<br />
inadvertidamente falseados por atender ao tamanho e não à qualidade,<br />
ao volume e não à substância, à aparência estatística e não à energia<br />
vitalizadora.” (48)<br />
O insígne professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, W. G.<br />
Santos confirma a excepcional estratégia:<br />
“Pedagogicamente essa intermediação do Estado favoreceu a<br />
disseminação de uma atitude, senão de uma ideologia conformista<br />
perante o Estado, ao mesmo tempo em que estimulou uma atitude<br />
arrogante por parte da burocracia que, ademais de se ter constituído<br />
previamente a formação desses dois atores, via-se agora na posição de<br />
árbitro irresponsável da competição entre empresariado e classes<br />
operárias.” (49)<br />
Karl pecou por miopia, vigarice, ou talvez tenha sido vítima de uma<br />
precipitação, provavelmente de origem juvenil, na melhor das<br />
hipóteses; mas conseguiu embrulhar, carregar populações do mundo<br />
inteiro, arrastadas por uma corrente cada vez mais grossa, até<br />
transformar-se num rio arrasador. Empregou, infelizmente, metade da<br />
população a defendê-lo e outra metade a defender-se, antes de ser<br />
enterrado, com grande festa e muita champagne, embaixo das pedras<br />
do muro que propiciou construir, onde ainda hesitam alguns suspiros.<br />
Como disse James Buchanan, “o socialismo está morto, mas Leviathan<br />
ainda vive”. (50)<br />
E gosta do Brasil.<br />
11. As fantasias de Freud e Marx<br />
Maslow, Abraham, "Toward a Psycológy of Being", Van Nostrand,<br />
Reinhold, 1962, p. 5.<br />
Freud, Sigmund, cit. Capra, Fritjof, O Ponto de Mutação, p. 173.<br />
Freud, S. e Darwin, C., cits. Downs, Robert Bingham, p. 211.<br />
Freud, S., cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 222.<br />
Kelsen, Hans, (1881-1973) A Democracia, p. 321.<br />
Freud, Sigmund, cit. Lacerda, Carlos, Em Vez, p. 242.<br />
Foucault, Michel, História da Loucura, cit. Rohmann, C., p. 168.<br />
Maffesoli, Michel, Mediações simbólicas: a imagem como vínculo social,<br />
in Para navegar no século XXI, p. 46.<br />
Marx, Karl, Para a Crítica da Economia Política, p. 135.<br />
Pereira, Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo - p. 128<br />
94<br />
Mascarenhas, Eduardo, "Brasil, de Vargas a Fernando HenriqueConflito<br />
de Paradigmas, p. 201.<br />
Oliva, Alberto, Organizador, texto de Evangelista, Walter José, A<br />
Questão da Cientificidade em Teorias de Conflito: Marxismo e<br />
Psicanálise, in Epistemologia: A Cientificidade em Questão, p. 213.<br />
Idem, ibidem<br />
Soros, George p. 73.<br />
Habermas, J. e Ricoer, P., cits. Crews, Frederick, O gênio da retórica,<br />
Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais, São Paulo, 22 de outubro de<br />
2000, p. 21.<br />
Zohar, Danah, p. 18.<br />
Mascarenhas, Eduardo, p. 6.<br />
Deleuze, Gilles e Guattari, Felix, cit. jornal Folha de São Paulo, São<br />
Paulo, 9/6/97, Caderno Mais!.37.<br />
Definição de Engels F., Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico,<br />
p. 8.<br />
. Na décima-primeira.<br />
Marx, Karl, O que Marx Realmente Disse, Teses sobre Feuerbach, p.<br />
22.<br />
Marx, Karl, cit. Chamberlin, William Henry, cit. Downs, Robert Bingham,<br />
p. 109.<br />
Roszac, Theodore, A Contracultura, p. 108.<br />
Marx, Karl, cit. Pereira, Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo -<br />
Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper, p. 134.<br />
Chopra, Deepak, Criando Prosperidade - A Consciência da Riqueza no<br />
Campo de todas as Possibilidades, p. 19.<br />
Hayek, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal,<br />
p. 199.<br />
Gonzalez, Felipe, quando de sua visita ao Brasil, in Jornal do Comércio,<br />
Porto Alegre, 9 de dezembro de 1996, p. 2.<br />
Henderson, Hazel, cit. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas<br />
com pessoas notáveis, p. 206.<br />
Engels, F.; Marx, Karl; cits. Downs, Robert Bingham, p. 100.<br />
Idem, ibidem.<br />
Idem, p. 101.<br />
Durkeim, Emile, Revue de Metaphysique et de Morale, 1921, cit. em<br />
Hugon, Paul, p. 190.<br />
Trotski, Leon, Vladimir Ilitch Lênin, cit. Fadiman, Clifton org., p. 318.<br />
Lippmann, Walter, cit. Popper, Sociedade Democrática e Seus Inimigos,<br />
p. 88.<br />
Barzun, Jacques, Sobre a História, cit. Fadiman, Clifton org., p. 8.<br />
Johnson, Paul, p. 381.<br />
Monteiro, Irineu, Einstein, Reflexões Filosóficas, p. 84.<br />
Rohden, Huberto, Einstein, O Enigma do Universo, p. 56.<br />
Russel, Bertrand, As consequências filosóficas da Relatividade, em<br />
Fadiman, Clifton, p. 265.<br />
Idem, ibidem.<br />
95<br />
Von Mises, Ludwig, cit. Toffler, A e Toffler, Hedi, p. 86.<br />
Einstein, Albert, cit. Jammer, Max, p. 154.<br />
Heisenberg, W. cit. idem p. 173.<br />
Rohden, Huberto, cit. Monteiro, Irineu, Einstein - Reflexões Filosóficas,<br />
p. 9.<br />
Bachelard, Gaston, O novo espírito científico, p. 64.<br />
Marx, Karl, cit. Downs, Robert Bingham, p. 100.<br />
Idem, p. 111. O autor não cita quem é o autor da apreciação, apenas<br />
informando tratar-se de um crítico hostil.<br />
Goytisol, J. V., p. 149.<br />
Santos, Wanderley Guilherme dos, Razões da Desordem, p. 33.<br />
Buchanan, James, cit. Klaus, Václav, Ministro das Finanças da TchecoEslováquia<br />
de 1991, Presidente da República em seguida, in Demolindo<br />
o Socialismo, série Ensaios e Artigos - Inst. Liberal, R. Janeiro, 1992,<br />
p.10.<br />
<br />
<br />
IV. FIM DA DIALÉTICA, COMEÇO DA ODISSÉIA<br />
Limitar o real apenas ao quantificável<br />
não é científico, é cientístico - uma<br />
perversão da ciência.<br />
Huston Smith (1)<br />
12. O fim da dialética<br />
Este título pensamos à obra, mas ela recém claudica. É teimosa,<br />
persistente, convincente e tradicional.<br />
A síntese dialética, pretensa expressão científica, requer, ad infinitum,<br />
o choque dos vetores, na esperança de fatalmente encontrar a verdade.<br />
Cometem seus adeptos ainda outros vários equívocos, não obstante<br />
sinalizarem como se estivessem na prudente apuração do meio termo. A<br />
síntese não escapa do determinismo porque restringe sua alimentação a<br />
apenas um objeto, a uma percepção; e nela, a regra exige implementar<br />
ou reconhecer somente a força literalmente oposta. O que é estranho ao<br />
eixo não possui acesso; quaisquer influências exteriores, por entendidas<br />
menores, são simplesmente ignoradas. Querendo apurar o meio que<br />
dissiparia o teórico radicalismo de tese e de antítese, ao mesmo tempo<br />
carrea de ambos mútuos problemas, agora duplicados nas derivações<br />
dos dois extremos. Predeterminados e predestinados, para não dizer<br />
hipnotizados no combate à situação que elegeram para anular, seus<br />
arautos, ao buscar contrários, obtém o dobro dos preconceitos. Neste<br />
instante a magia se desnuda. Trata-se, pois, a síntese, não de uma<br />
terceira via, mas, freqüentemente, apenas de uma primeira e uma<br />
segunda... duplicadas! Ou, se quisermos, duplamente esterelizadas. O<br />
96<br />
choque da água quente com água fria resulta uma água morna, que não<br />
serve nem para beber com chá, muito menos para saboreá-la pura,<br />
embora, conforme a temperatura ambiente, possa ser indicada para<br />
uma imersão. Chocar correntes entre si jamais assegurou que do<br />
grosseiro procedimento surja a correção, pelo contrário e a milenar<br />
orientação taoísta do I Ching, por exemplo, é uma dessas concepções<br />
justamente não dialéticas. Nela, a interação dos pólos yin e yang, apesar<br />
de aparentemente opostos, complementam-se. Sua representação<br />
gráfica corresponde a um círculo dividido em duas partes em “S”, onde<br />
os dois lados se contornam e se fundem. Outro exemplo trazem os<br />
bebês, só nascidos do “intercâmbio”.<br />
Na (o) Ioga*, a essência também é união, comunhão do corpo com a<br />
natureza. Na física moderna só existem unificações - energia e matéria,<br />
tempo e espaço. Tem-se conhecimento: sob diferentes condições<br />
experimentais, a matéria pode se comportar mais como onda ou mais<br />
como partícula, mas sempre, de alguma maneira, como ambas juntas. A<br />
complementaridade é aceita como conceito essencial da física quântica.<br />
Fritjof Capra detalha<br />
“A teoria do quantum revela assim a unicidade básica do universo.<br />
Mostra que não podemos decompor o mundo em unidades menores de<br />
existência independente. Quando penetramos na matéria, a natureza<br />
não nos mostra “tijolos básicos”, mas aparece como uma complicada teia<br />
de relações entre várias partes do todo.<br />
O observador humano constitui o elo final na cadeia de processos de<br />
observação e as propriedades de quaisquer objetos atômicos só podem<br />
ser compreendidas em termos de interação do objeto com o observador.<br />
Significa isto que o ideal clássico da descrição objetiva da natureza não é<br />
mais válido... Em física atômica, nunca podemos falar sobre a natureza<br />
sem, ao mesmo tempo, falar sobre nós próprios.” (1)<br />
Enquanto despencavam as ciências pelas coordenadas positivistas e<br />
cartesianas, alguns físicos do século XIX descobriam movimentações<br />
que excediam as uniformidades e dialéticas. Investigações sobre<br />
elementos eletromagnéticos levaram à “Teoria de Campo”, uma bomba<br />
nos ortodoxos racionalistas. Michael Faraday (1791-1867) introduzia e<br />
James Clerk Maxwell (1831-1879) aperfeiçoava os cálculos com fatores<br />
até então desconsiderados, porque desconhecidos. O conceito de força<br />
diretamente aplicada, o princípio da bola de bilhar, seria substituído pelo<br />
sutil “campo de força”, onde não se enxerga o ponto de início, a<br />
aplicação da força. Faraday e Maxwell ultrapassavam pela vez primeira a<br />
mecânica desenvolvida por Descartes e Newton, de modo a propiciar<br />
uma chance à comprovação cientifica de que havia algo mais entre o<br />
céu e a Terra que não alcançava nossos olhos, tampouco nossa vã<br />
filosofia. O fenômeno eletromagnético não se relacionava com a ciência<br />
em geral, teimosa na única linha que supunha dispor, desconhecendo<br />
e/ou negando qualquer outra “verdade” que não fosse aquela edificada,<br />
empilhada, nada que não fosse concreto, objetivo, manipulável. Einstein<br />
explica:<br />
97<br />
“O que levou finalmente os fisicos, após longa hesitação, a abandonar<br />
a crença na possibilidade de toda a física ter como base a mecânica de<br />
Newton foi a eletrodinâmica de Faraday e Maxwell. Essa teoria,<br />
confirmada pelas experiências de Hertz, provou a existência de<br />
fenômenos eletromagnéticos que por sua própria natureza são<br />
separados de toda a matéria ponderável - a saber, as ondas no espaço<br />
vazio, que consistem em campos eletromagnéticos.<br />
Para que a mecânica fosse mantida como base fundamental da física, a<br />
equação de Maxwell precisaria ser interpretada mecanicamente. Isto foi<br />
tentado arduamente, mas sem resultado, ao passo que as equações em<br />
si mesmas tornaram-se cada vez mais frutíferas”(2)<br />
O estudo sem referência a corpos materiais despedaçava a idéia de<br />
que as coisas só se moviam por impulso aplicado.<br />
__________________________________________________________<br />
* Ioga: literalmente, significa união. Estas relações incluem também o<br />
observador de maneira essencial.<br />
Cada carga criava uma “perturbação”, uma “condição” no espaço à sua<br />
volta, de modo que a outra carga “sentia”sua força. Várias forças<br />
convergem à interação. Até ali, desde Newton a Hegel, polos se<br />
repulsavam. Com Faraday e Maxwell, eles deveriam se comunicar, se<br />
misturar.<br />
O Universo agora podia ser constatado repleto de “força”, mas não<br />
antagonicamente postada. A mútua interação averiguada suplantava a<br />
dialética platônica de percepção do mundo em contradições.<br />
Desvendava-se também o significado da entropia na “termodinâmica”,<br />
“ciência da complexidade” porque o movimento verificado é no sentido<br />
da desordem, manifestamente contrária à “ordem crescente” darwineana.<br />
O que se vê é aquilo denominado como princípio da entropia, O termo<br />
apropriado - “entropia” - é uma soma de energia com “tropos”, do grego,<br />
a dizer transformação, ou capacidade de modificação. A. Eddington<br />
comparou a entropia com “a beleza e com a melodia porque estas três<br />
coisas englobam ordenação e organização.” (3) Uma de suas leis, a<br />
segunda, reconhece a possibilidade de dissipação da energia: a energia<br />
mecânica se esvai no calor; não podemos plenamente recuperá-la.<br />
Quando se junta água fria e água quente, resulta água morna e os dois<br />
líquidos já não mais se separam. A areia branca, misturada com a preta,<br />
quanto mais se tenta distingui-las, mais se mistura. Goffredo Telles<br />
Júnior amplia:<br />
“Sendo geradora de energia, a partícula cria, em torno de si, um campo<br />
em que essa energia se manifesta. Aliás, todos os corpos geram campos<br />
de energia. A Terra, por exemplo, tem seu campo de energia magnética,<br />
que claramente se manifesta no comportamento da agulha da bússula.”<br />
(4)<br />
O consagrado professor paulista complementa:<br />
“Os campos não devem ser consideradas como espaços vazios. Os<br />
campos são objetos físicos, pois é por meio deles que as partículas<br />
agem umas sobre as outras. É por meio deles, que os corpos, enorme<br />
98<br />
multidão de partículas, se influenciam reciprocamente. Embora físicos, os<br />
campos não são objetos mecânicos. Um campo é imperceptível pelos<br />
sentidos. É imponderável. Não pode ser utilizado como sistema de<br />
referência. Mas é observável nos seus efeitos. É identificável nas<br />
perturbações que causa no comportamento das partículas ou dos corpos<br />
nele situados. Não somos capazes de ver a força de gravidade, mas a<br />
observamos na queda da maçã.”(5)<br />
Marilyn Ferguson lembra... “A ciência moderna confirmou a qualidade<br />
da integridade, a característica da natureza de unir as coisas em um<br />
padrão cada vez mais sinérgico e significativo.”(6) ... e apresenta a<br />
palavra de Prigogine:<br />
“Agora estamos passando de um mundo de quantidades na ciência<br />
para um mundo de qualidades - um mundo onde podemos nos<br />
reconhecer, “uma física humana”. Essa visão geral ultrapassa a<br />
dualidade e as opções tradicionais, chegando a uma perspectiva cultural<br />
rica e pluralista, um reconhecimento de que a vida em uma ordem mais<br />
elevada não está subordinada a “leis”, sendo capaz de inovações<br />
ilimitadas e realidades alternativas.” (7)<br />
A “física humana” recoloca os pés do homem na terra:<br />
“Nos dias atuais, quando as fronteiras do conhecimento tangenciam os<br />
limites da capacidade humana, a ciência e a filosofia se reencontram<br />
nesse limiar onde a inteligência parece hesitar em ir além de sua própria<br />
e aparentemente limitada capacidade. O reencontro da ciência e da<br />
filosofia parece querer indicar o retorno da ciência ao seu tronco<br />
originário.” (8)<br />
O cientista jurídico contemporâneo Goffredo Telles Júnior analisa este<br />
movimento chamado “onda”, no qual seus agentes “não saem do lugar”,<br />
mas “trabalham” em consonância: “Onda é a perturbação que se<br />
propaga através do meio, sem levar o meio consigo... É energia que se<br />
propaga pelos corpos. E tudo leva a crer que energia é sempre onda.<br />
Ou, com mais precisão, a onda é uma forma da energia. (9)<br />
Então estamos na onda! Vernon Rowland, da Case Western Reserve<br />
University, constata: “A diferença que faz o todo maior do que a soma de<br />
suas partes... A cooperação parece ser uma chave; quanto mais<br />
complexo um sistema, maior seu potencial de autotranscedência.” (10)<br />
Não há, pois, que se realizar a divisão cartesiana: “Na verdade, nem o<br />
corpúsculo, nem o campo é a coisa fundamental. Ambos, em igual<br />
medida, são aspectos da matéria. São as duas formas fundamentais e<br />
primárias da matéria como tal. A estrutura da partícula é um reflexo de<br />
suas interações.” (11)<br />
Acompanhemos Einstein:<br />
“Sou por natureza inimigo das dualidades. Dois fenômenos ou dois<br />
conceitos que parecem opostos ou diversos me ofendem. Minha mente<br />
tem um objetivo supremo: suprimir as diferenças. Assim agindo<br />
permaneço fiel ao espírito da ciência que, desde o tempo dos gregos,<br />
sempre aspirou a unidade. Na vida, como na arte, assim e também. O<br />
amor tende a fazer de duas pessoas um único ser. A poesia, com o uso<br />
99<br />
perpétuo de metáfora que assimila objetos diversos, pressupõe a<br />
identidade de todas as coisas.” (12)<br />
Bachelard traz a hipótese:<br />
“Um alquimista, citado por Silberer, lembra que só fez progressos<br />
importantes em sua arte no dia em que percebeu que a Natureza age de<br />
forma mágica. Mas é uma descoberta morosa: é preciso merecê-la<br />
moralmente para que ela ilumine, depois do espírito, a experiência... A<br />
alquimia reina num tempo em que o homem mais ama do que utiliza a<br />
Natureza. A palavra Amor traz tudo. É a senha entre a obra e o operário.”<br />
(13)<br />
Alquimia, para Hegel, decerto poderia ser all = tudo + que mia. E, tudo<br />
indica, mia porque carente de amor. Acorrem vários fatos, ocasionados<br />
por inúmeras verdades, vontades e desejos, impregnados em energias<br />
vitais. Sabe-se que qualquer fato, diverso do sempre propugnado, não<br />
precisa ser rigorosamente oriundo do passado e/ou separado do futuro.<br />
Há o real acontecido, o real acontecendo, a realidade virtual e o círculo<br />
universal que, como a bola que não possui lado, independe da<br />
passagem do tempo. Ôpa, saímos da dialética. Poderíamos, quem sabe,<br />
extrair uma síntese dos três “reais”? Obteríamos uma “trialética”? Que<br />
tal direto à “somalética”, denotada na física de ponta e na concepção<br />
humanista de John Locke? Deepak Chopra condensa com maestria:<br />
“Quando você compreende a requintada coexistência dos opostos, entra<br />
em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico, a substancia<br />
imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é<br />
fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo<br />
é imutável, quieto, tranqüilo, silencioso, eterno repouso.”(14)<br />
Jacques Monod mostra a importância e a necessidade de consideraremse<br />
as novas observações ao âmbito da Ciência Política, a fim de<br />
desmistificarem-se embustes autoritários:<br />
“O que governa a dinâmica da natureza, inclusive em seu aspecto mais<br />
material, na física, não é uma ordem rígida, predeterminada. Nem<br />
tampouco uma dialética entre contrários em luta, que leve a síntese, até<br />
que se produza uma nova antítese, como na visão dialética marxista<br />
rechaçada também pela genética. É precisamente uma interação - que já<br />
existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o<br />
aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o<br />
mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou Louis de<br />
Broglie, síntese genial que tornou possível, como diz Rueff, uma filosofia<br />
quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão<br />
também a todas as ciências humanas.” (15)<br />
Chopra oferece análogos preceitos:<br />
“De fato, no nível quântico, não há nada além da energia e informação.<br />
Campo quântico é apenas outro nome do campo da consciência pura ou<br />
da potencialidade pura. E esse campo quântico é influenciado pela<br />
intenção e pelo desejo.” (16)<br />
Para ficar mais claro, Lair Ribeiro traz-nos um exemplo de pura<br />
dialética... “O tubarão consegue ver a curto prazo, mas ignora as<br />
100<br />
conseqüências a longo prazo. Está sempre procurando levar vantagem<br />
sobre os outros. Joga o jogo do ganha/perde. Não tem autoconfiança,<br />
nem confiança no outro, nem confiabilidade. No seu dia-a-dia pensa<br />
como a carpa: “O Universo é um lugar escasso, não tem o bastante para<br />
todos. Portanto, eu vou conseguir o meu a qualquer custo”.(17) ... e o<br />
confronta com a postura mais “civilizada” do golfinho: “O Universo é<br />
potencialmente um lugar abundante, tem para todo o mundo. Para eu<br />
ganhar, você não precisa perder, a não ser que você insista - aí o<br />
problema e seu.” (18)<br />
En Passant, convém mencionar que o mesmo golfinho é protagonista do<br />
liame entre a prática e a ciência do caos, em “A Estratégia do Golfinho, A<br />
conquista de vitórias num mundo caótico” (19), Dudley Linch e Paul L.<br />
Kordis analisam a eficácia de sua observação e sugerem centenas de<br />
questões onde há ganho sem nenhuma perda, coabitando ética e desejo<br />
sem nenhum ferimento.<br />
A dialética só se constituiria viável se fosse possível calcular todas as<br />
variáveis universais, quando então deixaria de ser dialética para tornar-se<br />
talvez uma “varialética”, ou “multiética”, nas quais se pudesse dispor<br />
todos os dados em paradoxos. Diante desta notória impossibilidade e<br />
estéril possibilidade, é salutar e científico que se cole, na sua testa, os<br />
prejuízos, as deficiências e limitações que a estratégia impinge a todos<br />
nós. Foram a ciência quântica e a teoria da relatividade que afastaram a<br />
possibilidade do conhecimento exato, absoluto, demonstrada nossa<br />
incapacidade na coleta de todas as variáveis que influenciam sujeito e<br />
objeto, participantes e tabuleiros e o próprio Soros reconhece... “Longe de<br />
serem desprovidas de sentido, sustento que as proposições cujo valor de<br />
verdade é indeterminado são ainda mais significativas do que aquelas<br />
cujo valor de verdade é conhecido.”(20) ... E confessa:<br />
“Quando cheguei a essa conclusão, considerei-a um grande insight.<br />
Agora que as ciências naturais não mais insistem numa interpretação<br />
determinística de todos os fenômenos e o positivismo lógico se<br />
desvaneceu nos bastidores, sinto-me como se estivesse açoitando um<br />
cavalo morto.” (21)<br />
Antes de morrer, o cavalo de Platão, Descartes, Hegel e seguidores já se<br />
mostrava capenga. Induzia e produzia um trabalho fora da realidade,<br />
presente ou virtual. Em palavras claras,ensejou toda a sorte de<br />
alienações. Seus pressupostos não escapam do empirismo; suas<br />
conclusões, precipitadas porque invariavelmente parciais, perfazem a<br />
decorrência. Bachelard aciona o último torpedo: “A ciência<br />
contemporânea a Hegel está tão profundamente prescrita que quase não<br />
se pode imaginar que sua lógica não exija ser repensada.” (22)<br />
Ele completa com aquilo que já e quase de “domínio comum”: “A dialética<br />
serve apenas para cercar uma organização racional por uma organização<br />
surracional muito precisa. Ela nos serve apenas para mudar de um<br />
sistema para outro.” (23)<br />
101<br />
Existem inexplorados, nem por isso menos seguros caminhos para<br />
pesquisas e práticas, hipóteses não necessariamente opostas umas às<br />
outras:<br />
“Considerando-se que os organismos contêm milhares de genes; que<br />
cada gen origina sua própria linha genealógica; e que genes existem há<br />
bilhões de anos, conclui-se que imenso é o número das mutações já<br />
acontecidas sobre a face da Terra.” (24)<br />
O valor engloba, sempre, o fato, mas o fato de cada um jamais terá igual<br />
valor para todos e para o Estado, mesmo que este se arvore depositário<br />
dos anseios de todos. Pois foi este Estado-depósito, o Estadocomputador,<br />
com seus inputs e outputs, o ponto chave sempre explorado,<br />
sofisma travestido de única verdade capaz de realizar a felicidade geral<br />
da Nação, a tal “Vontade Geral”, bandeira alinhavada por Platão,<br />
costurada por Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Comte, Hegel, Marx e<br />
portada por Napoleão, Bismarck, Hitler, Mussolini e Lenin, apenas para<br />
voltar a citar os mais famosos. “Disse Platão certa vez que a raça<br />
humana não se livraria de seus males até que os filósofos se tornassem<br />
reis, ou os reis se tornassem filósofos. Talvez haja uma outra opção, a<br />
medida que um crescente número de pessoas assuma a liderança de<br />
suas próprias vidas. Essas pessoas se tornam seu próprio poder central.<br />
Como diz um provérbio escandinavo: “Em cada um de nós existe um rei.<br />
Procure-o e ele aparecerá”. (25)<br />
A velha concepção humana e relativista de John Locke, comparada à<br />
desse seu detrator, evidencia-se mais atual do que nunca, entendimento<br />
mais rasante, mais próximo da entrada do homem no terceiro milênio,<br />
prestes a alcançar, pois, pela contagem dos séculos, a maioridade civil .<br />
“O Indivíduo Soberano”, de Wiliam Rees-Moog e James Dale Davidson<br />
(26), destaca o colapso do Estado nacional, substituído por “associações<br />
de mercadores e indivíduos plenos de faculdades semi-soberanas”,<br />
praticamente o mesmo diagnóstico de Naisbitt:<br />
“Quanto mais as economias mundiais se integram, menos importantes<br />
são as economias dos países e mais importantes são as contribuições<br />
econômicas dos indivíduos e das empresas particulares”(27). “O exercício<br />
do poder está mudando do estado para o indivíduo. De vertical para<br />
horizontal. Da hierarquia para as redes”.(28)<br />
Lawrence Harrison exercita o diagnóstico: “Acredito que a globalização<br />
da democracia e da economia liberal terminará por levar todos os países<br />
à modernidade.”(29)<br />
Facilitaremos esta tendência natural com a descentralização espacial,<br />
política e econômica do poder:<br />
“O terceiro princípio vital para a política do amanhã visa a quebrar o<br />
bloqueio decisório e colocar as decisões no lugar a que pertencem. Isso,<br />
que não é simplesmente um remanejamento de líderes, e o antídoto para<br />
a paralisia política. ‘É o que chamamos de “divisão de decisão”. (30)<br />
Verifiquemos, ao fim, a confirmação, por Baudrillard, do fim da era de<br />
comando centralizado, ditatorial, hierárquico, ordenado, como queriam os<br />
estrategistas positivistas:<br />
102<br />
“As cidades hoje não são mais que redes, terminais de linha de metro,<br />
auto-estradas, lugares onde o espaço é amplamente abstrato. A<br />
proliferação das imagens à distancia leva ao desaparecimento de<br />
qualquer centralização”. (31)<br />
O “Cavalo de Tróia” não engana mais:<br />
“Entre nós, o sintoma mais típico e persistente desse atraso é a confusa<br />
expectativa de que há uma espécie de “força superior”, o “Estado”, capaz<br />
de distribuir a todos os bens desejáveis deste mundo: emprego, salários<br />
altos, bem- estar - em suma - “felicidade geral da nação”. Qualquer jornal<br />
que se pegue ao acaso revelará, enxertadas, notas de fundo populista,<br />
“progressista” e nacional-corporativista que não mudaram nestes 30 anos<br />
passados, exceto que agora a encarnação do Satã a ser exorcizada não e<br />
mais o “neocolonialismo” e sim o “neo-liberalismo”... Só quando o público<br />
impuser ao Estado um profundo respeito pelos contribuintes e quando as<br />
fantasias de onipotência da burocracia forem contidas (e punidas) é que<br />
alcançaremos afinal o liberalismo.” (32)<br />
Não por acaso o diplomata francês Jean-Marie Guèhenno anuncia “O<br />
Fim da Democracia”, a sucumbência do acordo geral de vontades<br />
enfeixado num cetro, como pregava Rousseau:<br />
“Guèhenno argumenta que o enfraquecimento dos poderes nacionais<br />
em proveito de aglomerados supranacionais coloca em risco os contratos<br />
sociais que estão baseados na homogeneidade territorial e cultural. Para<br />
evitar a dissolução da democracia, o autor propõe a reformulação global<br />
do conceito de comunidade e prevê o surgimento de um império unificado<br />
e sem centro.” (33)<br />
Com H. G. Wells, lembrado por Aldous Huxley, no fim da II Guerra,<br />
esperamos também o fim da mediocridade:<br />
“O cérebro do Universo e capaz de contar acima de dois. Os dilemas do<br />
intelectual-artista e do teórico -político tem mais de dois chifres. Entre a<br />
torre de marfim, de um lado, e a ação política direta, de outro, existe a<br />
alternativa da espiritualidade. Do mesmo modo, entre o fascismo<br />
totalitário e o socialismo totalitário existe a alternativa da descentralização<br />
e do empreendimento cooperativo - o sistema político-econômico mais<br />
natural à espiritualidade.” (34)<br />
Como disse ainda Guido Beck, “E um dia a ciência cessará de ser<br />
instrumento manipulado pela repressão para se tornar um veículo de<br />
transformação do mundo em prol da libertação do homem.” (35)<br />
Aos pesquisadores Francis Fukuyama e J. C. Pereira não ocorrem<br />
dúvidas: “A atividade científica, enquanto referência inescapável de uma<br />
História que não pode ser mais cíclica, aponta para a desestruturação de<br />
sociedades que se pretendem hierarquizadas essencialmente.” (36)<br />
Expressões brotam de inúmeros recantos, cada vez com maior<br />
densidade em pluralidade de reversões. Uma das mais espetaculares foi<br />
a encetada pela mente privilegiada do notável formalista jurídico Hans<br />
Kelsen, depois da tempestade nazista: “A democracia moderna não pode<br />
estar desvinculada do liberalismo político.” (37)<br />
103<br />
Tampouco do liberalismo econômico. Já é tempo, pois, de<br />
interrompermos a marcha ao abismo, no pesadelo tecnocrata, para<br />
levantarmo-nos do berço esplêndido!<br />
Encerramos com um trecho de carta recebida por Marcuse, de Brown,:<br />
“Na visão dialética... A desmistificação torna-se a descoberta de um<br />
novo mistério... É preciso dizer à próxima geração que a luta verdadeira<br />
não é a luta política, e sim por termo à política. Da política para a poesia...<br />
Poesia, arte, imaginação, o espírito criador é a própria vida; a verdadeira<br />
força revolucionária para reformar o mundo...”(38)<br />
Ambos foram atendidos. O apelo fez-se verdade. The Beatles,<br />
Woodstock*, os movimentos Hippie e Ecológico, tornaram-se as principais<br />
forças revolucionárias de nosso século, sem jamais perder sua poesia.<br />
___________________________________________________________<br />
*Woodstock - Grande festival musical organizado e desempenhado por<br />
dezenas de artistas e milhares de jovens de todo o mundo, reunidos numa<br />
fazenda no Estado de Nova York, em agosto de 1969, com o fito de promover<br />
"Paz e Amor" e protestar contra a besteira da guerra do Vietnam.<br />
<br />
IV. FIM DA DIALÉTICA, COMEÇO DA ODISSÉIA<br />
Smith, Huston, cit. Lemkow, Anna F.,p. 5<br />
<br />
12. O fim da dialética<br />
<br />
Capra, Fritjof, The Tao of Physics (Wildwood House, 1975), cit. Gilchrist,<br />
C., p. 157<br />
Einstein, Albert, Notas Autobiográficas, p. 12.<br />
Eddington, Arthur Stanley, (1882-1944) cit. Coveney, Peter e Highfield,<br />
Roger ob. cit.,, p. 133.<br />
Telles Jr, Goffredo, O Direito Quântico, p. 54.<br />
Idem., p. 55.<br />
Ferguson, Marilyn, , p. 148.<br />
Prigogine, Ilya, cit. Ferguson, Marilyn, , p. 158.<br />
Bohm, David, Wholeness and The Implicate Order, p. 128., cit. Lemkow,<br />
Anna, p. 95.<br />
Telles Jr, Goffredo, O Direito Quântico, p. 48.<br />
Rowland, Vernon, idem, ibidem.<br />
Idem, p. 56.<br />
Einstein, Albert, Notas Autobibliográficas, p. 78.<br />
Bachelard, Gaston A formação do espírito científico, p. 67.<br />
Chopra, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 23.<br />
Monod, Jacques, cit. Goytisolo, Juan Vallet de p. 71 e seg.<br />
Chopra, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 63.<br />
Ribeiro, Lair, Comunicação Global, p. 155.<br />
Idem, ibidem.<br />
104<br />
Lynch, Dudley e Kordis, Paul L., A Estratégia do Golfinho, A conquista de<br />
vitórias num mundo caótico.<br />
Soros, George, p. 81.<br />
Idem, ibidem.<br />
Bachelard, Gaston, cit. em Quillet, p. 46.<br />
Idem, p. 57.<br />
Junior, Goffredo Telles, O Direito Quântico, p. 114.<br />
Ferguson, M. ob. cit. p. 226.<br />
Rees-Moog, Wiliam e Dale Davidson, James, O Indivíduo Soberano, cit.<br />
Grunewaldt, Vitor, Novo Bretton Woods ou um Novo Feudalismo, in Jornal<br />
do Comércio, Porto Alegre, 15 de maio de 1997, p. 4.<br />
Naisbitt, John, Paradoxo Global, p. 264.<br />
Idem, p. 50.<br />
Harrison, Lawrence,The Pan-American Dream, cit. Toledo, José Roberto,<br />
O Pesadelo Americano, in jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais! São<br />
Paulo, 10 de agosto de 1997.<br />
Chardin, Teilhard, cit. Ferguson, M. p. 48.<br />
Baudrillard, Jean, "Simulacro e Real", cit. Descamps, Christian, p. 65.<br />
Campos, Senador Roberto, Do Estado gendarme ao Estado babá... in<br />
jornal Zero Hora, Porto Alegre, 19 de janeiro de 1997, p. 24.<br />
Guèhenno, Jean-Marie, O Fim da Democracia, Bertrand Brasil, cit. jornal<br />
Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de maio de 1997, p. 5/X.<br />
Fukuyama, Francis, O Fim da História e o Último Homem, cit. Pereira,<br />
Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo, Uma Introdução a Filosofia de<br />
Karl Popper, p. 129.<br />
Wells, H. G., Huxley, Aldous, cits. Ferguson, Marilyn, , p. 211.<br />
Beck, G., cit. Lopes, José Leite, Einstein: A paixão de um cientista pelos<br />
problemas sociais, in “Einstein”, editado por J. Chela Flores, tradução<br />
Antonio Augusto Passos Videira, Equinócio, Caracas, Venezuela: Ed.<br />
Universidad Simon Bolivar, 1979; cit. Videira, A. A e Moreira, Ildeu de<br />
Castro, p. 39.<br />
Kelsen, Hans, A Democracia, p. 183.<br />
Marcuse, Herbert, cit. Brow, Norman, "Love's Body", p. 132; cit. Roszac,<br />
Theodore, p. 125.<br />
105<br />
13. 2001, a Odisséia recém começa<br />
Em 1980, Daniel Bell declarou o “Fim da Ideologia” (1). Em 89, ruiu o<br />
muro. Peter Ward anunciou “O Fim da Evolução”. Fukuyama, já<br />
mencionamos, apontou “O Fim da História”. Dez anos o consagram.<br />
Antes, Capra vira o “Ponto de Mutação”; Eric Kraemer, La Grande<br />
Mutation. Toffler retratou a “Powershift a mudança de poder.” Emir<br />
Sade o procura*, mas Bill Gates informa que “o poder não vem do<br />
conhecimento acumulado, mas do conhecimento compartilhado”.(2)<br />
Don Tapscott, como Toffler e Bill Gates, também destaca a mudança<br />
de paradigma a partir do intercâmbio do conhecimento e a expõe no<br />
Paradigm Shift: the New Promise of Information Technology (3); em<br />
La Fin de la ´Ordre Militaire Maurice Bertrand percebe a possibilidade<br />
do entendimento supranacional (4); La Fin des Militants, de Jacques<br />
Ion, (5) demonstra a exaustão do povo aos alinhamentos ideológicos;<br />
Paul Ormerod propõe, direto, a “Morte da Economia” (6), exaurida por<br />
excesso de “economês”. David Simpson refere-se ao “Fim da<br />
Macroeconomia” (7) louvando-se em F. Hayek:<br />
“(A macroeconomia) nos dá uma útil aproximação dos fatos, mas é<br />
insatisfatória como explicação teórica de conexões causais, além de<br />
às vezes ser enganadora porque faz afirmações sobre correlações<br />
empiricamente observadas, sem justificativa para a crença de que elas<br />
sempre ocorrerão”. (8)<br />
Cada vez mais aparecem obras sobre vários "fins" e o fim da velha<br />
relação de produção também é fartamente promulgada e anunciada.<br />
Disso trata “O fim dos empregos” de Jeremy Rifkin (9); para isso<br />
contribui a grande rede :<br />
“Com a Web, a possibilidade de tornar-se um agente autônomo não<br />
está limitada a atletas, artistas, atores e outros grandes nomes<br />
profissionais ou criativos; agora, quase todos os tipos de profissionais<br />
do conhecimento podem fazer isso. O mercado de trabalho de<br />
“agentes autônomos”, inclusive profissionais por conta própria,<br />
106<br />
empreiteiros independentes e trabalhadores em agências temporárias<br />
já abrange 25 milhões de americanos. A vantagem de trabalhar por<br />
conta própria é a diversificação: você tem menos probabilidades de<br />
ficar sem trabalho se tiver muitos empregadores, em vez de um só”.<br />
(10)<br />
Ninguém quer ser mais empregado. Tampouco patrões tentam<br />
recrutá-los. Agora, preferem-se parceiros. Em outras palavras, sócios.<br />
Pois, então, não é, justamente, o sonho marxista se realizando por<br />
efeitos liberais? Há necessidade da mumificação ensejada pelos<br />
trapos trabalhistas?<br />
________________________________________________________<br />
* SADER, Emir, O Poder, Cadê o Poder? - Ensaios Para Uma Nova<br />
Esquerda, São Paulo: Bontempo, 1997<br />
Destaca Naisbitt:<br />
“De fato, a vida no espaço cibernético parece estar se moldando<br />
exatamente como Thomas Jefferson gostaria: fundada no primado da<br />
liberdade individual e no compromisso com o pluralismo, a diversidade<br />
e a comunidade.” (11)<br />
Foucault não temeu ser enfático:<br />
“Não se pode, portanto, dizer que o liberalismo seja uma utopia<br />
nunca realizada - a não ser que se tomem como núcleo do liberalismo<br />
as projeções que ele foi levado a formular a partir de suas análises e<br />
críticas. Não é um sonho que se choca com uma realidade e nela<br />
deixa de se inscrever. Ele constitui - e nisso está a razão de seu<br />
poliformismo e de suas recorrências - um instrumento crítico da<br />
realidade: de uma governabilidade à qual se se opõe e de que se<br />
quer limitar os abusos.” (12)<br />
Ao invés do velho maniqueísmo, podemos mirar os horizontes de A.<br />
Cícero:<br />
“Do preconceito, ou mesmo da franca hostilidade, características dos<br />
cientistas do final do século passado, estamos evoluindo para uma<br />
crescente busca de compreensão e diálogo. Nessa nova postura, por<br />
certo restará cada vez menos espaço para a lamentável figura do<br />
intelectual egocêntrico, confinado no estreito mundo da razão,<br />
fascinado pelo poder hipnótico das palavras, ansioso por prestígio e<br />
poder, sem escrúpulos morais ou lastro espiritual, completamente<br />
alienado das mensagens do corpo, da dinâmica das emoções e das<br />
realidades mais profundas da psique.” (13)<br />
Os Toffler reforçam:<br />
“Significa que estamos criando novas redes de conhecimento...<br />
interligando conceitos de maneiras surpreendentes... construindo<br />
espantosas hierarquias de inferência... gerando novas teorias,<br />
hipóteses e imagens, baseadas em novas suposições, novas<br />
linguagens, códigos e lógicas.” (14)<br />
107<br />
Diante de tantos fins, pensamos intilular nosso trabalho como “O fim<br />
da dialética”. Infelizmente elas ainda ecoam. As ciências jurídicas,<br />
sociológicas e econômicas, perdidas nas complicadas equações sem<br />
reflexões, congeladas sobre as mesmas bases ilusórias,<br />
pretensamente exatas, mas essencialmente empíricas, anticientíficas<br />
e, conforme demonstramos ao longo da obra, mal-intencionadas,<br />
necessitam da mais completa revisão, verdadeira reversão:<br />
“Podemos julgar uma filosofia por seus frutos. A visão reducionistamecanicista-materialista<br />
cultivou inúmeras dicotomias, cismas,<br />
fragmentações, alienações: alienação de si (o vácuo espiritual) e, por<br />
conseqüência, dos outros; alienação da natureza (autômatos não<br />
podem sentir muito por outros autômatos - se somos apenas<br />
máquinas, podemos muito bem nos apoderar do máximo possível,<br />
conquistar e explorar a natureza por completo); a dicotomia entre<br />
conhecimento e valores, meios e fins, mente e matéria, universo de<br />
matéria e universo de vida, entre ciências e humanidades, entre ricos<br />
e pobres, industrializados e de Terceiro Mundo, entre gerações<br />
presentes e gerações futuras. (15)<br />
A Teoria da Relatividade prova e aponta o destino do ferro velho aos<br />
obsoletos vagões do interminável trem da insensatez. Seus<br />
condutores já se encontram sepultados. Não assiste nenhuma razão à<br />
persistência além-túmulo:<br />
“A filosofia se viu levada - isto é essencial - a pensar o social como o<br />
inventor de si próprio, como um sistema não programado. Por outro<br />
lado, nossa época se desligou do fantasma de retorno aos grandes<br />
ancestrais.”(16)<br />
Como afirma Paul Forier, na nova sociedade, “o direito e todas as<br />
instituições por ele implicadas são desprezados e sempre reduzidos a<br />
sua mais simples expressão. A sociedade utópica, pela razão mesma<br />
de seu sucesso, ignora conflitos e tribunais; nela todos conhecem seu<br />
papel e seu dever e fazem espontaneamente o que deles se<br />
espera.”(17)<br />
Parodiando Lao-tsè, “pela não-ação tudo pode ser feito”. A autoorganização<br />
espontânea vê-se num favo de mel; na química; e de<br />
vários modos:<br />
“A teoria do caos, esse nome espetacular que foi desenvolvido a<br />
partir da antiga teoria das instabilidades dinâmicas, representou um<br />
genuíno avanço intelectual ao romper com os limites do determinismo<br />
mecânico de Newton.”(18)<br />
Na Internet, a descentralização e o caos são os ingredientes<br />
essenciais. Nas ciências em geral, o poder também é constatado<br />
difuso. Anna Lemkow relembra-nos das constatações de James<br />
Gleick, de 1988:<br />
“A ciência do caos... explica em sua cativante introdução a essa<br />
nova disciplina, descobre as leis universais que governam o caos ou<br />
desordem. É uma ciência que exige certas sensibilidades, como um<br />
olho para o padrão e outro para o todo. Ela traz um novo entendimento<br />
108<br />
dos conceitos de totalidade, caos e mudança (cf. também Brigss e<br />
Peat, 1989). Foi dito, reporta Gleick, que a nova teoria do caos<br />
representa a terceira grande revolução na ciência moderna, após a<br />
mecânica quântica e a relatividade. Já que a noção particular de<br />
ordem num dado domínio do entendimento e de importância<br />
fundamental, podemos bem entender porque a Ciência do Caos,<br />
descobrindo uma nova noção de ordem, deveria ter um caráter<br />
revolucionário. Relembre, por exemplo, a profunda mudança societal<br />
já descrita que ocorreu quando a ciência moderna apareceu e<br />
introduziu uma idéia de ordem que diferia radicalmente daquela<br />
sustentada pela sociedade medieval”. (19)<br />
“A futuróloga Hazel Henderson assim descreveu a situação: a<br />
complexidade e interdependência das sociedades industriais<br />
amadurecidas, sua escala e centralização e os inesperados efeitos<br />
colaterais da tecnologia aplicada tornaram-se não planejáveis e,<br />
portanto, não administráveis.” (20)<br />
A modalidade de expansão é nítida:<br />
“O fato significativo é que estamos, agora, deslocando-nos para<br />
futuras formas poderosas de processamento de conhecimento que<br />
são profundamente antiburocráticos.”(21)<br />
“Como o próprio conhecimento é organizado relacionalmente ou na<br />
forma de hipermeios- significando que pode ser constantemente<br />
reconfigurado - a organização tem de se tornar hiperflexível. É por<br />
isso que uma economia de firmas pequenas, que interagem,<br />
reunindo-se em mosaicos temporários, é mais adaptável e, em última<br />
análise, mais produtiva do que uma outra construída em torno de uns<br />
poucos monolitos rígidos.”(22)<br />
O notável Anatoly Gromiko singra no mesmo embalo:<br />
“A humanidade está emergindo de uma reação em cadeia de causa e<br />
efeito que se estende por bilhões de anos no passado. Agora a<br />
espécie tem o poder de afetar sua própria evolução através da<br />
escolha consciente. As pessoas hoje sabem mais do que nunca.<br />
Rádios, televisores, computadores, telefones, copiadoras se<br />
espalharam pelo globo em um século. Nenhuma geração pode<br />
acrescentar essas coisas aos jornais, revistas e as artes. O nosso é<br />
um tempo de possibilidades ilimitadas para intercâmbio, interação<br />
entre culturas, viagens e aprendizado.”(23)<br />
“Novas regras de conduta para as condições do paradoxo global<br />
estão começando a surgir. Essas regras novas se baseiam em<br />
nossas expectativas da conduta e comportamento individuais.<br />
Novamente partimos dos protagonistas menores do mundo a fim de<br />
criar as novas regras para a ordem econômica global em expansão.”<br />
(24)<br />
109<br />
Mastodontes perdem a vez: “Quanto maior a economia mundial,<br />
mais poderosos são seus protagonistas menores e todos os grandes<br />
protagonistas estão diminuindo de porte.” (25)<br />
Bruce West, do Instituto de La Jolla e Jonas Salk, do Instituto Salk,<br />
Califórnia, orientam para que colegas usem vias humanísticas de<br />
acesso científico:<br />
“Chegaremos a reconhecer que existem leis da natureza que<br />
determinam a conduta e evolução humanas. Quando fizermos isso,<br />
teremos desenvolvido a capacidade de entender melhor a natureza<br />
humana.” (26)<br />
Encontramos paralelo em modernas conceituações biológicas: “O<br />
mesmo DNA existente em todas as células expressa-se de formas<br />
diferentes para cumprir as exigências singulares de uma célula em<br />
particular.” (27)<br />
O entendimento se difunde: “Pensar globalmente exige a descoberta<br />
da relação certa entre indivíduo e a comunidade global. Nenhum<br />
deles é insignificante. Deve haver uma relação saudável entre<br />
comunidade, ordem social, o todo e o indivíduo”.(28)<br />
Tudo consagra o caráter social do liberalismo: “A conectividade<br />
possibilita que você conquiste mais independência, ao mesmo tempo<br />
em que a independência o motiva a ficar cada vez mais conectado.”<br />
(29)<br />
Antônio Cícero mostra-se inquieto pelo novo tempo, curiosamente<br />
oxigenado por aquela antiga planta:<br />
“O que nos falta é radicalizar a ideologia iluminista, que os Estados<br />
Unidos deixaram para trás. A concepção moderna de mundo não<br />
admite que haja um universal positivo. É por isso que a concepção<br />
moderna de mundo é não-religiosa. Hoje temos cada vez mais medo<br />
da diversidade. O Estado brasileiro nos dá freqüentes provas disso.<br />
Montesquieu já dizia que as leis ruins prejudicam as boas. Mas no<br />
Brasil de hoje, tudo tem de ser regulamentado. Isso é um perigo.<br />
Temos de ter um mínimo de lei absoluta para ter um máximo de<br />
experimentação. Mas o que se dá no Brasil é o contrário, temos o<br />
máximo de lei e um espaço cada vez menor para experimentar.” (30)<br />
O Iluminismo não determinou o fim do Estado. Por certo não há a<br />
imperiosidade dele, Estado, acompanhar o fim de tudo, de Fukuyama<br />
a Ormerod. Ele pode e talvez devam mesmo continuar existindo.<br />
Mister se faz, contudo, alterarem-se funções e, por conseguinte,<br />
responsabilidades. Não há porque continuarmos com o excessivo<br />
culto. Vivemos em tempos reais e virtuais. A humanidade respira a<br />
era mais liberta e natural, mais perto da gente:<br />
“A consciência humana está transpondo um limiar tão importante<br />
como o que transpôs da Idade Média para a Renascença. O homem<br />
está faminto e sedento após tanto trabalho fazendo o levantamento<br />
de espaços externos do mundo físico começa a ganhar coragem para<br />
perguntar por aquilo que necessita: interligações dinâmicas, sentido<br />
de valor individual, oportunidades compartilhadas... efeitos. Nosso<br />
110<br />
relacionamento com os símbolos de autoridade do passado está se<br />
modificando, porque estamos despertando para nós mesmos como<br />
seres, cada qual dotado de governo interior. Propriedades,<br />
credenciais e status não são mais intimidativos... Novos símbolos<br />
estão surgindo: imagens de unidade. A liberdade canta não só dentro<br />
de nós, como em nosso mundo exterior... Sábios e videntes previram<br />
esta segunda revolução. O homem não quer se sentir estagnado, o<br />
que deseja é ser capaz de mudar”. (31)<br />
Mecanicistas, dialéticos, racionalistas, deterministas e positivistas<br />
perderam seu rumo; embora a relutância, restam-lhes apearem de<br />
suas engenhocas para que possamos desmontar, sem ferimentos,<br />
peça por peça, os cenários institucionais criados para acomodar seus<br />
adeptos, trocando-os por alguns outros, eticamente mais louváveis e<br />
espiritualmente mais reconfortantes, na liberdade conjugada com a<br />
cooperação espontânea, adequada às responsabilidades de quem as<br />
exerce:<br />
“A repentina popularidade do slogan “faça você mesmo as suas<br />
coisas” é o reflexo desse movimento histórico, porque, quanto mais<br />
fragmentada ou mais diferenciada for a sociedade, tanto maior será o<br />
número de estilos de vida variados que ela própria promove... As<br />
pessoas do futuro haverão de usufruir de maiores oportunidades de<br />
auto-realização do que quaisquer outros grupos já surgidos no<br />
decorrer da história.”(32)<br />
Cientistas jurídicos contemporâneos agora reconhecem: “Podemos<br />
dizer, portanto, que cada homem é seu primeiro legislador...<br />
Repetimos: A pessoa humana é o critério, o sistema de referência, a<br />
medida para a determinação de todos os valores. O ser humano, o<br />
“eu” é razão do dever-se. Esta é a norma fundamental da ordem<br />
ética.” (33)<br />
A radicalidade da liberdade humana, como se revela nas obras de<br />
Karl Jaspers, Ortega Y Gasset, Nicola Abbagnano ou Merleu-Ponty,<br />
bem como nas obras de Heidegger e de Sarte, entre tantos<br />
elencados, apesar de sua aparência de categoria absoluta, reduz-se,<br />
em última análise, à consciência axiológica de uma necessidade, à<br />
inexorável necessidade de sermos nós mesmos e não outros:<br />
“A nossa vontade”, escreve Ortega, “é livre para realizar ou não este<br />
projeto vital que afinal de contas nós somos, porém ninguém poderá<br />
mudá-lo, corrigi-lo, dele prescindir ou substituí-lo. Somos<br />
indeclinavelmente este único personagem programático que não<br />
pode deixar de ser o que é”. (34)<br />
Que dizer do conselho de Kant: “Sê uma pessoa e respeita os<br />
demais como pessoas, tudo fazendo para propiciar-lhes as condições<br />
necessárias ao seu espontâneo e pleno desenvolvimento”. (35)<br />
O Iluminismo nunca esteve tão cercado de verdades. Maquiavel<br />
nunca esteve tão desmascarado, tão sozinho. Desabastecido seu<br />
trem, não irá mais a lugar nenhum. Quanto a nós, podemos<br />
desembarcar. Cada um já pode e deve escolher o destino e a função<br />
111<br />
que melhor lhe aprouver, em grupo, com par, ou individualmente Há<br />
muito tempo o lúcido Bertrand Russel já pronunciava:<br />
“Os corpos se tornam, assim, muito mais independentes uns dos<br />
outros do que o eram na física newtoniana: há um acréscimo de<br />
individualismo e uma diminuição de governo central, se nos for<br />
permitido usar essa linguagem metafórica. Isto pode, mais cedo ou<br />
mais tarde, modificar consideravelmente a visão que o homem culto<br />
tem do universo, possivelmente com resultados de grande alcance.”<br />
(36)<br />
Utópico? Exagero? Talvez nem tanto, e por isto repetimos: seu<br />
primeiro real ensaio aconteceu, de verdade, por fatos, há três<br />
séculos, na geração inglesa que fincou os básicos preceitos de<br />
respeito ao indivíduo, ao cidadão, para louvor da democracia; e, por<br />
teoria, além daquela que impulsionou estes fatos, a de Einstein, que<br />
há quase um século a confirmou - corpos são livres, respeitam-se e<br />
cooperam uns com outros. Afinal, como reafirmou o próprio Russel, “o<br />
fato de o tempo ser próprio de cada corpo, não uma ordem cósmica<br />
única, envolve mudanças nas noções de substância e causa”... (37)<br />
Pierre Lévy o corrobora: “Cada forma de vida inventa seu mundo<br />
(do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave<br />
migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico.”<br />
(38)<br />
Se todos os corpos possuem prerrogativas próprias de seu tempo e<br />
espaço, serão as pessoas que as prescindirão?<br />
Assim, pela mesma aridez científica que outrora ofuscou os<br />
caminhos da humanidade, vislumbramos a silhueta do paraíso<br />
sempre lembrado, que pode ser diferente a cada um, mas é esperado<br />
por todos. É possível e necessário abrir os olhos para ver e viver,<br />
conhecer, trabalhar, criar, amar, ser feliz, solidário, cada qual a seu<br />
modo. O big-bang do nascimento e a expansão pessoal que lhe<br />
corresponde não podem e não devem ser abafados, truncados ou<br />
alterados por nenhum sistema ou interesse alienígena. O ser tem<br />
direito, pelo menos, à sua existência. Queiram volver, ou melhor,<br />
dispersarem-se, esquerda e direita, teimosos remanescentes,<br />
enferrujados dinossauros! Rebentou por podridão a corda que movia<br />
o pêndulo dos estúpidos combates, usado à hipnose coletiva. Além e<br />
afinal, seja para cima, para frente, para dentro ou para fora, para um<br />
ou para vários lados, ou até no mesmo lugar, nosso alcance e<br />
vontade transcendem o monótono movimento. A cada dia mais gente<br />
sabe disso. Cada vez menor é a resistência. Trata-se da estupenda<br />
reversão, manifestada por entropia constante e convergente, triunfo<br />
ético-liberal.<br />
Locke, Tocqueville, Adam Smith, F. Hayek, Planck e Einstein,<br />
aceitem a renovação dos sinceros agradecimentos. Com você, caro<br />
leitor, companheiro de viagem deste real e promissor século XXI,<br />
queremos nos congratular. Esses ancestrais foram exitosos, seus<br />
frutos estão maduros; cabe-nos apenas descascá-los e saboreá-los.<br />
112<br />
13. 2001, a Odisséia recém começa<br />
Bell, Daniel, O Fim da Ideologia, tradução Sérgio Bath, Brasília:<br />
Universidade Nacional de Brasília Editora, 1980.<br />
Gates, Bill, p. 231<br />
Tapscott, Don, Paradigm Shift: the New Promise of Information<br />
Technology; Nova York: Mc Graw Hill, 1993.<br />
Bertrand, Maurice, La Fin de l'Ordre Militaire, cit. Jornal Folha de São<br />
Paulo, São Paulo, 11 de maio de 1997, p. 5/10.<br />
Ion, Jacques, La Fin des Militants, cit. Jornal Folha de São Paulo, São<br />
Paulo, 11 de maio de 1997, p. 5/10.<br />
Ormerod, Paul, "Morte da Economia".<br />
Simpson, David, The End of Macro-Economics.;<br />
Hayek, F., The Denationalisation of Money. London: Institute of Economic<br />
Affairs, Hobart Paper no. 70, 3rd, p. 80, (n.3), 1990; cit. Simpson, David, O<br />
Fim da Macroeconomia?, p 62.<br />
Gates, Bill, p. 89.<br />
Rifkin, Jeremy, O Fim dos empregos – O declínio inevitável dos níveis dos<br />
empregos e a redução da força global de trabalho.<br />
Naisbitt, John, Paradoxo Global, p. 96<br />
Foucault, Michel, Resumo, p. 92.<br />
Cícero, Antônio, O Mundo Desde o Fim, entrevista Jornal Folha de São<br />
Paulo, 23 de julho de 1995, Caderno 5, p. 10.<br />
Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 42.<br />
Lemkow, Anna, ob. cit. p. 17<br />
Descamps, Christian, p. 140.<br />
Forier, Paul, “L´utopie et le droit”, in Actes du Colloque de l´Institut pour<br />
l´Étude de la Renaissance et de l´Humanisme, Bruxelas, 1961, sobre “Les<br />
Utopies à la Renaissance”: cit. Perelman, C., p. 361.<br />
Schwartz, Joseph, "O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência<br />
Moderna", p. 267.<br />
Lemkow, Anna F., p. 159.<br />
Henderson Hazel, cit. Lemkow, A., p. 310.<br />
Toffler, Alvin, Powershift: As Mudanças do Poder, p. 199.<br />
Idem, p. 250.<br />
Gromyko, Anatoly e Hellman, Martin, "Breakthrough", p. 8.; cit. Lemkow,<br />
Anna, p. 383.<br />
Naisbitt, John, p. 48.<br />
Toffler, Alvin, Powershift: As mudanças do poder, p.11.<br />
West, Bruce e Salk, Jonas, cits. Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 260<br />
Chopra, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 93.<br />
Gromyko, Anatoly e Hellman, Martin, "Breakthrough", p. 8.; cit. Lemkow,<br />
Anna, p. 382.<br />
Gates, Bill, p. 121<br />
Cícero, Antônio, Antônio Cicero ensina o que é ser moderno, Jornal O<br />
Estado de São Paulo, 18 de agosto de 1995, Caderno 2, p. D4.<br />
113<br />
Richards, M. C., The Crossing Point (O Cruzamento), 1973, cit. Ferguson,<br />
Marilyn, , p 57/58.<br />
Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 169; Toffler, Alvin, O Choque do Futuro, p.<br />
266.<br />
Junior, Goffredo Telles, O Direito Quântico, p. 213.<br />
Jaspers Karl, Ortega Y Gasset, Nicola Abbagnano, Merleu-Ponty, cits.<br />
Reale, Miguel, Pluralismo e Liberdade, p. 55.<br />
Kant, I., cit. Reale, M., idem,, p. 92<br />
Russel, Bertrand, As Consequências Filosóficas da Relatividade, in<br />
Fadiman, Clifton, p. 165.<br />
idem, p. 263.<br />
Lévy, Pierre, cit. Pellanda, Nize Maria Campos e Pellanda, Eduardo<br />
Campos org., p. 118.<br />
114<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
ALMOND, Gabriel A. e POWELL JR, G. Bingham, Uma Teoria de Política<br />
Comparada, tradução de Narceu de Almeida Filho, Universidade Stanford,<br />
Biblioteca de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1980.<br />
ALQUIÉ, Ferdinand, RUSSO, F., BEAUDE, Joseph, TONNELAT, M. A.,<br />
COSTABEL, Pierre, POLIN, Raimond, Galileu, Descartes e o Mecanismo,<br />
tradução Geminiano Cascais Franco, Lisboa: ed. Gradiva Publicações<br />
Ltda, 1987.<br />
ANDRADE, Hernani Guimarães, Psi Quântico: Uma Extensão dos<br />
Conceitos Quânticos e Atômicos à Idéia do Espírito, 2. edição, São<br />
Paulo: Ed. Pensamento, 1993.<br />
BACHELARD, Gaston, A formação do espírito científico: contribuição para<br />
uma psicanálise do conhecimento, tradução Estela dos Santos Abreu, Rio<br />
de Janeiro: Contraponto, 1996.<br />
BACHELARD, Gaston, A Filosofia do Não, tradução Joaquim José Moura<br />
Ramos, 5. Edição, Lisboa: Editorial Presença, 1991.<br />
BACON, Francis, Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da<br />
Interpretação da Natureza, tradução e notas de José Aluysio Reis de<br />
Andrade, São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1997.<br />
BASTOS, Wilson de Lima, Nos Meandros da Política, Juiz de Fora, MG:<br />
Ed. Paraibuna,1990.<br />
BELL, Daniel, O Fim da Ideologia, tradução Sérgio Bath, Brasília:<br />
Universidade Nacional de Brasília Editora, 1980.<br />
BOBBIO, Norberto, A Teoria das Formas de Govêrno, tradução Sergio<br />
Bath, 6. edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.<br />
BOBBIO, Norberto, O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito,<br />
tradução Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues, São Paulo:<br />
Icone, 1995.<br />
BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural, Tradução Sergio Bath,<br />
Tradução das expressões latinas Janete Melasso Garcia, Brasília: Editora<br />
Universidade de Brasília, 1997.<br />
115<br />
BOBBIO, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e<br />
Estado, 2. ed., tradução de Luiz Sergio Henriques e Carlos Nelson<br />
Coutinho, São Paulo: Editora Brasiliense/UNESP, 1991.<br />
BOBBIO, Norberto, Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade<br />
civil, tradução Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, São<br />
Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />
BOBBIO, Norberto, Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da<br />
política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro: Paz e<br />
Terra, 1987.<br />
BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 10. ed., S. Paulo: Malheiros<br />
Editores, 1994.<br />
BRENNAN, Barbara Ann, Mãos de Luz, 10 ed., tradução Octávio Mendes<br />
Cajado, São Paulo: Ed. Pensamento, 1987.<br />
BRIAN, Denis, Einstein, a ciência da vida, tradução Vera Caputo, São<br />
Paulo: Editora Ática, 1998.<br />
BURNS, Edward McNall, LERNER, Robert E. e STANDISH, Meacham,<br />
História da Civilização Ocidental, do Homem das Cavernas as Naves<br />
Espaciais, tradução Donaldson M. Garschagen, 29. edição, Vol. 2, São<br />
Paulo: Globo, 1989.<br />
CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos<br />
sistemas vivos, tradução Newton Roberval Eichemberg, São Paulo: Ed.<br />
Cultrix, 1996.<br />
CAPRA, Fritjof, O Ponto de Mutação, Tradução Alvaro Cabral, São Paulo:<br />
Editora Cultrix, 12 ed., 1991.<br />
CAPRA, Fritjof, Sabedoria incomum; Conversas com pessoas notáveis,<br />
tradução Carlos Afonso Malferrari, São Paulo: Editora Cultrix, 1995.<br />
CARVALHO, Eide M. Murta, O Pensamento Vivo de Darwin, São Paulo:<br />
Martin Claret, 1987.<br />
CHALLITA, Mansour, Os Mais Belos Pensamentos de Todos os Tempos,<br />
3. Vol, Rio de Janeiro: Assoc. Cultural Internacional Gibran, s/d.<br />
CHÂTELET, François, História da Filosofia, 2. Ed. - 4 V., 2. V: De Galileu<br />
a J.J.Rousseau, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.<br />
CHEVALLIER, Jean Jacques, As Grandes Obras Políticas - de<br />
Maquiavel a Rousseau, 3. edição, Rio de Janeiro: Ed Livraria Agir, 1973.<br />
CHOPRA, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, tradução Vera<br />
Caputo, 14. edição, São Paulo: Editora Best Seller.<br />
CHOPRA, Deepak, O Caminho do Mago, Vinte lições espirituais para<br />
você criar a vida que deseja, tradução Claudia Gerpe Duarte, 3. ed. Rio<br />
de Janeiro: Rocco, 1997.<br />
CHOPRA, Deepak, Criando Prosperidade - A Consciência da Riqueza no<br />
Campo de todas as Possibilidades, 7. ed., tradução Evelyn K. Dronsfield,<br />
São Paulo: Editora Best Seller/Circulo do Livro, 1993.<br />
CICERO, Antonio, O mundo desde o fim, Rio de Janeiro: Francisco Alves,<br />
1995.<br />
CLEMENS, John K. e MAYER, Douglas F., Lideranca - O Toque Clássico,<br />
tradução de Fernando S. Vugman, São Paulo: Editora Best Seller, 1993.<br />
116<br />
COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, Porto Alegre: Sérgio<br />
Antônio Fabris Editor, 1991<br />
COVENEY, Peter e HIGHFIELD, Roger, A Flecha do Tempo, tradução J.<br />
E. Smith Caldas, São Paulo: Ed. Siciliano, 1993.<br />
DAMÁSIO, Antônio R., O Erro de Descartes : emoção, razão e o cérebro<br />
humano, tradução Dora Vicente e Georgina Segurado, São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 1996.<br />
DARWIN, Charles, Autobiografia, Tradução espanhol Aaron Cohen,<br />
Madrid: Alianza Editorial S.A., 1993.<br />
DARWIN, Charles, "Autobiografia", Buenos Aires: Ed. Nova.<br />
DAWKINS, Richard, Desvendando o Arco-íris, tradução Rosaura<br />
Eichenberg, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.<br />
DEUS, Jorge Dias de organizador; artigos de Merton, R. K., Kuhn, T. S.,<br />
Hagstrom, W. O., Haberer, J., Albada, G. B. van, Roqueplo, P., Gil, F.,<br />
Horton, R., Maslow, A., Whitehead, A. N., A Crítica da Ciência - Sociologia<br />
e Ideologia da Ciência, 2. Ed, Rio de Janeiro: Zahar Edit., 1979.<br />
DESCAMPS, Christian, As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França,<br />
tradução Arnaldo Marques, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.<br />
DEWEY, John, A Filosofia em Reconstrução, tradução Eugênio<br />
Marcondes Rocha, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958<br />
DIGGINS, John Patrick, Max Webber: a política e o espírito da tragédia,<br />
tradução de Liszt Vieira e Marcus Lessa, Rio de Janeiro: Record, 1999.<br />
DOWNS, Robert Bingham, Livros que revolucionaram o mundo; tradução<br />
de Lino Vallandro, Porto Alegre: Editora Globo, 1977.<br />
EINSTEIN, Albert, Como Vejo o Mundo, tradução de H. P. de Andrade,<br />
13. edição, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.<br />
EINSTEIN, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência,<br />
educação, religião, relações sociais, racismo, ciências sociais /Albert<br />
Einstein, tradução Maria Luiza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Nova<br />
Fronteira, 1994.<br />
EINSTEIN, Albert, Notas Autobiográficas, Ed. Comemorativa; traduzida e<br />
anotada por Paul Arthur; tradução de Aulyde Soares Rodrigues, Rio de<br />
Janeiro: Nova Fronteira, 1982.<br />
ENGELS, Friederich, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico,<br />
tradução de Roberto Goldkorn, 5 edição, São Paulo: Global Editora e<br />
Distribuidora, 1983.<br />
FADIMAN, Clifton org., O Tesouro da Enciclopédia Britânica - O Melhor do<br />
Pensamento Humano desde 1768, Tradução de Maria Luiza X. de A.<br />
Borges, 2. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994.<br />
FARIA, Octávio, Machiavel e o Brasil, Rio de Janeiro: Schmidt Editor,<br />
1931.<br />
FERGUSON, Marilyn, A Conspiração Aquariana, Tradução Carlos<br />
Evaristo M. Costa, Rio de Janeiro, Ed. Record, 10 ed., 1995.<br />
FERRAZ, Maria Cristina Franco, Platão: as artimanhas do fingimento, Rio<br />
de Janeiro: Relume Dumará, 1999.<br />
117<br />
FOUCAULT, Michel, Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-<br />
1982), tradução Andrea Daher, Consultoria Roberto Machado, Rio de<br />
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.<br />
FUKUYAMA, Francis, O Fim da História e o Último Homem, São Paulo:<br />
Ed. Rocco, 1992.<br />
GAARDER, Jostein, O Mundo de Sofia, tradução João Azenha Junior,<br />
São Paulo: Cia das Letras, 1995.<br />
GATES, Bill, A empresa na velocidade do pensamento: com um sistema<br />
nervoso digital, tradução Pedro Maia Soares, Gabriel Tranjan Neto;<br />
assessoria técnica Sylvia Meraviglia Crivelli, São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 1999.<br />
GEYMONET, Ludovico, Galileu Galilei, Tradução Eliana Aguiar, São<br />
Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1997.<br />
GILCHRIST, Cherry, A Alquimia e seus Mistérios: história concisa da<br />
filosofia e prática da alquimia desde sua origem até o século XX, 2. ed.,<br />
tradução de Aydano Arruda, São Paulo: Ibrasa- Instituição Brasileira de<br />
Difusão Cultural, 1993.<br />
GLEISER, Marcelo, A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao BigBang,<br />
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.<br />
GRANGER, Gilles Gaston, A Razão, Tradução de João da Silva Gama,<br />
Lisboa: Edicões 70, 1955.<br />
GOLDMAN, Lucien, Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia,<br />
tradução de Lupe Cotrim Garaude e José Arthur Giannotti, 3. Edição, São<br />
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.<br />
GOYTISOLO, Juan Vallet de, O Perigo da Desumanização Através do<br />
Predomínio da Tecnocracia, tradução Alfredo Augusto Rabello Leite, São<br />
Paulo: Mundo Cultural, 1977,<br />
GUSDORF, Georges, As Revoluções da França e da América – A<br />
violência e a sabedoria, tradução Henrique Mesquita, Rio de Janeiro: Ed.<br />
Nova Fronteira, 1993.<br />
HAGUETTE, Teresa Maria Frota org., HAGUETTE, André, BRUHL,<br />
Dieter, OLIVEIRA, Manfredo Araújo de, DEMO, Pedro, Dialética Hoje,<br />
Petrópolis: Editora Vozes, 1990.<br />
HAWKING, Stephen W., Uma Breve História do Tempo, 23 Edição,<br />
tradução Maria Helena Torres, Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1992.<br />
HAYEK, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal,<br />
Tradução Ana Maria Capovilla e Candido Mendes Prunes, Porto Alegre:<br />
Editora Ortiz/Instituto de Estudos Empresariais, Edição preliminar, 1995.<br />
HEGEL, G. W., Conferências e Escritos Filosóficos de Martin Heidegger,<br />
Hegel e os Gregos, traduções e notas de Ernildo Stein, São Paulo: Editora<br />
Abril Cultural, 1979.<br />
HEISENBERG, Werner, A parte e o todo; tradução Vera Ribeiro, revisão<br />
da tradução Luciana Muniz e Antônio Augusto Passos Videira; revisão<br />
técnica de Ildeu de Castro Moreira - Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.<br />
118<br />
HENRY, John, A Revolução científica e as origens da ciência moderna,<br />
tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Henrique Lins de<br />
Barros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.<br />
HUGON, Paul, História das Doutrinas Econômicas, São Paulo: Ed. Atlas,<br />
14. ed., 1988.<br />
JAMMER, Max, Einstein e a Religião: física e teologia, tradução Vera<br />
Ribeiro, Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.<br />
JAPIASSÚ, Hilton, A Revolução Científica Moderna, São Paulo: Editora<br />
Letras & Letras, 1997.<br />
JAPIASSÚ, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, Rio de<br />
Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1978.<br />
JOHNSON, Paul, Tempos Modernos: O mundo dos anos 20 aos 80,<br />
tradução de Gilda de Brito Mac-Dowell e Sergio Maranhão da Matta, Rio<br />
de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.<br />
JORGE, Fernando, Getúlio Vargas e Seu Tempo: Um Retrato com Luz e<br />
Sombra, São Paulo: T. A. Queiroz Editor Ltda, 1987.<br />
KELSEN, Hans, A Democracia, tradução Ivone Castilho Benedetti,<br />
Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla, Vera Barkow, São<br />
Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />
KONDER, Leandro, A Derrota da Dialética, Rio de Janeiro: Ed. Campus,<br />
1988.<br />
KOSELECK, Reinhart, Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do<br />
mundo burguês, tradução do original alemão de Luciana Villas-Boas<br />
Castelo-Branco, Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 1999.<br />
KOYRÉ, Alexandre, Considerações Sobre Descartes, tradução de Helder<br />
Godinho, 3. ed., Lisboa: Editorial Presença, 1986.<br />
KUHN, Thomas S., A Estrutura das Revoluções Científica, São Paulo: Ed.<br />
Perspectiva, 1982<br />
LACERDA, Arthur Virmond de Lacerda, A república positivista, 2. edição,<br />
Curitiba: Juruá, 2000.<br />
LACERDA, Carlos, Em Vez, 2. ed., Rio de Janeiro: Editora Nova<br />
Fronteira, 1975.<br />
LEMKOW, Anna F., Princípio da Totalidade, tradução Merle Scoss, São<br />
Paulo: Ed. Aquariana, 1992.<br />
LUFT, Eduardo, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, Porto<br />
Alegre, EDIPUCRS, 1995.<br />
LYNCH, Dudley e KORDIS, Paul L., A Estratégia do Golfinho, A conquista<br />
de vitórias num mundo caótico, tradução Paulo Cesar de Oliveira, São<br />
Paulo: Ed. Cultrix, 2. ed., 1995.<br />
MALTHUS, Thomas Robert, An Essay on the Principle of Population, as It<br />
Affects the Future Improvement of Society, with Remarks on the<br />
Speculations of Mr. Godwin, M. Condorcet and Others Writers, Londres, J.<br />
Johnson, 1798.<br />
MARTINS, Francisco Menezes e SILVA, Juremir Machado da org., Para<br />
navegar no século XXI, Porto Alegre: Sulina/EDIPUCRS, 1999.<br />
119<br />
MARX, Karl, Para a Crítica da Economia Política, tradução José Arthur<br />
Giannotti e Edgar Malagodi, São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os<br />
Pensadores, 1974.<br />
MARX, Karl, O que Marx Realmente Disse, décima-primeira das Teses<br />
sobre Feuerbach, São Paulo: Ed. Civilização Brasileira, 1970.<br />
MASCARENHAS, Eduardo, Brasil, de Vargas a Fernando Henrique -<br />
Conflito de Paradigmas, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994.<br />
MIRANDA, Pontes de, Sistema de Ciência Positiva do Direito (1922)<br />
Tomo I - Introdução à Ciência do Direito, 2. Edição, Rio de Janeiro: Editor<br />
Borsoi, 1972.<br />
MONTEIRO, Irineu, Einstein, Reflexões Filosóficas, São Paulo: Alvorada<br />
Ed., 1985.<br />
MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis, com anotações de Voltaire, de<br />
Crévier, de Mably, de la Harpe, etc; tradução direta do original de Gabriela<br />
de Andrada Dias Barbosa, São Paulo: Edições e Publicações Brasil<br />
Editôra S/A, 1961.<br />
MORIN, Edgar, Ciência com Consciência, tradução de Maria D. Alexandre<br />
e Maria Alice Sampaio Dória, 2.edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />
1998.<br />
NADER, Paulo, Filosofia do Direito, 3. ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense,<br />
1994.<br />
NAISBITT, John, Paradoxo Global, Tradução Ivo Korytowski, Rio de<br />
Janeiro: Ed. Campus, 1994.<br />
NIETZSCHE, Friederich Wilhelm, A Gaia da Ciência, Tradução Márcio<br />
Pugliesi, Edson Bini e Norberto de Paula Lima, Rio de Janeiro: Ediouro<br />
S.A.<br />
NIETZSCHE, Friederich Wilhelm, Assim Falava Zaratustra ( Livro para<br />
toda a gente e para ninguém), Apêndice de Elisabeth Förster-Nietzsche,<br />
tradução revista e atualizada por José Mendes de Souza, 5 edição, São<br />
Paulo: Edições e Publicações Brasil Editora S/A, 1961.<br />
OLIVA, Alberto, Ciência e sociedade: do consenso à revolução, Porto<br />
Alegre: EDIPUCRS, 1999.<br />
OLIVA, Alberto, Organizador, texto de EVANGELISTA, Walter José, A<br />
Questão da Cientificidade em Teorias de Conflito: Marxismo e Psicanálise,<br />
in Epistemologia: A Cientificidade em Questão, Campinas: Papirus<br />
Editora, 1990.<br />
OLIVEIRA, Beneval de, Nietzsche, Freud e o Surrealismo, Rio de Janeiro:<br />
Editora Pallas S.A., 1981.<br />
ORMEROD, Paul, A Morte da Economia, tradução Dinah de Abreu<br />
Azevedo, São Paulo: Companhia das Letras, 1996.<br />
PAIS, Abraham, Einstein viveu aqui, tradução Carolina Alfaro. Rio de<br />
Janeiro: Nova Fronteira, 1997.<br />
PENNA, Antônio Gomes, História das Idéias Psicológicas, Rio de Janeiro:<br />
Imago Ed., 2. ed., 1991.<br />
120<br />
PENNA, José Oswaldo de Meira, O espírito das revoluções: da<br />
revolução gloriosa à revolução liberal, prefácio de Antônio Paim, Rio de<br />
Janeiro: Faculdade da Cidade Ed., 1997.<br />
PERELMAN, Chaïm, Ética e Direito, tradução Maria Ermantina Galvão G.<br />
Pereira, São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />
PRELOT, Marcel, Doutrinas Políticas, Vol II, Lisboa: Editorial Presença<br />
LDA.<br />
POINCARÉ, Henri, O valor da ciência; tradução Maria Helena Franco<br />
Martins; revisão técnica Ildeu de Castro Moreira, Rio de Janeiro:<br />
Contraponto, 1995.<br />
PELLANDA, Nize Naria Campos e PELLANDA, Eduardo Campos org.,<br />
Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy, Porto Alegre: Artes e<br />
Ofícios, 2000.<br />
PEREIRA, Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a<br />
Filosofia de Karl Popper, Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do<br />
Rio Grande do Sul, Coleção Filosofia, 1993.<br />
POPPER, Karl A Sociedade Democrática e Seus Inimigos Belo<br />
Horizonte: Ed. Itatiaia, 1959.<br />
QUILLET, Pierre, Introdução ao Pensamento de Bachelard, Tradução<br />
Cesar Augusto Chaves Fernandes, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.<br />
REALE, Miguel, Pluralismo e Liberdade, 2. edição, Rio de Janeiro,<br />
Expressão e Cultura, 1998.<br />
REALE, Miguel, O Direito Como Experiência, São Paulo: Ed. Saraiva,<br />
1992.<br />
RIBEIRO, Lair, Comunicação Global, 11 edição, Rio de Janeiro: Ed. Rosa<br />
dos Tempos, 1992.<br />
ROHDEN, Huberto, Einstein, O Enigma do Universo, 9. Edição, São<br />
Paulo: Martin Claret Editores, s/data<br />
ROHDEN, Huberto, Filosofia Contemporânea, Vol II, 4. ed., São Paulo,<br />
Alvorada Editora e Livraria, 1993.<br />
ROHMANN, Chris, O livro das idéias: pensadores, teorias e conceitos que<br />
formam nossa visão de mundo, tradução de Jussara Simões, Rio de<br />
Janeiro: Campus, 2000.<br />
RONAN, Colin A., História Ilustrada da Ciência, Vols. III e IV - Da<br />
Renascença a Revolução Científica, Tradução Jorge Enéas Fortes, Rio de<br />
Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1987.<br />
ROSZAK, Theodore, A Contracultura, tradução Donaldson M.<br />
Garschagen, Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1972.<br />
RUSSEL, Bertrand, História do pensamento ocidental: a aventura dos<br />
présocráticos a Wittgenstein, tradução Laura Alves e Aurélio Rebello, Rio<br />
de Janeiro: Ediouro, 2001.<br />
SABINE, George H., História das Teorias Políticas, Rio de Janeiro e<br />
Lisboa: Ed Fundo de Cultura, 1964.<br />
SADER, Emir, O Poder, Cadê o Poder ? - Ensaios Para Uma Nova<br />
Esquerda, São Paulo: Bontempo, 1997.<br />
121<br />
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, Razões da Desordem, Rio de<br />
Janeiro: Ed. Rocco, 1992.<br />
SCHUMPETER, Joseph A., Capitalismo, Socialismo e Democracia, Rio de<br />
Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1961.<br />
SCHWARTZ, Joseph, O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência<br />
Moderna, Tradução de Thelma Medici Nóbrega, São Paulo: Ed Best<br />
Seller, 1993.<br />
SCHWARTZENBERG, Roger-Gèrard, Sociologia Política, Elementos de<br />
Ciência Política, Tradução de Domingos Mascarenhas, São Paulo e Rio<br />
de Janeiro: Difel, Difusão Editorial, 1979.<br />
SILVA, Porfírio, A Filosofia da Ciência de Paul Feyerabend, Lisboa:<br />
Instituto Piaget, 1998.<br />
SIMPSON, David, The End of Macro-Economics, London: Hobart Paper<br />
126, 1994.<br />
SIMPSON, David, O Fim da Macroeconomia? tradução Francisco J.<br />
Beralli, Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995<br />
SOROS, George, A Crise do Capitalismo, 2. Edição, Tradução de Afonso<br />
Celso da Cunha Serra, Rio de Janeiro: Campus, 1998.<br />
SOUSA, Walter de, O Novo Paradigma, A Ciência a Procura da<br />
Verdadeira Luz, São Paulo: Ed. Cultrix, 1993.<br />
TELLES Júnior, Goffredo, O Direito Quântico, São Paulo: Max Limonad<br />
editor, s/data.<br />
THUILLIER, Pierre, De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção<br />
científica, tradução Maria Inês Duque-Estrada; revisão técnica César<br />
Benjamim, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.<br />
TOFFLER, Alvin e TOFFLER, Heidi, Criando Uma Nova Civilização - A<br />
Política da Terceira Onda, Tradução Alberto Lopes, Rio de Janeiro: Ed<br />
Record, 1995.<br />
TOFFLER, Alvin, Powershift: As Mudanças do Poder, Um perfil da<br />
sociedade do século XXI pela análise das transformações na natureza do<br />
poder, Tradução de Luiz Carlos do Nascimento e Silva, São Paulo, Ed.<br />
Record, 1992.<br />
TOFFLER, Alvin, O Choque do Futuro, tradução de Marco Aurelio de<br />
Moura Matos, Rio de Janeiro: Editora Artenova S.A., 1972.<br />
TOCQUEVILLE, Alexis de, O Antigo Regime e a Revolução, tradução<br />
Yvonne Jean, 4. Edição, Brasília: Editora Universidade de Brasília,<br />
1997.<br />
TOYNBEE, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização<br />
posta à prova, Tradução Benno Silveira e Luiz de Sena, 2. ed., Rio de<br />
Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1961.<br />
TRATTNER, Ernest B., THOMAS, Henry e THOMAS, Dana Lee, Einstein<br />
por Ele Mesmo - A Vida do Grande Cientista, São Paulo: Martin Claret,<br />
1992.<br />
VON MISES, Ludwig, Ação Humana - Um Tratado de Economia, tradução<br />
de Donald Stewart Jr, Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.<br />
122<br />
WHITEHEAD, Alfred North, O Conceito da Natureza, tradução Julio B.<br />
Fischer, São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />
ZOHAR, Danah e MARSHALL, I. N., O Ser Quântico, Uma visão<br />
revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova<br />
física, Tradução de Maria Antônia Van Acker, 7. edição, Editora Best<br />
Seller: São Paulo, s/data.<br />
<br />
Fonte: <a href="https://bibliopedra.files.wordpress.com/2015/09/alienac3a7c3a3o-da-dialc3a9tica-a-cezar-ramos.pdf">https://bibliopedra.files.wordpress.com/2015/09/alienac3a7c3a3o-da-dialc3a9tica-a-cezar-ramos.pdf</a>José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-4853229272905180632018-04-29T22:59:00.003-07:002018-04-29T22:59:46.561-07:00A alienação da dialética, por "(...)<br />
<br />
INTRODUÇÃO
As verdades só são fecundas se
forem ligadas umas às outras.
Henry Poincaré (1)
Que senso norteia o método dialético para extrair suas conclusões?
Quem foram seus principais formuladores, além do faminto e criativo
Platão? Que influência ele exerceu na reinauguração da cientificidade, no
século XVI? Como a Matemática e, por consequência a Física arrastou
não só a Engenharia, a Arquitetura, ou até mesmo a Medicina, mas
também a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, Biologia, Antropologia, a
Economia, até o Direito? Que formulações daí emanadas seriam fortes
para acender, inclusive, o fogo do ódio entre os povos?
Infelizmente todas as ciências, especialmente as humanas e, por
consequência a política, amarram-se nessa ingênua metafísica. Por ela
escorregaram Platão, Maquiavel, Galileu, Bacon, Descartes, Newton,
Hobbes, Rousseau, Bentham, Mill, Proudhom, Hegel, Malthus, Darwin,
Ricardo, Freud, Comte e Marx. Felizmente, todavia, no limiar do século
XX, vimos esta mais antiga receita de averiguação e prática de lêdo
engôdo ser completamente abandonada, flagrada em falsidade de base e
propósito pela própria ciência exata que a consagrara. No século XXI, o
da maioridade civil, as disciplinas de humanidades começam a promover
sua mutação. As informações, outrora truncadas, herméticas, enfeixadas,
mistificadas, censuradas por perigosas, ou de acesso dificultado, são
desvendadas ao mundo dos normais. O cidadão comum vê emergir,
apesar de uma infinidade de mitos e obstáculos dogmáticos, a majestosa
reversão científica que, sob os auspícios do gênio, modifica nosso
entendimento simplesmente sobre tudo. A velocidade das comunicações,
a qual já não conhece tempo, nem barreira, sequer distância, indica que o
político terá que ser sua imediata expressão, sob pena de triste fim.
Trouxemos esses dados, afirmações e considerações após navegar dez
anos por diversos mares e galáxias, em variadas circunstâncias; mas, na
carona da luz, qualificamo-nos a deslizar instantaneamente pelo espaçotempo,
à cata dos subsídios e relações capazes de reduzir ou mesmo
4
dissipar dúvidas, indagações ainda não completamente safisteitas. Pelo
caleidoscópio investigativo atendemos a recomendação do velho químico
Gaston Bachelard PhD, para quem “um conhecimento mais profundo é
sempre acompanhado de uma abundância de razões coordenadas.”(2)
Todas as razões são poucas para preencher tão profundo ardil. O tema
permite e até requer um volume triplicado; à velocidade, todavia,
preferimos compacto, de alta densidade. O canal pode ser tratado.
O motivo seria inócuo, se a dialética e os episódios que deu causa se
tivessem resumido àquelas parcas épocas, mas não: os intelectos desses
monstros sagrados da ciência combinaram-se para empurrar a
humanidade ao precipício da insensatez, do massacre coletivo, desde as
peripécias de Cromwell até ao oportunismo de Napoleão, emergente de
uma sangrenta Revolução travestida de democrática e daí às guerras
civis e mundiais que se sucederam. Embora o linchamento de Mussolini e
a queda do muro, infelizmente suas perfídias não se extinguiram; e até
hoje impregnam muitas constituições, sempre conservadas e até
aprimoradas pelo poderoso de plantão como ferramenta ideal para a
dominação total, objetivo de todo “partido”. A permanência desses
obtusos pré-fabricados torna-se indesculpável. Mais do que nunca, é
possível atingir suas subterrâneas e camufladas bases pseudo-científicas,
raízes de onde emanaram as ervas daninhas e o podre odor suavizado
pel.666.1’89+as gotas dos seus falsos ideais. Chegaremos mais
próximos da reorganização e de um reacomodamento natural,
paradoxalmente, lançando um cocktail desintegrativo na torpe novela que
dimensionaram. Como disse Ortega Y Gasset, “o homem que descobre
uma nova verdade científica precisou, anteriormente, despedaçar em
átomos tudo o que aprendera, e chega à nova verdade com as mãos
sujas de sangue do massacre de mil superficialidades”. (3)
À guisa de atenuar a forte tonalidade das comparações, apropriamonos
das palavras de Albert Einstein... “Se, no que se segue, eu vier a
expressar minhas idéias um tanto dogmaticamente, será apenas em
nome da clareza e da simplicidade”-(4)
...consignando, entretanto, a ressalva: diferentemente do gênio, não
apresentamos, de modo direto, novas idéias - o livro é menos escrito por
nós, muito mais pelos vultos; mas atiramo-nos na chance de reuni-los.
Com você, a insensatez, a alienação provocada pela dialética,
acrescida de algumas de suas mais graves consequências
epistemológicas, sociais, econômicas, ecológicas, políticas, jurídicas,
éticas e morais .<br />
<br />
<br />
<br />
"(...)<br />
<br />
5. A tolice de Descartes<br />
<br />
A perfídia dialética varou os séculos riscada por governantes e<br />
eclesiásticos, perfazendo trágicos destinos aos povos; Ficasse aí<br />
resumida, poderia ser mais facilmente extinta, bastando impedir novas<br />
aventuras megalomaníacas. Porém, há mais outro pormenor daquela<br />
maternidade, muito vigente, com alguns rebentos ainda em expansão! - a<br />
dialética antes atinge as ciências exatas pela lógica, pelo número, pela<br />
matemática, retornando às humanas armadas para subjugá-las<br />
inapelavelmente, estratégia de Platão. A mathésis universalis*<br />
constituia-se na antena da sapiência:<br />
“O radical da palavra grega “mathemática” é mathein, que quer dizer<br />
captar, aprender, apanhar. A captação é mathéma (ou mathésis) de que<br />
deriva a nossa palavra matemática, designando não uma construção<br />
mental, mas uma captação de uma realidade já existente.” (1)<br />
Acrescenta Russell: “O que ocupava a mente dos filósofos matemáticos<br />
de modo mais especial era a unificação da aritmética e da geometria,<br />
problema finalmente resolvido com grande brilho por Descartes, dois mil<br />
anos depois.” ( 2 )<br />
René Descartes (1596-1650) de Vienne, na época com 27 anos,<br />
considerado fundador dessa moderna filosofia. Veio com aquela<br />
intenção, de encher o homem. Malgradas escassas advertências,<br />
ascendeu fulgurante; e com slogan de libertador! Finalmente a ciência<br />
racional poderia “desenvolver-se para extrair verdades seja de que<br />
assunto for” (3), como auguravam Platão e Bacon. Observa Koyré:<br />
“Ocorre que para Aristóteles a geometria era apenas uma ciência<br />
abstrata. Por isso, a geometria nunca poderia explicar o real. As suas<br />
leis não dominam o mundo físico. O estudo da geometria não precede o<br />
da física. Uma ciência do tipo aristotélico não se apoia numa metafísica.<br />
Conduz a ela, em vez de partir dela. Uma ciência tipo cartesiana, que<br />
postula o valor real do matematismo, que constrói uma física<br />
geométrica, não pode dispensar uma metafísica. E tem mesmo que<br />
começar por ela. Descartes sabia-o. E Platão, que fora o primeiro a<br />
esboçar uma ciência desse tipo, sabia-o igualmente.” (4)<br />
A simploriedade mental de Descartes sentenciava:<br />
“Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o<br />
tronco a física, e os galhos que saem desses troncos são todas as<br />
outras ciências, que se reduzem a três principais – a medicina, a<br />
mecânica e a moral.” (5)<br />
20<br />
Para fundar tamanhos pilares, o francês mergulhou no universo da<br />
precisão querida. Com o decifrar, com o cálculo, por ironia, Descartes se<br />
persuadiu; e induziu a humanidade a subir, degrau por degrau, à<br />
cobertura da inútil torre, a nova babel que ainda sobe, a “Rebabel”,<br />
razão do Clero refutá-la; afinal, a Bíblia trata do Verbo, não do número.<br />
A marôta fêz-se totalmente prejudicial:<br />
“Nenhuma disciplina poderá outorgar para si própria um lugar de onde<br />
deduzir um saber absoluto e final. Quando as ciências, a prestigiosa<br />
matemática ocupou este lugar, revelou-se então mais mutiladora do que<br />
a rainha!” (6)<br />
Lemkow assinala o aspecto mais desumano que constatou: “Descartes<br />
sustentava que não apenas os vegetais e os animais, mas também o<br />
próprio corpo humano eram máquinas.” (7).<br />
O “homem” surgido dessa obtusa racionalidade fez-se ambíguo: “objeto”<br />
para o saber e “sujeito” que conhece. Japiassu acrescenta: “A antiga<br />
oposição homem/Deus substituía-se pela oposição homem/mundo.Melhor<br />
ainda: pela oposição Sujeito/Objeto.” (8)<br />
Damásio define:<br />
“Qual foi, então, o erro de Descartes? Ou, melhor ainda, a que erro de<br />
Descartes me refiro com ingratidão? Poderíamos começar com um<br />
protesto e censurá-lo por ter convencido os biólogos a adotarem, até hoje,<br />
uma mecânica de relojoeiro como modelo dos processos vitais. Mas<br />
talvez isso não fosse muito justo, e comecemos, então, pelo “penso, logo<br />
existo”. (9)<br />
O que não pensasse não poder existir? Ou, como ironiza Russel: “De<br />
outro modo, poderíamos dizer igualmente “Ando, logo existo”, pois, se<br />
ando, é certo que devo existir.” (10)<br />
Ao elementar equívoco, o próprio Damásio contrapõe “No entanto, antes<br />
do aparecimento da humanidade os seres já eram seres.” (11)<br />
No que consiste o método? Responde-nos Gilles-Gaston Granger:<br />
"Convém efectivamente distinguir dois pólos de todo irredutíveis da idéia<br />
de método. Um corresponde às noções de ´receita´, ´procedimento´,<br />
´algoritmo´, que descrevem detalhadamente a concatenação do que<br />
deve ser feito. O outro corresponde ao conceito de estratégia, que não<br />
fornece necessariamente uma indicação particularizada dos actos a<br />
cumprir, mas somente do espírito dentro do qual a decisão deve ser<br />
tomada e do esquema global no qual as acções devem decorrer... o<br />
aspecto principal parece ser o método como estratégia." (12)<br />
Como Platão, Maquiavel e Hobbes, o francês também exibia tudo<br />
dividido, configurado numa sobreposição hierarquica, parte por parte, tal<br />
qual o Universo para ele se mostrava: “Não há nada no conceito de<br />
corpo que pertença a mente, e nada na idéia de mente que pertença que<br />
ao corpo” (13).<br />
Dois século após, Hegel, sem a menor originalidade, numa espécie de<br />
vulgata epistemológica, usou o mesmo princípio, até para se valorizar:<br />
“Ser é ser pensado”. (14)<br />
O poeta e ensaísta Octavio Paz relata seu diálogo com Joseph Brodsky:<br />
<br />
Segue link para pesquisa na íntegra<br />
<br />
<a href="https://bibliopedra.files.wordpress.com/2015/09/alienac3a7c3a3o-da-dialc3a9tica-a-cezar-ramos.pdf">https://bibliopedra.files.wordpress.com/2015/09/alienac3a7c3a3o-da-dialc3a9tica-a-cezar-ramos.pdf</a><br />
<br />
<br />José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-1687736840921514452018-04-28T23:25:00.000-07:002018-04-29T23:25:13.744-07:00Trialética na Teoria do Conhecimento<div class="weblog-title" style="background-color: white; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 10px 0px 0px; padding: 0px 15px 5px 45px !important;">
<h3 style="font-size: 21px; margin: 10px; padding: 0px;">
<br /></h3>
</div>
<div class="weblog-author" style="background-color: white; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; padding: 0px 15px 5px 45px !important;">
Postado por <em><a href="http://stoa.usp.br/schwartz/profile/" style="border-bottom: 1px dotted rgb(32, 74, 135); color: #8c8a84; font-size: 15.4px; text-decoration-line: none;"><b>Gilson Schwartz</b></a></em></div>
<div class="post" style="background-color: white; margin: 10px 0px 0px; padding: 0px 15px 5px 45px !important;">
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Visões axiomática, semântica e pragmática do conhecimento científico. Trialética a superar o dilema internalismo X externalismo no fenômeno da linguagem vista como fluxo, processo, projeto.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
<br /></div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
<span class="newstit2">Ênfase no contexto</span> <span class="newstexto1"><img border="0" height="8" src="http://www.agencia.fapesp.br/imagens/spacer.gif" width="10" /></span><span class="boletimdata1">16/05/2008 </span><br /><span class="newstexto1"><br /></span><span class="boletimtexto3"><strong>Por Fábio de Castro</strong></span></div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
<strong>Agência FAPESP</strong> – Uma concepção do conhecimento científico que, em uma abordagem alternativa à filosofia da ciência tradicional, não leve em consideração apenas postulados e modelos, mas também o contexto em que o conhecimento humano é produzido.</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Essa é a proposta central do livro <em>Pragmática da Investigação Científica</em>, do professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Henrique de Araújo Dutra.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Segundo o autor, o livro, que enfoca importantes temas da filosofia da ciência no século 20, é resultado de diversos projetos de pesquisa apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e realizados na UFSC desde 1996.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“A principal novidade da obra é trazer uma discussão aprofundada sobre o tema dos modelos científicos. Além de fazer uma revisão das concepções tradicionais sobre o conhecimento, há uma reinterpretação, sob a perspectiva pragmática, do que são os novos modelos científicos”, disse à <strong>Agência FAPESP</strong>.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Dutra, que voltou em março de uma temporada na Universidade de Paris 1, onde atuou como professor visitante, explica que não se trata de uma obra introdutória. “É voltada especialmente para filósofos da ciência e alunos de pós-graduação na área de epistemologia, além de cientistas que já tenham algum conhecimento na área”, indicou.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Além de defender uma visão epistemológica que se baseia em concepções pragmáticas do mundo, o autor procura entender as razões que levam a determinadas escolhas de modelos científicos.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“Antes de explicar as abordagens alternativas de interpretação do conhecimento, o livro enfoca as questões tradicionais que nortearam a filosofia da ciência no século passado”, afirmou.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Segundo ele, o pensamento dos positivistas lógicos – como ficou conhecida a primeira grande corrente de pensadores que tratou do tema – caracterizava-se pela chamada “concepção sintática”, ou “concepção axiomática”, do conhecimento científico.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“Esses pensadores concebiam o conhecimento como uma série de proposições ou enunciados que constituíam um sistema a partir de teorias científicas. Delas, podiam ser deduzidas as leis a serem seguidas pela ciência”, disse.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
As idéias dos positivistas lógicos prevaleceram até o fim da década de 1960, quando uma segunda corrente começou a ser desenhada: a concepção semântica do conhecimento científico.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“O ponto central dessa segunda corrente é uma crítica à concepção axiomática. Esses autores passaram a interpretar as teorias científicas como modelos e não apenas como proposições”, afirmou Dutra.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Segundo ele, o mais destacado autor da abordagem semântica de interpretação das teorias científicas é o norte-americano Bas van Fraassen, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“O ponto de partida do livro, além de algumas questões levantadas pela abordagem axiomática, é principalmente uma reflexão sobre a abordagem semântica. Nos últimos anos, uma série de autores tem sustentado uma terceira perspectiva que começa a ser conhecida como concepção pragmática”, disse Dutra, enfatizando que a perspectiva pragmática não deve ser confundida com a filosofia dos pragmatistas norte-americanos.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
A concepção pragmática, segundo ele, não interpreta as teorias científicas nem como coleções de proposições, nem como séries de modelos. O ponto central dessa perspectiva é a atenção às práticas científicas.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“Esses novos autores sustentam que podemos intepretar as teorias científicas de forma axiomática ou semântica, mas elas são mais do que isso. Os modelos ainda representam um tema importante, mas é preciso levar em conta como os cientistas os utilizam em suas práticas científicas e que compreensão eles têm das relações entre modelos e teorias”, disse.<br /><br /><br /><strong>Concepção externalista</strong></div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Segundo o professor da UFSC, a novidade trazida pelo livro é uma reinterpretação da noção de modelos científicos do ponto de vista pragmático que não substitui, mas complementa, as interpretações anteriores, propondo uma perspectiva mais ampla, voltada para a prática científica concreta.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
Ele afirma que as abordagens tradicionais deixam de lado o problema da interpretação do que é o conhecimento humano. Na concepção pragmática, o conhecimento não é apenas uma interpretação interna do sujeito, mas um conjunto de acontecimentos externos e públicos, que remete ao contexto em que a pesquisa é realizada.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
“A abordagem tradicional do conhecimento é internalista, isto é, ela entende que nossas crenças e opiniões sobre o mundo são representações internas de nossas mentes. Herdamos essa tradição dos pensadores funcionalistas e dos empiristas modernos. A abordagem pragmática é externalista e leva em conta aspectos contextuais do conhecimento humano”, disse Dutra.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
O enfoque principal da abordagem pragmática do conhecimento, portanto, é a insistência na observação da própria prática científica. “O conhecimento é interpretado como uma prática pública e não algo privado que o indivíduo produz em sua mente e depois comunica aos outros”, apontou.</div>
<div style="color: #2e3436; font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 10px; margin-top: 10px;">
A perspectiva pragmática, segundo Dutra, oferece uma concepção do conhecimento mais dinâmica do que as perspectivas tradicionais. “Fazemos aqui uma associação entre temas da filosofia da ciência, da filosofia da mente, da filosofia da linguagem e da teoria do conhecimento”, disse.</div>
<ul style="font-family: "Trebuchet MS", "Lucida Grande", Arial, sans-serif; font-size: 14px; list-style-position: inside;">
<li><em>Pragmática da Investigação Científica</em><br />Autores: Luiz Henrique de Araújo Dutra<br />Lançamento: 2006<br />Preço: R$ 37<br />Mais informações: <strong><a href="http://www.loyola.com.br/livraria/detalhes.aspx?COD=11570" style="color: #8c8a84; text-decoration-line: none;" target="_blank">www.loyola.com.br</a></strong></li>
</ul>
<div>
<span style="font-family: Trebuchet MS, Lucida Grande, Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 14px;"><a href="http://stoa.usp.br/schwartz/weblog/23066.html">http://stoa.usp.br/schwartz/weblog/23066.html</a></span></span></div>
<div>
<span style="font-family: Trebuchet MS, Lucida Grande, Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 14px;"><br /></span></span></div>
<div>
<span style="font-family: Trebuchet MS, Lucida Grande, Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 14px;"><br /></span></span></div>
</div>
José Carlos Limahttp://www.blogger.com/profile/03127733733783902981noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-82329415780105701902011-04-15T17:34:00.001-07:002011-05-14T08:25:10.259-07:00Leituras culpadas, marx(ismos) e a práxis do conhecimento**<center><h4> <br />
Eduardo Grüner*</h4></center> <br />
<br />
<br />
<br />
<div align="right"><cite>Posto que n?o há leituras inocentes,<br />
comecemos por confessar de que leituras<br />
somos culpados</cite> <br />
Louis Althusser</div><br />
<br />
A frase de Althusser que preside este texto é –para diz?-la com uma express?o cara ao filósofo franc?s– sintomática: revela um problema consubstancial a algo que pudesse ser chamada de uma teoria do conhecimento (ou uma “gnoseologia”, ou uma “epistemologia”) que também pudéssemos chamar “marxista” (uma denominaç?o por sua vez problemática, posto que já s?o incontáveis os “marxismos” que t?m visto a luz –e muitas sombras– desde o próprio Marx até aqui). Esse problema é de difícil, se n?o impossível, soluç?o, mas seu enunciado é relativamente simples: n?o há leitura inocente, isto é, toda interpretaç?o do mundo, toda forma de conhecimento do real está inevitavelmente situada pelo posicionamento de classe, a perspectiva político-ideológica, os interesses materiais, os condicionamentos culturais ou a subjetividade (consciente ou inconsciente) do “intérprete”. <br />
<br />
<br />
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
Essa constataç?o já é a de Marx, e até certo ponto –ainda que desde perspectivas bem diferentes entre si e a do próprio Marx– havia sido também a dos philosophes materialistas do século XVIII, e o será nas primeiras “sociologias do saber” do século XX, a partir de Max Scheler ou Karl Mannheim, e o continuará sendo nas fenomenologias “sociológicas” do conhecimento no estilo de Alfred Schutz ou Harold Garfinkel. Em Marx é uma constataç?o inseparável de sua concepç?o (melhor dizendo, concepç?es, já que s?o múltiplas e mutáveis) da ideologia, seja entendida, um tanto esquematicamente, como “falsa consci?ncia” da realidade, já como (na sofisticada vers?o althusseriana, atravessada pela leitura lacaniana de Freud) consci?ncia “verdadeira” de uma realidade “falsa”, um aparentemente escandaloso paradoxo sobre a que teremos que voltar.<br />
<br />
Porém, seja como for, se é verdade que toda “leitura” do complexo universo do real é “culpada” de ser uma leitura em situaç?o, isso n?o significa que n?o pode haver uma leitura “objetiva”, “científica”, “universal” dos fenômenos da realidade (e muito em particular da realidade social e histórica, t?o constitutivamente atravessada por aqueles interesses e posicionamentos), e que nosso conhecimento, em conseqü?ncia, está necessariamente condenado ao relativismo, ao particularismo, ao subjetivismo mais radical? <br />
<br />
Além de tudo, a partir dos chamados “giro lingüístico”, “giro hermen?utico”, “giro estético-cultural”, etc., do século XX (embora seja um debate quase t?o antigo como a própria cultura ocidental: já podem ser encontradas suas premissas no Cratilo de Plat?o, por exemplo, e sua continuaç?o nas pol?micas entre “realistas” e “nominalistas” na Idade Média; porém é claro, é no século XX quando se torna dominante enquanto debate sobre os fundamentos de uma filosofia da cultura), temos tido que nos acostumar –ainda que para alguns ainda custe ceder a ela– ? idéia de que os sujeitos chamados “humanos” distinguem-se de qualquer outra espécie, mesmo as mais “avançadas” do reino animal, pelo fato de que n?o tem um vínculo direto e imediato com a realidade, mas sim sua relaç?o com o mundo está “mediatizada” por um complexo aparato de compet?ncia lingüística (o conceito é de Noam Chomsky) e “simbólica” em geral; de tal modo que, inclusive partindo de um ponto de vista irredutivelmente materialista cremos na exist?ncia autônoma do real com relaç?o ?s nossas representaç?es –convicç?o que, como veremos, instaura uma diferença radical com as epistemologias “pós-modernas”–, nossa “realidade” humana n?o pode menos que ser uma construç?o de nossa (maior ou menor) compet?ncia lingüístico-simbólica. Seja “construtivista” ou “de-construtivista”, a premissa é inapelável: a “realidade” do ser humano é, em uma medida decisiva, a produç?o de um aparato simbólico que n?o é de modo algum “individual” (n?o se trata de nenhum “subjetivismo” até as últimas conseqü?ncias), mas sim o resultado de um complexo processo cultural, social e histórico. Como já haviam suspeitado o próprio Max Weber e a escola do interacionismo simbólico, e como o mostrou um extraordinariamente sutil filósofo e lingüista marxista (Mikhail Bakhtin), a linguagem –e, por extens?o, todo o campo humano do simbólico-representacional– é um espaço dialógico, vale dizer, produzido na interaç?o social (inclusive conflituosa), e n?o na solid?o das “consci?ncias” individuais. E esta nova constataç?o, sem nenhuma dúvida, é um enorme avanço sobre as ingenuidades empiristas, positivistas ou materialistas vulgares. Porém que nos torna a colocar no centro de nossa quest?o: o conhecimento objetivo da realidade é impossível? O próprio Marx em sua oposiç?o ao idealismo, caiu na armadilha do positivismo, de um “objetivismo” t?o ing?nuo como o dos materialistas vulgares?<br />
<br />
Desta forma, n?o: ainda que os problemas aqui apresentados sejam inumeravelmente mais complexos do que poderemos abarcar nesta exposiç?o, sustentamos que, mesmo sendo algo esquematicamente (para um maior aprofundamento n?o restará remédio sen?o remeter ? bibliografia), sim há em Marx –e desde o início em muitos dos “marxistas ocidentais” posteriores– elementos suficientes a partir dos quais abrir um leque de hipóteses de trabalho, novamente, n?o para resolver definitivamente, mas sim para colocar em seus justos termos, essa problemática. Isso sim, com duas condiç?es: <br />
<br />
<br />
<br />
1] A partir das quais, acabamos de sublinhar: é inútil, além de danoso, pretender encontrar já acabados de uma vez para sempre esses elementos no próprio Marx; semelhante pretens?o somente pode conduzir, no melhor dos casos, a preguiça intelectual, e no pior, a mais grosseira rigidez dogmática;<br />
<br />
2] para compreender a verdadeira importância –e a lógica de funcionamento– desses elementos, é necessário deslocar o que poderíamos chamar um discurso “binário” (e profundamente “ideológico” no mal sentido do termo), que pensa a quest?o do conhecimento sobre o eixo dos “pares de oposiç?o” mutuamente excludentes (exemplo: sujeito/objeto; material/simbólico; pensamento/aç?o; indivíduo/sociedade; estrutura/história, etc.): melhor se trataria de pensar em cada caso a tens?o dialética, o conflito entre esses “pólos”, que somente podem ser percebidos como tais precisamente porque a relaç?o entre eles é o que os constitui, o que lhes destina seu lugar. <br />
<br />
<br />
Tendo em conta essas duas premissas básicas, podemos começar a abordar a quest?o.<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>Um critério fundante: a práxis</h4><br />
<br />
“Até agora os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo; trata-se agora é de transformá-lo”. A famosíssima tese XI sobre Feuerbach pode ser tomada, entre outras coisas, como um enunciado de epistemologia radical, ou como um ultra condensado “discurso do método” de Marx. Demasiado amiúde, por desgraça, tem sido lido unilateralmente, no espírito de um materialismo vulgar ou um hiperativismo mais ou menos espontaneísta que desfaz todo trabalho “filosófico” de interpretaç?o (vale dizer, ao menos em certo sentido do que já falamos sobre produç?o de conhecimento) a favor da pura “transformaç?o” social e política. N?o faz falta enfatizar qu?o alijada das intenç?es de Marx –um dos homens mais cultos e mais teoricamente sofisticados da modernidade ocidental– pode estar este tipo de antiintelectualismo estreito. Contudo, o que aqui nos importa é outra coisa. Na verdade, Marx está dizendo em sua tese algo infinitamente mais radical, mais profundo, inclusive mais “escandaloso” que a idiotice de abandonar a “interpretaç?o do mundo”: está dizendo que:<br />
<br />
<br />
1] a transformaç?o do mundo é a condiç?o de uma interpretaç?o correta e “objetiva”; e<br />
<br />
2] vice-versa, dada essa condiç?o, a interpretaç?o já é, de certa forma, uma transformaç?o da realidade, que implica, em um sentido amplo, mas estrito, um ato político, e n?o meramente “teórico”. <br />
<br />
<br />
De outra maneira, é o que encerra o conceito de práxis (que Marx toma, obviamente, dos antigos gregos). A práxis n?o é simplesmente, como se costuma dizer, a “unidade” da teoria e a prática: dito assim, isto suporia que “teoria” e “prática” s?o duas entidades originais e autônomas, preexistentes, que logo a práxis (inspirada pelo g?nio de Marx, por exemplo) viria “juntar” de alguma forma e com certos propósitos. Porém, sua lógica é exatamente a inversa: é porque sempre há práxis –porque a aç?o é a condiç?o do conhecimento e vice-versa, porque ambos pólos est?o constitutivamente co-implicados– que podemos diferenciar “momentos” (lógicos, e n?o cronológicos nem ontológicos), com sua própria especificidade e “autonomia relativa”, mas ambos no interior de um mesmo movimento. E este movimento é o movimento (na maior parte das vezes “inconsciente”) da própria realidade (social e histórica), n?o o movimento, nem do puro pensamento “teórico” (ainda que fosse na cabeça de um Marx) nem da pura aç?o “prática” (ainda que fosse a dos mais radicais “transformadores do mundo”). <br />
<br />
O que Marx faz –essa é sua “genialidade”– é simplesmente mostrar que esse é o movimento da realidade, e denunciar que certo pensamento hegemônico (a “ideologia dominante”, para simplificar) tende a ocultar essa unidade profunda, a manter separados os “momentos”, promovendo uma “divis?o social do trabalho” (“manual” versus “intelectual”, para dizer o básico), com o objetivo de legitimar o universo teórico da pura “interpretaç?o” como patrimônio do Amo, e o universo prático da pura “aç?o” como patrimônio do Escravo, já que a classe dominante sabe perfeitamente –mesmo quiçá n?o sempre o saiba conscientemente– que nem a pura abstraç?o da teoria, nem o puro “ativismo” da prática, tem realmente conseqü?ncias materiais sobre o estado de coisas do mundo. Ou, em outras palavras, que n?o produz verdadeiro conhecimento da realidade, no sentido de Marx. Nunca melhor ilustrada esta tese que na famosa alegoria que constroem Adorno e Horkheimer, em sua Dialética do esclarecimento, a propósito do episódio das Sereias na Odisséia de Homero: o astuto e racionalizador capit?o Ulisses –metaforicamente, o Burgu?s–, atado ao mastro de seu barco, pode escutar (“interpretar”) o canto das sereias, porém n?o pode atuar; os ansiosos marinheiros –metaforicamente, o Proletariado–, com seus ouvidos tampados pela cera que Ulisses lhes administrou, podem atuar, remar o barco, mas n?o podem escutar. Nenhum dos dois pode realmente conhecer essa fascinante música: Ulisses n?o quer faz?-lo –quer simplesmente receb?-la, gozá-la passivamente–, os marinheiros n?o podem faz?-lo –ocupados, “alienados” em sua tarefa prática, nem sequer inteiram-se de sua exist?ncia.<br />
<br />
Desta forma: essa tese de Marx é, desde já, e como dissemos, um enunciado político-ideológico revolucionário. Porém, é ao mesmo tempo (obedecendo ? própria lógica da práxis) um enunciado filosófico-epistemológico da máxima transcend?ncia. O é no sentido no qual Marx fala de uma realizaç?o da filosofia, isto é, em um triplo sentido: 1) é sua culminaç?o; 2) é sua fus?o com a realidade material; 3) é sua (paradoxal) dissoluç?o, ao menos em sua forma tradicional, “clássica”, que em sua época –e na própria biografia intelectual do primeiro Marx– n?o é outra que a da (riquíssima e complexa) tradiç?o idealista alem? que vai –para apenas mencionar os nomes mais paradigmáticos– de Kant a Hegel, passando por Fichte e Schelling.<br />
<br />
Trata-se é claro de autores complexos e muito diferentes entre si, que de modo algum podem ser postos “no mesmo saco”, como se diz vulgarmente. Tampouco todos t?m o mesmo significado naquela biografia intelectual de Marx: sem dúvida o pensador (deveríamos dizer: o “pensador-ator”?) de Treveris “aprendeu” de Hegel muito mais que dos outros, contudo, esse “aprendizado” realizou-se plenamente –no sentido antes definido– somente quando Marx, por assim dizer, fundiu Hegel com a realidade material (social-histórica) que ? parte de “ativista” que havia nele lhe importava transformar. Porém, em todo caso, o que todos esses gigantes da filosofia ocidental t?m em comum, além de (mas vinculado com) seu “idealismo”, é sua impossibilidade de superar (também no sentido da Aufhebung hegeliana) essa cis?o entre “teoria” e “prática”, ou, dito mais “filosoficamente”, a separaç?o radical entre sujeito e objeto. E se dizemos “além de” (ainda que no caso particular dos alem?es, vinculado com) seu idealismo, é porque na verdade essa “impot?ncia” n?o faz mais que recolher, condensar e levar ?s últimas conseqü?ncias toda a tradiç?o dominante –com poucas exceç?es, como seriam os casos de um Maquiavel ou um Giambattista Vico e, em outro sentido, de um Espinosa– da filosofia e da teoria do conhecimento ocidental e moderna, ao menos a partir do Renascimento. E isso inclui n?o somente o “idealismo”, mas também (e talvez especialmente) o empirismo, o materialismo unilateral, e logo o positivismo.<br />
<br />
De fato, a “divis?o do trabalho” própria do modo de produç?o capitalista (a “fragmentaç?o das esferas da experi?ncia” as quais se referia Max Weber, que estava longe de ser marxista ou “antiburgu?s”, mas muito perto de ser um dos intelectuais mais lúcidos da modernidade) imp?e necessariamente essa separaç?o. E n?o é óbvio que antes do capitalismo ela n?o existisse: só que agora resulta muito mais evidente, e mais dramaticamente percebida, já que nenhum ecumenismo teológico resulta por si mesmo suficiente para ocultá-la sob o manto piedoso da vontade de Deus.<br />
<br />
O paradoxo é que essa separaç?o se aprofunda e se faz, como dizíamos, mais evidente e dramático precisamente porque a nova era “burguesa” necessita promover um conhecimento mais acabado, preciso e “objetivo” da realidade. Ao contrário do que sucedia no modo de produç?o feudal, por exemplo, a ci?ncia e sua aplicaç?o ? técnica é agora uma força produtiva decisiva para o ciclo produtivo (e re-produtivo) do sistema. Para conseguir esse melhor conhecimento da “maquinaria” do Universo –já a partir do século XVII, com Descartes, Leibniz, e muitos outros, imp?e-se esta sugestiva metáfora “mecânica” – é que se torna imprescindível a distinç?o entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido (ou, em todo caso, o objeto a conhecer, isto é, a construir). O impulso –outra vez, necessário para a lógica do funcionamento produtivo da “maquinaria” capitalista– de uma dominaç?o da natureza: esse impulso para o que Weber chamará racionalidade formal, ou a Escola de Frankfurt racionalidade instrumental, requererá que o sujeito dominante separe-se do objeto dominado. Que o indivíduo, portanto, separe-se da natureza, d? um passo atrás para observá-la, para estudá-la. E n?o somente da natureza: uma vez instaurada e transformada em dominante esta lógica, toda a nova “realidade” –n?o importa qu?o fragmentada apareça na experi?ncia dos sujeitos particulares– ficará sujeita ? cis?o. Também a social, a política, a cultural: é nesta época que pode aparecer a idéia liberal de um “indivíduo” separado da (quando n?o enfrentado com a) comunidade social ou o Estado, quando nas épocas pré-modernas os sujeitos eram um componente indissociável da comunidade política, da ecclesia, do socius, chame-se polis, ou Cidade de Deus, ou o que corresponda a cada momento.<br />
<br />
É também nesta época que pode aparecer na arte, para citar um exemplo ilustrativo, a perspectiva, esse “descobrimento técnico” da pintura renascentista que permite retratar o indivíduo em primeiro plano, separado de/dominando seu entorno. É nesta época que, na literatura, pode aparecer –e ser um tema central desse novo g?nero literário da modernidade que se chama “novela”– a subjetividade individual, com todos os desgarramentos e conflitos que produz, precisamente, sua separaç?o, seu isolamento, sua “alienaç?o” da natureza e da comunidade humana. (E a propósito destes exemplos vale a pena recordar que para Marx –igualmente para todo o idealismo alem?o a partir de Kant e dos românticos– a Arte é também uma forma de conhecimento, como o demonstram seus permanentes refer?ncias a, que n?o s?o meramente decorativos ou exemplificadores, Homero e os trágicos gregos, a Dante, Shakespeare, Cervantes, Goethe, Schiller, Heine, Defoe, etc.). É nessa época, para dizer tudo, que pôde (e deve) inventar-se a noç?o de “indivíduo”, como uma entidade distinta do resto do universo, e cuja miss?o é conhecer e dominar esse universo.<br />
<br />
É claro que, repetimos, esta separaç?o epistemológica (n?o “real”) entre o sujeito e o objeto é necessária para uma concepç?o do conhecimento que passa pela dominaç?o da natureza –e, a fortiori , dos membros das classes subalternas. E n?o é quest?o de negar que, ainda tendo em conta os limites que a divis?o do trabalho no capitalismo imp?e ? expans?o do conhecimento, o movimento do saber na modernidade tem um grande valor: n?o somente pelo o que significou, na história da cultura, como frente de combate contra o obscurantismo e a superstiç?o, mas também porque esse movimento (insistimos: ainda descontando a fictícia cis?o sujeito/objeto) é o que fez possível a ci?ncia moderna, tal como a conhecemos. <br />
<br />
Porém, n?o é quest?o de negar que essa possibilidade da ci?ncia moderna é a contrapartida (“dialética”, por assim dizer) da lógica –mais ainda: da concreta práxis– da dominaç?o: as duas coisas s?o verdadeiras, e sob as estruturas de uma sociedade de classes desigual, est?o necessariamente em conflito. Quando esse conflito n?o se resolver (e enquanto as estruturas de dominaç?o permanecerem em seu lugar o conflito n?o pode resolver-se), aquele “obscurantismo” n?o poderá ser definitivamente eliminado, e retorna indefectivelmente, inclusive encaixado nas novas formas do conhecimento científico. Daí que a lúcida advert?ncia de Adorno e Horkheimer, no mesmo texto que já citamos, a propósito da mesma raz?o cujo objetivo era dissipar as névoas dos mitos obscurantistas, corre o risco de transformar-se em um mito igualmente tenebroso (e, em certo sentido, no mais perigoso de todos, posto que aparenta ser outra coisa).<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>O problema da “invers?o” da dialética hegeliana</h4><br />
<br />
Consequentemente: trata-se de um conflito que, certamente, n?o escapava aos honestos filósofos do idealismo alem?o: novamente, de Kant a Hegel há uma aguda percepç?o do profundo problema (n?o somente epistemológico, mas também antropológico e inclusive “metafísico”) que lhe apresenta ? realidade humana, histórica, a separaç?o sujeito/objeto. Inclusive, ao menos em certo sentido, pode se dizer que tanto a Crítica da raz?o Pura de Kant como a Lógica de Hegel s?o tentativas monumentais de resolver esta quest?o. E já sabemos qual pode ser a raz?o, para Marx, do caráter parcialmente falido destes monumentos da filosofia moderna: seu idealismo. De fato: para estes grandes idealistas o conflito pertence ao puro e abstrato plano do pensamento, enquanto para Marx encontra sua “base material” no plano da realidade social e histórica, e, portanto n?o pode ser “superado” por nenhuma Aufhebung que n?o provenha da práxis, de uma transformaç?o conjunta da realidade e do pensamento.<br />
<br />
Isto n?o significa de maneira alguma que para Marx os conflitos do “pensamento” sejam um mero “reflexo” dos da “realidade” –como quiseram entender muitos “marxistas” que, neste registro, ficam reféns do materialismo mais vulgar–: isso equivaleria, precisamente, a liquidar o conceito de práxis. Justamente, entre muitas coisas que Marx resgata do idealismo alem?o, um lugar central está ocupado pela grande importância que esse idealismo alem?o –e, em particular, Hegel– outorga a uma subjetividade ativa, que n?o se resigna simplesmente em registrar os dados imediatos dos sentidos (como é o caso do empirismo ou do “sensualismo” materialista vulgar), mas também opera sobre eles para transformá-los. Essa operaç?o é a que está de alguma maneira “escondida” na celebérrima consigna de Hegel, t?o freqüentemente mal entendida, que reza: “Todo o real é racional, e todo o racional é real”: vale dizer, o real n?o consiste simplesmente na percepç?o acrítica do atualmente existente, mas também nas potencialidades de seu desenvolvimento futuro, que a raz?o “subjetiva” é capaz de trazer ? luz.<br />
<br />
Esse é o momento da negatividade crítica na dialética hegeliana: o da negaç?o do “real” tal como se apresenta em sua brutal imediaticidade, e a favor da produç?o do pensamento do “novo”, daquele que o real oculta em seu seio, e que pode ser mediatizado (arrancado de sua “imediaticidade”) pela raz?o. Ou seja, para abreviar, a favor da história –que, em uma concepç?o semelhante, n?o recobre unicamente a dimens?o do passado, mas sobretudo, a do futuro. Repetimos: essa “negatividade crítica” op?e-se ? aceitaç?o passiva do “realmente existente”, a um empirismo cru que n?o casualmente –porque a linguagem é sábia– adotará, em sua forma “reativa” (e reacionária) contra esta concepç?o criticamente negativa o nome de positivismo. E, neste sentido, a “teoria do conhecimento” implícita na dialética hegeliana, bem merece qualificar-se de potencialmente revolucionária. Contudo, a atualizaç?o desta “pot?ncia” choca, outra vez, com os limites de seu idealismo: a “revoluç?o” hegeliana limita-se ao plano do pensamento puro, já que parte da premissa de que é ele (sob a forma da Idéia, do Espírito Absoluto) o verdadeiro, sen?o único, protagonista da História. O “real” que o pensamento ativo pode contribuir para transformar é algo já produzido pelo próprio pensamento, sob a forma “objetiva” do Espírito. E é por este limite que, paradoxalmente, o monumental sistema filosófico e histórico de Hegel, indo inclusive contra suas próprias premissas, fica “congelado” no Estado Ético, encarnaç?o do Espírito na história terrestre, e transposiç?o “espiritualizada” do muito real Estado Prussiano de 1830.<br />
<br />
Fazia falta, pois, que viesse um Marx introduzir o já discutido critério da práxis material (social e histórica) para extrair desse núcleo potencial todas suas possibilidades n?o realizadas. Isso significava resgatar o “método” dialético hegeliano tanto como o materialismo vulgar do duplo impasse no qual estavam encerrados: pura Idéia sem aut?ntica materialidade sócio histórica de um lado, pura Matéria inerte sem movimento da subjetividade crítica do outro. A práxis era a “terceira excluída” entre estes dois pólos, que agora vem totalizar (já teremos ocasi?o de discutir esta noç?o que devemos a Sartre) essas perspectivas truncadas. <br />
<br />
A operaç?o realizada por Marx passou para a história sob a famosa rubrica da invers?o de Hegel –rubrica sem dúvida autorizada pela n?o menos famosa express?o de Marx acerca da necessidade de “pôr a dialética sob seus pés”. Porém, aqui é necessário sermos extremamente cuidadosos. O enunciado de Marx é, antes tudo, uma metáfora, solidária daquela outra segundo a qual os “atrasados” alem?es, incapazes de levar a cabo na realidade a revoluç?o burguesa que os franceses haviam feito em sua própria materialidade histórica de 1789, a haviam “realizado” na cabeça de seus filósofos, e muito especialmente na de Hegel. Porém, se esta metáfora é tomada com excessiva literalidade, corremos o risco de n?o perceber a enorme profundidade e radicalidade da operaç?o, que n?o consiste em uma mera “síntese” (no sentido vulgarizado do termo), em uma “terceira via” ou um acerto eclético entre a dialética idealista e o materialismo vulgar, sen?o em outra coisa, radicalmente diferente: introduzir a práxis na dialética n?o é inverter Hegel em uma relaç?o de simetricamente, mas sim deslocar completamente a quest?o, para mudar diretamente as regras do jogo.<br />
<br />
É certo que Althusser sem dúvida exagera ao falar de sua célebre “ruptura epistemológica” (de Marx com Hegel) como de um corte profundo e absoluto a partir do qual temos outros (o “maduro”) Marx, que n?o teria a ver com seu antigo mestre; depois de tudo –e poder-se-ia mostrar que a própria teoria althusseriana avaliza esta consideraç?o–, a “ruptura” seria por definiç?o impossível sem a prévia exist?ncia do sistema hegeliano: em certo sentido, pode-se dizer que o célebre “corte” é interior ? dialética, como uma dobra da mesma sobre si mesma. Entretanto, por outro lado –e aí tem raz?o Althusser, com as prevenç?es expostas– também é verdade que essa “dobra” desarticula todo o sistema e o “rearma” em um sentido muito distinto. Por uma simples raz?o: mudar o objeto da dialética –pela práxis material em lugar da Idéia, para simplificar– é mudar toda a estrutura do sistema, já que seria, precisamente, antidialético pretender que o “método” dialético fosse um tipo de pura forma ou de casca vazia que pudesse ser aplicado a qualquer objeto (e neste sentido, um pouco provocativamente, poder-se-ia dizer que Marx, estritamente falando, é mais hegeliano que Hegel, já que sua operaç?o “descongela” a própria dialética hegeliana, retirando o obstáculo idealista tanto como o do materialismo vulgar). N?o se trata, pois, de uma simples “invers?o” do objeto ou da relaç?o causa/efeito –na qual a Idéia fosse uma conseqü?ncia da Matéria, como quiseram os materialistas vulgares– mas também do “método” em seu conjunto, para passar a outro sistema de “causalidade”, cujo fundamento, reiteremos, é a práxis.<br />
<br />
Em uma palavra, e para resumir este nó de quest?es: Marx tenta resolver, mediante a introduç?o da práxis da história material como critério básico do “complexo” conhecimento transformador/transformaç?o conhecedora, o falso (ou, melhor: “ideológico”) dilema entre a Idéia sem matéria e a Matéria sem idéia. Porém, é claro, esta constataç?o está ainda longe de resolver –ou sequer de colocar adequadamente– todos nossos problemas para determinar a possibilidade de chegar a uma verdade “objetiva” que tem esta nova teoria do conhecimento. Teremos na continuaç?o que desenvolver ao menos algumas destas quest?es.<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>Da “consci?ncia de classe” ? “conting?ncia”</h4><br />
<br />
Acima insistimos sobre o modo como Marx resgata do idealismo alem?o (e muito especialmente de Hegel) o papel de uma subjetividade ativa e crítica na práxis da transformaç?o/conhecimento. Mas, de que classe de sujeito trata-se quando falamos desta “subjetividade”? Quem ocupa, nesta “revoluç?o teórica”, o lugar do Espírito “autocognoscente” hegeliano? Um marxista responderia, imediatamente e sem vacilar: o proletariado, essa classe universal da qual Marx fala. N?o é uma má resposta, na medida em que ao menos lança uma primeira pista sobre o caráter geral deste sujeito: n?o se trata de uma subjetividade individual e sim coletiva. Marx sai da perspectiva estritamente “individualista” que v? o sujeito como uma mônada encerrada em si mesma da qual falamos anteriormente. Todavia, por que precisamente o proletariado –e n?o, por exemplo, a fraç?o intelectual mais teoricamente avançada ou ilustrada da burguesia ou pequena burguesia (a qual pertencia o próprio Marx, e a imensa maioria dos filósofos e pensadores modernos, incluindo os mais “revolucionários”)? Acaso n?o sabemos, pelo mesmo Marx, que em virtude de sua própria exploraç?o o proletariado é uma classe “alienada”, e em conseqü?ncia incapacitada para alcançar por si mesma o Saber universal? E, para pôr-nos um pouco mais “filosóficos”: por que, em virtude de que privilégio especial teria uma parte da sociedade a capacidade “inata” de atingir o todo do conhecimento? Sendo uma categoria particular como pode o proletariado ser a classe universal?<br />
<br />
Estas perguntas s?o suficientemente complexas e provocativas para que avancemos com cuidado em um terreno movediço. Primeira quest?o: é necessário diferenciar, analiticamente, o proletariado como categoria teórica do proletariado como realidade sociológica, como coletivo humano “realmente existente”. No primeiro caso, define-se (o define Marx, classicamente) como aquela “classe” de homens e mulheres despossuídos de todo meio de produç?o, e t?o somente proprietários de sua força de trabalho, essa mercadoria que est?o obrigados a vender ao capitalista, e em conseqü?ncia produzir uma cota de mais valia para o dito capitalista, etc. No segundo, trata-se de uma realidade empírica extraordinariamente complexa e mutável, com um alto grau de determinaç?es concretas que variam de sociedade para sociedade, articulando-se com igualmente variáveis condiç?es sócio-econômicas, políticas, culturais e ainda psicológicas. A diferença entre ambos os registros é homóloga ? que faz o próprio Marx entre um modo de produç?o e uma formaç?o econômico-social. O modo de produç?o, assim como o proletariado enquanto categoria, s?o abstraç?es do pensamento; a formaç?o econômico-social, assim como cada proletariado particular, s?o realidades histórico-concretas. N?o é, obviamente, que n?o exista uma relaç?o entre a abstraç?o intelectual e o objeto histórico: s?o, por assim dizer, mutuamente includentes, “coextensivas”, porém, em diferentes registros do real. A confus?o entre ambas as formas só poderia conduzir aos mais aberrantes equívocos. (Como se compreenderá, n?o vamos nos meter aqui na bizantina discuss?o sobre se o proletariado continua existindo, em nosso “capitalismo tardio” e “globalizado”, tal como o pensou Marx, ou se é necessário redefini-lo totalmente ou inclusive dizer lhe “adeus” como fizeram alguns; já se verá que, aos efeitos do que nos interessam agora, esse debate é ocioso.)<br />
<br />
Desta forma: referir-se ao proletariado como classe universal é referir-se ? primeira destas duas formas, como deveria resultar óbvio: mal se poderia falar de uma universalidade, digamos, existencial ou empírica, muito menos de uma “equival?ncia”, entre o proletariado de Londres ou Copenhague e o de Addis Abebba ou Bogotá. Trata-se de determinar o lugar estrutural que o proletariado ocupa na configuraç?o lógica do modo de produç?o capitalista.<br />
<br />
Esse lugar, para diz?-lo rapidamente, é o da produç?o do mundo das mercadorias, que é o mundo da “realidade” capitalista. Ou, melhor dito (e aqui seguiremos de perto a célebre análise de Marx no capítulo I de O Capital): o mundo das mercadorias –o de sua exist?ncia acabada como objetos de circulaç?o e consumo– é o mundo imediatamente visível do capitalismo, mas ele n?o é tudo que há: ele é somente o resultado de um processo prévio que, em sua forma essencial, permanece “invisível aos olhos”. A saber: o processo de produç?o propriamente dito fez possível a exist?ncia do mundo visível. Para fazer outra comparaç?o simples: o que se v? é a obra que se representa no palco, porém essa peça teatral n?o existiria se n?o tivesse existido todo um complexo processo prévio (a escritura do texto, o desenho da cenografia e do vestuário, a “posta em cena”, a direç?o e marcaç?o dos atores, os ensaios, etc.), essa esfera das relaç?es de produç?o da qual Marx fala, que é onde verdadeiramente produziram-se as condiç?es de exist?ncia do capitalismo “visível” (começando pela mais valia, que somente será realizada na esfera da circulaç?o: porém, n?o foi aí gerada).<br />
<br />
Vale dizer: a totalidade do real visível somente pode aparecer como tal totalidade precisamente porque está incompleta, porque deixa “fora da cena” aquele “trabalho” que lhe dá exist?ncia. O conhecimento da totalidade implicaria, pois, na restituiç?o ao “Todo” dessa “Parte” que é, como dizíamos, imediatamente n?o-visível. Contudo, precisamente, como essa parte n?o é perceptível pelos sentidos, somente pode ser reposta por mediaç?o da raz?o (da mesma maneira, digamos, que Copérnico ou Galileu tiveram de acudir ? raz?o, ao cálculo matemático, para demonstrar a verdade cosmológica contra a falsa evid?ncia empírica de que o sol “nasce” no leste e se “p?e” no oeste). Isso é precisamente o que significa a enigmática frase de Althusser que citávamos no começo: é a realidade que é “falsa”, n?o no sentido de que seja falso o que vemos (o sol efetivamente “nasce” no leste, o capitalismo efetivamente contém as esferas de circulaç?o e consumo), mas sim no sentido de que isso que vemos é apenas uma parte da realidade –é um efeito, mas n?o a causa em si mesma, do processo completo em que consiste a realidade. Nossos sentidos n?o nos “enganam”, entretanto n?o s?o suficientes.<br />
<br />
Porém, se ficássemos simplesmente com isto, estaríamos de volta ao lugar em que havíamos deixado Hegel: o de uma “Raz?o” auto-suficiente e plenamente autônoma, capaz por si mesma de “despejar”, no puro plano das idéias, os enigmas do mundo. Novamente, para entender a especificidade do conhecimento na teoria de Marx é necessário reintroduzir o critério da práxis. Somente a atividade transformadora, em um sentido muito amplo do termo, pode gerar o tipo de raciocínio que seja capaz de captar a relaç?o de tens?o ou de conflito n?o resolvido entre a (falsa) totalidade aparente apresentada pelo capitalismo e o (invisível aos olhos) processo de produç?o do real. Somente essa atividade transformadora, que inclui a “subjetividade crítica”, pode realizar o processo de totalizaç?o do real.<br />
<br />
Desta forma, quem, que coletivo social dos existentes no capitalismo, realiza, por definiç?o, essa atividade transformadora, esse trabalho produtor do “novo”, que pode postular-se como modelo “universal” de um conhecimento baseado na práxis? O proletariado, obviamente. É ele que está diretamente vinculado, de maneira protagônica, ao processo de produç?o do real, e quem, portanto, está em condiç?es de conseguir um potencial conhecimento do Todo. Entretanto, atenç?o: outra vez, estamos falando aqui do proletariado enquanto categoria teórica. O proletariado “realmente existente”, já sabemos, está alienado, prisioneiro da cis?o sujeito/objeto, etc. É –para retomar uma terminologia que Marx herda também de Hegel– uma classe em si, mas n?o ainda para si. De maneira que quando falamos do “proletariado” como sujeito da práxis transformadora/conhecedora, estamos falando n?o de um coletivo empírico, mas sim de uma classe, que é (como seu nome indica), uma construç?o teórica. O “proletariado” real transforma o mundo, faz, sem “saber” que o faz. Por sua vez, o “intelectual crítico” –inclusive um como Marx– “sabe” o que o proletariado faz, mas n?o pode ocupar seu lugar como sujeito da transformaç?o: ao cabo pode, metaforicamente, imitar em sua cabeça o trabalho de transformaç?o que o proletariado realiza sobre a matéria (“imitar”, no sentido aristotélico da mimesis: reproduzir a lógica do trabalho da “natureza”, que segundo Aristóteles é o que faz o artista; porém, é claro, a obra de arte n?o é, n?o pode confundir-se com, a natureza).<br />
<br />
Isto é de grande importância que fique claro, em primeiro lugar por raz?es políticas, já que a supress?o da diferença entre a práxis do proletariado e o “saber” intelectual produziu as deformaç?es de um vanguardismo “substituísta” que em seu momento deu no stalinismo e similares. Em uma palavra: o “intelectual crítico” tem, sem dúvida, o importante papel de antecipar no plano das idéias a passagem do em si ao para si, colocando-se no ponto de vista do “proletariado” (que é, justamente, o da práxis), e essa é sua diferença radical com o intelectual “burgu?s”, no qual “burgu?s” n?o se refere necessariamente a um pertencimento empírico ? dita classe social –ainda que seja a mais provável– e sim ? posiç?o “burguesa” frente ao conhecimento, da que em seguida falaremos.<br />
<br />
Porém, antes é necessário esclarecer algo fundamental, sob risco de cair em excessivo reducionismo ou inclusive “sectarismo”: o “intelectual crítico” n?o necessita indispensavelmente ser consciente de que está realizando esse trabalho mimético que reproduz a lógica da práxis; obviamente, é preferível que o seja, mas o que realmente importa é o que faz do ponto de vista intelectual. Como Marx costumava dizer, os homens devem ser julgados pelo que fazem e n?o pelo que pensam de si mesmos: isso vale tanto para os autoproclamados “intelectuais críticos” que inconscientemente assumem, em sua própria prática intelectual, o “ponto de vista” da “burguesia”, como vice-versa. Assim, nada disto significa que o intelectual “burgu?s” n?o possa produzir conhecimentos aut?nticos: somente –o que n?o é pouco– significa que esses conhecimentos ser?o um momento, e n?o a “totalidade”, de um conhecimento “totalizador” do real. E aqui é imprescindível adiantar sucintamente uma quest?o que nos tornará a ocupar mais adiante: totalizador n?o significa de modo algum, totalizante. N?o se trata da ilus?o hipererudita de saber tudo sobre os “conteúdos” da realidade (aspiraç?o utópica se as há), mas sim do estabelecimento de uma lógica –baseada na práxis– de produç?o dos mecanismos de saber.<br />
<br />
Assim, procuramos estabelecer, ainda que esquematicamente, a diferença específica (assentada sempre sobre o critério da práxis) do método de Marx com relaç?o ao de Hegel e da teoria do conhecimento “burguesa” em geral. Deve ficar claro, mais uma vez, que esta última n?o é “burguesa” por sua origem empírica de classe (nesse sentido, também o era Marx), e sim por sua posiç?o “objetiva” frente ao conhecimento. Esperamos ter esclarecido também que o que o “intelectual crítico” pode fazer é t?o somente (ainda que muito importante) antecipar a passagem do em si ao para si (a passagem da exist?ncia ? “consci?ncia” de classe, ainda que logo devamos discutir esta última noç?o), passagem que n?o pode “substituir”, sen?o que o proletariado deverá realizar por meio de sua própria práxis coletiva e autônoma. E, finalmente, que é o proletariado que, por meio dessa práxis e graças a ela, está potencialmente em condiç?es de alcançar esse conhecimento “universal”, ainda que n?o possa atualmente faz?-lo; porém isso, obviamente, n?o é uma condenaç?o in aeternum, e sim uma situaç?o histórico-concreta. Ao cabo, na mais pessimista das hipóteses, se poderá pensar que esse conhecimento “totalizador” n?o é possível; mas, se fosse possível, somente o seria desta maneira, ao menos na hipótese (bastante menos pessimista, por certo) de Marx. E, em todo caso, a hipótese pessimista –como pode ser, por exemplo, o caso da Escola de Frankfurt e particularmente de Adorno, que com plena consci?ncia de sua formulaç?o paradoxal fala de um “marxismo sem proletariado” – parte da base de que esta é a única possibilidade: daí sua enérgica pol?mica com toda forma de positivismo, para o qual (ainda em suas variantes mais sofisticadas) a “realidade” somente é o que é, e n?o o que pode ser quando é submetida ao “juízo” da práxis, mediatizada e antecipada pela raz?o crítica. E finalmente, antes de prosseguir, aclaremos também (logo teremos que avançar sobre o tema) que o fato de que o “intelectual crítico” n?o possa substituir a práxis do “proletário” n?o significa que seu trabalho de interpretaç?o do real –esse momento relativamente autônomo do conhecimento crítico– n?o possa produzir conhecimento por si mesmo.<br />
<br />
Um autor marxista que viu agudamente a quest?o é o Lukács de História e consci?ncia de classe. Por que –pergunta-se Lukács essencialmente– n?o é capaz o “burgu?s” de atingir este plano “totalizador” de conhecimento? Note-se que a pergunta é por que n?o pode, e n?o por que n?o quer. Eis aqui onde se reintroduzir o problema, nada simples, da ideologia que obstaculariza esse acesso ao “universal”. Ideologia que, por definiç?o, é “inconsciente”. N?o se trata de nenhuma conspiraç?o, nem de nenhum planejado engano. Trata-se, novamente, da posiç?o de classe, do “ponto de vista” condicionado n?o tanto por um pertencimento ? classe “burguesa” e suas concepç?es do mundo, mas sim por uma identificaç?o (n?o necessariamente “interessada”) com elas. Este “ponto de vista” é, por assim dizer, impessoal: está determinado “em última instância” pela própria estrutura lógica do funcionamento da sociedade capitalista e pelo tipo de conhecimento que ela implica, e que como vimos, é necessariamente fragmentado: o “burgu?s” n?o necessita saber nada sobre a práxis, no sentido amplo que aqui vimos tratando. Mais ainda: necessita n?o saber sobre ela, des-conhec?-la (que n?o é o mesmo que “ignorá-la”), posto que tomar plena “consci?ncia” do processo de produç?o em sentido genérico (isto é, definitivamente, da história, que, como dissemos, é antes de tudo o movimento, “informado” pelo passado, da transformaç?o para o futuro) o obrigaria a admitir, a rigor de honestidade intelectual, que essa transformaç?o indetível e a produç?o de conhecimento baseado nela pode eventualmente varrer com seu próprio lugar de “classe dominante”, o qual resulta subjetivamente intolerável e objetivamente disfuncional ao sistema, daí que n?o possa saber nada com isso (como disse ironicamente Marx, a burguesia sempre soube perfeitamente que havia tido História... até que ela chegou).<br />
<br />
Portanto, no raciocínio de Lukács a “cultura burguesa” situa-se frente ao mundo em uma posiç?o estática e contemplativa (o que mais tarde Marcuse chamará uma cultura afirmativa do real): em posiç?o, por assim dizer, consumidora e n?o produtora do real. No fundo, o que a “burguesia”, para poder sustentar com convicç?o seu lugar de classe dominante, n?o pode saber, é como o “real” chegou a ser o que é (dito mais “tecnicamente” desde o capítulo I de O Capital, o que a “burguesia” n?o pode saber é que coisa é... a mais valia; porém aqui, ent?o, podemos apreciar toda a dimens?o filosófica que tem o descobrimento por Marx desse sintoma –como o chama Lacan– do capitalismo).<br />
<br />
Daí Lukács extrai sua crítica ao núcleo da teoria do conhecimento de Kant, o “pai fundador” da grande tradiç?o idealista alem?. Como se recordará –sem dúvida teremos que simplificar–nessa teoria os a priori do entendimento (categorias “inatas” como as de tempo e espaço, por exemplo) fazem com que o Sujeito Transcendental kantiano (o “Homem” abstrato como tal, sem determinaç?o histórico-concreta alguma) seja perfeitamente capaz de conhecer todos os fenômenos do Universo, mas n?o de conhecer por que há fenômenos, qual sua origem última, qual é o noumeno ou “coisa em si” que produziu a exist?ncia do real, e que em si mesmo permanece estritamente “incognoscível”, é um limite absoluto para o entendimento. Assim, Lukács, sem dúvida de maneira provocativamente redutora, mas n?o por isso menos gráfica, responde simplesmente: a “coisa em si” é... o capitalismo. Obviamente o “burgu?s” –que n?o é nenhum Sujeito “Transcendental” e sim um sujeito histórico, condicionado pela situaç?o igualmente histórica da posiç?o que ocupa na estrutura de dominaç?o– n?o pode conhecer acabadamente essa “coisa em si” porque, conforme já vimos, isso significaria, ao menos como possibilidade, o questionamento de sua própria “particularidade” histórica, que ele prefere crer que é “universal”, e, portanto eterna.<br />
<br />
Assim: o que vale para o “burgu?s”, n?o vale também para o “proletário”, ao menos enquanto dure sua alienaç?o? É claro que sim. Porém, com esta diferença decisiva, que já mencionamos: ao estar diretamente (ainda que também “inconscientemente”, por assim dizer) vinculado ? práxis, o “proletário” n?o pode n?o perceber (mesmo que possa momentaneamente “des-conhecer”) que o mundo do real é o resultado de um processo de produç?o, e n?o de uma enigmática “coisa em si”. É sua posiç?o de sujeito (sujeito efeito de um processo histórico, e n?o “transcendental”) o que –potencial e tendencialmente– lhe permitirá –ao contrário do que ocorre com o “burgu?s”– sair dessa alienaç?o. Como? Fazendo-se, a si mesmo, “proletário”. <br />
<br />
Aqui é onde é necessário reintroduzir a dialética do em si/para si com o objetivo de explicar um aparente paradoxo. O proletário, disse Lukács, enquanto sua situaç?o histórico-concreta o reduz a pura força de trabalho –isto é, a “mercadoria”– começa por viver a si mesmo como objeto (como um puro “em-si”), e tem que transformar-se em sujeito (em “para-si”). Vale dizer que, na mesma medida e pelo mesmo movimento da práxis pela qual o “proletário” conhece a matéria que está transformando, se conhece a si mesmo, aplicando o critério de que somente a transformaç?o (da matéria/de si mesmo) permite atingir o verdadeiro conhecimento; enquanto que o “burgu?s”, que viveu sempre já como sujeito “diferenciado” do mundo do real (como “indivíduo”), n?o pode transformar-se em nenhuma outra coisa. Ironicamente –se aceitamos o que dissemos a propósito de que a história é fundamentalmente impulso para o futuro– se poderia dizer que o “burgu?s” tem raz?es quando diz que a história “acabou”. Só que é necessário especificar: foi a sua história que terminou, posto que já n?o pode ir a nenhum futuro.<br />
<br />
Ademais –dito de passagem–, esse raciocínio demonstra que Marx (ao menos nesta leitura lukácsiana) é um pensador muito mais radical que os assim chamados “pós-estruturalistas” contemporâneos. De fato, estes criticam no marxismo um “reducionismo de classe” segundo o qual o sujeito “proletário” seria uma espécie de ess?ncia ontológica pré constituída, definida por seu lugar estrutural nas relaç?es de produç?o. E sem dúvida, tem raz?o em relaç?o a muitos dos marxismos economicistas ou “transcendentalistas” que proliferaram. Porém, equivocam-se de ponta a ponta no que diz respeito ao próprio Marx. Se o “proletário” começa por estar constituído como objeto (em-si), e logo tem que constituir-se a si próprio como sujeito (para-si) em um processo de (auto)produç?o que somente pode estar “completo” no momento do “comunismo” –vale dizer da “sociedade sem classes”, na qual portanto a “subjetividade diferencial” do “proletário” dissolve-se como tal–, n?o está claro ent?o que o “proletário” nunca é um sujeito “pleno”, e sim um sujeito que está sempre em processo inacabado (“in-finito”) de constituiç?o, satisfazendo assim as mais rigorosas normas do antiessencialismo pós-estruturalista? N?o que este debate importe muito, entretanto valia a pena uma refer?ncia marginal para despejar certos (?s vezes interessados) equívocos.<br />
<br />
Da mesma maneira, a lógica da mediaç?o da qual falamos faz um instante (e da qual a passagem do em-si ao para-si é um novo exemplo) n?o é necessariamente oposta ? articulaç?o pela “conting?ncia”, como tende a sustentar ?s vezes Laclau, entre outros. O segredo aí é a noç?o althusseriana de sobredeterminaç?o (que o próprio Laclau cita elogiosamente), extraída da psicanálise de Freud, e segundo a qual um elemento n?o predeterminado da situaç?o (política, social, histórica) pode aparecer “inesperadamente” para articular o processo de mediaç?o “totalizadora”. Todavia, isto t?o somente significa que: a) esse elemento “contingente” poderia n?o aparecer; b) que, quando aparece, n?o é porque uma “necessidade prévia” o fez aparecer: sua emerg?ncia pode ser perfeitamente casual; e c) que a articulaç?o específica produzida por esse elemento, e seus resultados futuros, n?o podem ser previstos matematicamente: a articulaç?o abre um campo múltiplo (ainda que n?o ilimitado) de possibilidades. <br />
<br />
Porém, n?o se trata de um jogo de puro azar (“conting?ncia”, neste sentido, quer dizer simplesmente que n?o estamos falando de um férreo princípio da natureza como, digamos, a lei da gravidade: a qual, se estamos tratando do campo da práxis humana, é uma obviedade): o elemento “contingente” que consegue articular uma “totalizaç?o” pode n?o aparecer, mas quando aparece, n?o é qualquer, nem se “engancha” de qualquer maneira na articulaç?o. Existem leis “tendenciais” da história que por assim dizer convocam certas “conting?ncias” e n?o outras, além de que elas apareçam ou n?o. Que na cabeça de Newton caísse uma maç? quando estava tirando sua sesta é, obviamente, uma conting?ncia que poderia n?o ter sucedido. Porém, que Newton associasse esse fato com uma série de leis físicas que lhe fizeram descobrir o princípio da gravidade dos corpos n?o é uma ocorr?ncia casual: as leis físicas existem independentemente de que naquele dia e hora caísse a maç?. Que L?nin encontrasse um trem blindado que o conduzisse de volta a Rússia para se pôr ? frente da revoluç?o é uma conting?ncia. Sem dúvida, pode-se supor que o desenvolvimento da revoluç?o tivesse sido distinto se L?nin n?o tivesse chegado, mas as “leis” (muito mais “tendenciais” que as de Newton, o admitimos) da situaç?o política que conduziu ? revoluç?o n?o dependiam da viagem de L?nin. Em uma palavra: a lógica da “mediaç?o” n?o é que se oponha ? “conting?ncia”, e sim que pode haver uma lógica da mediaç?o da conting?ncia. Precisamente por isso o marxismo (o de Marx, para começar) n?o é um determinismo: porque –ao contrário do que ocorre na dialética idealista de Hegel– n?o há uma Totalidade determinada de antem?o pelo Conceito, e sim que a materialidade dos fatos históricos pode articular diferentes (porém n?o qualquer) processos de mediaç?o totalizadora.<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>Da “hermen?utica da suspeita” ? interpretaç?o crítica</h4><br />
<br />
Tendo admitido que o “modelo” marxista para a produç?o de conhecimento é o da práxis do “proletário”, procedamos agora a descrever como é o funcionamento lógico desse modelo transposto ? práxis específica do “intelectual crítico”. O pano de fundo “filosófico” dessa lógica é o que Paul Ricoeur, celebremente, chamou a “hermen?utica da suspeita” (Ricoeur, igual a Foucault, Althusser, Roland Barthes e outros, colocam sob essa rubrica “intelectuais críticos” paradigmáticos como Marx, Freud ou Nietzsche). Vale dizer: a atitude sob a qual –como explicamos acima– eu suspeito que a “totalidade” do real n?o é o que posso perceber dela a simples vista, e que as explicaç?es sobre o real sempre podem ser submetidas a uma nova interrogaç?o, já que elas n?o “caem por seu próprio peso” (como a maç? de Newton), e sim s?o construç?es histórico-concretas que est?o consciente ou inconscientemente sobredeterminadas pela ideologia, os interesses dos grupos de poder (e também, como n?o, a identificaç?o “alienada” dos grupos oprimidos com a ideologia dominante), etc. Uma das funç?es objetivas centrais dessas explicaç?es “naturalizadas” é a de construir consenso (essencial para a “hegemonia”, em sentido gramsciano) em torno a, no limite, da estrutura própria do real. A tarefa do “intelectual crítico” é, portanto desmontar essas construç?es para demonstrar que nada tem de “naturais”, mas sim que s?o parciais e “contingentes”, no sentido antes aludido.<br />
Isso sup?e, por outro lado, certa teoria do simbólico. Já dissemos que o ser humano relaciona-se com (e organiza a) sua realidade por meio da mediaç?o simbólica (começando pela própria linguagem). <br />
<br />
Porém, podem existir –simplificando muito– duas grandes teorias do simbólico (e, portanto, da interpretaç?o da realidade): <br />
<br />
<br />
<br />
1] Eu posso pensar que o símbolo –no sentido mais amplo possível do termo– é um “véu”, uma “máscara”, um “disfarce” que oculta ou obstaculariza a vis?o prístina de uma verdade “essencial”, “originária”, “natural”, eterna e incomovível, chamada a palavra de Deus, a “coisa em si” kantiana, ou o que se queira. Neste caso, a interpretaç?o consistirá simplesmente –e n?o que seja um processo simples, por certo– em retirar o véu ocultador para revelar (vale a express?o) esse “objeto” originário que me era ocultado. A Verdade impor-se-á ent?o com toda sua “força de Lei”, e nada poderei fazer para questioná-la. A este estilo de interpretaç?o (característico, por exemplo, da hermen?utica bíblica tradicional) chamaremos interpretaç?o passiva, já que ao que ela conduz n?o é a produç?o de um novo conhecimento, mas sim a restauraç?o de uma “realidade” que na verdade sempre “esteve ali”, só que deformada pela máscara simbólica.<br />
<br />
2] Eu posso pensar (como o fazem Marx, Freud ou Nietzsche, para citar somente esses paradigmas modernos) que n?o há tal verdade eterna e originária, sen?o que o que aparece como um “objeto natural” é o produto de um processo de produç?o, ou, para nosso caso, de uma construç?o simbólica e histórico-concreta. Atrás do “símbolo”, portanto, n?o encontrarei o objeto puro e duro e sim outro “símbolo”, e logo outros e outros indefinidamente. N?o é que n?o haja “objetos” (trata-se de uma perspectiva materialista), e sim de que esses objetos tenham sido utilizados como “conting?ncias” para a construç?o de configuraç?es simbólicas que servem para explicar de certa maneira o mundo do real. S?o, em uma palavra, o resultado de uma práxis, e n?o ess?ncias eternas. A “interpretaç?o”, neste caso, consiste em interrogar criticamente essas construç?es simbólicas para mostrar –inclusive para produzir– seus vazios, seus “buracos de sentido” (posto que n?o s?o Verdades eternas, nunca est?o plenamente completas, n?o podem, ao contrário da “teologia”, explicar tudo), e ent?o, construir, produzir um sentido novo sobre esses “brancos” ou aus?ncias. É claro que esse novo sentido poderá por sua vez ser submetido a interrogaç?o, precisamente porque o conhecimento assim construído é uma “verdade” histórica , e n?o “natural” (e isso vale também para o marxismo, que n?o é uma verdade eterna, e sim corresponde a determinadas condiç?es históricas: principalmente, a exist?ncia do modo de produç?o capitalista, do qual o marxismo é seu conhecimento crítico). Este estilo de interpretaç?o, ent?o, o chamaremos interpretaç?o ativa, já que nela n?o se trata de restaurar um objeto que preexistia ? interpretaç?o, mas sim de produzi-lo como objeto da práxis do conhecimento/transformaç?o (como já dissemos, o marxismo produz o “objeto” modo de produç?o capitalista pelo mesmo movimento pelo qual briga para transformá-lo: outra vez, estamos no núcleo da tese XI sobre Feuerbach).<br />
<br />
<br />
Como disse Foucault graficamente, se este “método” é como o descrevemos, toda interpretaç?o (crítica e ativa) n?o é uma interpretaç?o da “realidade” (no sentido vulgar, n?o dialético, do termo) e sim uma interpretaç?o de uma interpretaç?o: os “objetos” da realidade que se apresentam a nossa consci?ncia já s?o produtos de “interpretaç?es” históricas. Por exemplo: Freud (ou qualquer psicanalista) n?o interpreta o sonho do paciente (como poderia o psicanalista ter acesso a um sonho alheio? Onde poderia “v?-lo”?): o que interpreta é o relato que o paciente faz de seu sonho, relato que já constitui certa “interpretaç?o” prévia. Da mesma maneira, Marx n?o interpreta a “sociedade burguesa”: o que Marx interpreta é a interpretaç?o “burguesa” da sociedade (por isso o subtítulo do Capital é Crítica da Economia Política), isto é, a construç?o simbólica (e obviamente, ideológica) que a “burguesia” produziu sobre sua própria práxis. E qual é o tensor, a alavanca última desta interpretaç?o crítica? Já o adiantamos: a interrogaç?o da suposta “Verdade eterna” enquanto ela é “suspeita” de ser por sua vez uma construç?o histórico-ideológica.<br />
<br />
O que significa que Marx n?o vem, digamos, de Marte, com uma teoria completamente distinta e alheia ? da (neste caso) economia “burguesa”, e se limita a chutar fora do tabuleiro uma interpretaç?o e substituí-la por outra. Isso seria um mero ato de força, e n?o uma práxis crítico-hermen?utica. O que faz Marx é começar por aceitar o “texto” da economia burguesa como verdade parcial e logo a interrogar seus “sil?ncios” ou suas inconsist?ncias. Por exemplo: Marx n?o disse que a teoria do valor (essa teoria que n?o é inventada por Marx, mas que já está em Smith ou Ricardo) seja falsa: ao contrário, justamente porque é “verdadeira” –no sentido já dito de que corresponde a certa condiç?o histórica– a interroga até as últimas conseqü?ncias (lhe pergunta, por exemplo, de onde sai o lucro do capitalista, como é possível o processo de acumulaç?o/reproduç?o do capital) e descobre que n?o pode responder satisfatoriamente todas as perguntas que as próprias premissas da teoria desperta. Construindo sobre esses “vazios” da economia clássica é que Marx produz sua própria teoria, sua própria interpretaç?o crítica do capitalismo, baseada no descobrimento de, entre outras coisas, a mais valia. O que Marx faz é pois o que Althusser chama uma leitura sintomática do “texto” da economia burguesa clássica: com uma lógica de leitura semelhante ? da psicanálises (que é, certamente, de onde Althusser extrai a express?o “sintomática”), Marx interpreta, por assim dizer, os lapsos, os “atos falhos”, as inconsist?ncias da economia clássica, e é essa própria práxis hermen?utica a que lança como resultado uma nova teoria mais acabadamente explicativa do funcionamento do capitalismo.<br />
<br />
Entretanto, atenç?o: quando dizemos que Marx interpreta o “texto” (em um sentido metafórico muito amplo do termo) da economia clássica, n?o estamos de modo algum caindo nessas concepç?es “textualistas” mais ou menos pós-modernas que pretendem que toda a realidade seja uma espécie de textualidade sem “lado de fora”, e infinitamente “desconstruível”. No limite, esta concepç?o conduz a uma nova e sofisticada forma de idealismo que p?e todo o peso da interpretaç?o em uma subjetividade crítica trabalhando sobre um mundo puramente “fictício”, sem referentes materiais. Esta posiç?o, que já seria discutível ainda que tolerável no campo, por exemplo, da teoria literária e estética, é a nosso ver indefensável no das estruturas e processos sociais e históricos. Obviamente, a interpretaç?o crítica é também, e antes de tudo, uma operaç?o intelectual e teórica, com um importante grau de autonomia (“relativa”), porém os objetos de sua leitura sintomática –sobre os que em seguida diremos algo mais– n?o podem ser considerados, nem sequer de maneira metafórica, como exclusivamente “fictício”. N?o nos é oculto que na passagem ? escritura (incluída a mais complexa “teorizaç?o”) da análise desses objetos há sempre uma cota, de peso variável segundo os casos, de “ficcionalidade”: as hipóteses das quais se parte s?o, em um sentido lato, “ficç?es” teóricas, e ademais as estruturas retóricas, estilísticas e inclusive sintáticas da exposiç?o de uma teoria compartilham muitos de seus traços mais básicos com as obras de ficç?o. Porém, a diferença fundamental é que uma obra de ficç?o, mesmo a mais “realista” das novelas, parte da construç?o de um “cenário” de enunciaç?o imaginária, enquanto que o tratado teórico deve começar por supor, ao menos, uma materialidade “independente” sobre a qual operou o simbólico em geral, e as “interpretaç?es” que se est?o submetendo a leitura crítica em particular, além de que –como dizíamos acima– nenhum objeto último e originário seja realmente alcançável (justamente porque foi submetido desde sempre ?s transformaç?es da interpretaç?o). <br />
<br />
Precisamente, uma tarefa central da “leitura sintomática” (e da crítica ideológica) consiste em discriminar, até onde for possível, as relaç?es entre realidade e ficç?o nas teorias. Isto é o que marca o limite da interpretaç?o: de outra maneira, qualquer interpretaç?o, n?o importa qu?o arbitrária ou caprichosa, seria igualmente legítima. Isto n?o é assim para Marx: tudo o que dissemos até aqui aponta para mostrar que se há interpretaç?es melhores que outras, mais “totalizadoras”, no sentido de que permitem reconstruir com maior precis?o ou funcionamento de uma “realidade” (para nosso caso, a das estruturas do capitalismo), descartando as interpretaç?es consciente ou inconscientemente “falseadas”, interessadas, ideológicas, etc.<br />
<br />
Tudo isso tem conseqü?ncias da máxima importância. Para começar, a leitura sintomática –tal como Althusser a identifica em Marx– constitui em si mesma um método de produç?o de conhecimento, na medida em que descobre uma particular lógica da práxis interpretativa. Levado ao seu extremo, isto significa que ainda quando se descobrisse (como alguns v?m tentando faz?-lo há muito tempo) que n?o há tal coisa como a “lei do valor” ou a “mais valia” –cuja análise por parte de Marx é, como vimos, o paradigma de leitura sintomática– a dita lógica seguiria sendo a mais eficaz para interpretar criticamente a realidade e seus “textos” segundo o modelo da práxis .<br />
<br />
Porém, aqui poderia interpor-se uma objeç?o: n?o havíamos dito, em nossa discuss?o da diferença de Marx com Hegel, que uma mudança de objeto conduzia indefectivelmente a uma transformaç?o no “método”? Sem dúvida, mas o que sucede é que há diferentes níveis de definiç?o do “objeto”: a análise de um objeto “particular” (ponhamos: a mais valia) permite, por assim dizer, o descobrimento de um “objeto” conceitual mais abarcador (ponhamos, a noç?o de que é restituindo a contradiç?o entre o particular-concreto “mais valia gerada pela força de trabalho” e o universal-abstrato “equival?ncia geral” que se descobrirá o “segredo” escamoteado da lógica do capitalismo) que conduz ? formulaç?o de uma hipótese universal-concreta (suponhamos que aquele que aparece como uma “Totalidade” ideológica extrai sua eficácia da operaç?o que escamoteia o “particular” que lhe permite funcionar, mas que é irredutível e a “Totalidade”, de tal maneira que é denunciando essa operaç?o como a interpretaç?o crítica pode produzir novo conhecimento sobre a realidade). Porém, ao final deste recorrido inevitável, é este último universal-concreto que se transformou no verdadeiro objeto da interpretaç?o, no sentido de que a partir dele pode construir-se uma posiç?o crítico-hermen?utica para ler “sintomaticamente” a realidade.<br />
<br />
E o fato (sobre o qual nos permitiremos insistir) de que o modelo desta metodologia seja a práxis social-histórica do “proletariado” tem uma segunda conseqü?ncia decisiva –que excede, como estrita lógica do conhecimento, ? exist?ncia ou n?o de um proletariado “empírico” –: trata-se de um método que, além de que seja “aplicado” pelo intelectual crítico individual, tem um substrato social-histórico, “coletivo”, mediatizado por aquela práxis. E ainda assim, a interpretaç?o crítica “individual” é somente um momento do processo de conhecimento/transformaç?o do mundo. Poucas vezes foi posto o acento, que seja de nosso conhecimento, em que uma semelhança lógica fundamental entre o marxismo e a psicanálise seja o fato evidente de que ambos s?o modos de produç?o de conhecimento nos quais a aç?o transformadora se realiza sempre na interaç?o com um “Outro” (o proletariado para Marx, o paciente para o psicanalista). Porém, inclusive sem necessidade de apelar a esta comparaç?o, recorde-se a idéia gramsciana de que os homens, potencialmente, s?o todos “filósofos”: é a reorganizaç?o de seu “sentido comum” pela práxis –e n?o a inculcaç?o exterior de uma teoria por melhor que seja– a que “atualizará” essa pot?ncia.<br />
<br />
Tudo o que acabamos de dizer deveria ent?o permitir uma leitura mais ajustada desse ensaio “metodológico” do marxismo por excel?ncia que é a famosa Introduç?o de 1857 aos Gundrisse. De fato, no apartado intitulado “O método da economia política” diz claramente Marx: <br />
<br />
<br />
<br />
<cite>Se começasse, pois, pela populaç?o, teria uma representaç?o caótica do conjunto e, precisando cada vez mais, chegaria analiticamente a conceitos cada vez mais simples; do concreto representado chegaria a abstraç?es cada vez mais sutis até alcançar as determinaç?es mais simples. Chegado a este ponto, haveria que empreender a viagem de retorno, até dar de novo com a populaç?o, porém desta vez n?o teria uma representaç?o caótica de um conjunto sen?o uma rica totalidade com múltiplas determinaç?es e relaç?es [...] Este último é, manifestamente, o método científico correto. O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinaç?es, portanto, unidade do diverso. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, n?o como ponto de partida, ainda que seja o efetivo ponto de partida, e, em conseqü?ncia, o ponto de partida também da intuiç?o e da representaç?o. No primeiro caminho, a representaç?o plena é volatilizada em uma determinaç?o abstrata; no segundo, as determinaç?es abstratas conduzem ? reproduç?o do concreto pelo caminho do pensamento (Marx, 1976, parte I, parágrafo 3).</cite> <br />
<br />
Pois bem: observe-se, em primeiro lugar, que Marx termina o parágrafo anterior falando de uma re-produç?o do concreto no processo do pensamento: sem nenhuma dúvida, está aludindo ? maneira pela qual a interpretaç?o crítica re-produz (volta a produzir, em outro plano) a práxis social-histórica, que é seu modelo. O resultado desse processo é uma “síntese de múltiplas determinaç?es”, uma “unidade do diverso”: contudo, n?o se trata de uma síntese puramente “abstrata”, no sentido de que esteja vazia de “particulares-concretos”; é uma abstraç?o (posto que n?o é o “objeto” enquanto único e singular) mas que conserva as determinaç?es particulares do objeto, que entram em tens?o com a “universalidade” do conceito. Ademais, superado o “caos” das representaç?es/intuiç?es iniciais (pura acumulaç?o de “particulares concretos” sem organizaç?o nem sentido) tanto como o mero “universal-abstrato” (puro pensamento genérico sem determinaç?es concretas).<br />
<br />
Finalmente, devemos chamar a atenç?o sobre o fato de que Marx n?o se priva de utilizar o conceito de totalidade. Isto é de capital importância hoje, na discuss?o com os “pós-estruturalistas” e/ou “pós-modernos” (porém também, no mesmo lado da barricada por assim dizer, com certas formas dos estudos culturais, pós-coloniais, multiculturalistas e ainda do feminismo) que recusam de cheio e sem matizes essa noç?o, confundindo-a com o “essencialismo” e inclusive com o “totalitarismo” ou o “fundamentalismo” de um pensamento do Absoluto. Desgraçadamente, nesta recusa costuma-se cair em um relativismo extremo ou em um “particularismo” que é, no fundo, uma forma mais elaborada desse “caos” de representaç?es puramente singulares e justapostas sem hierarquia, o qual costuma ser tanto teórico como politicamente ineficaz (quando n?o diretamente daninho para a própria causa que se pretende defender).<br />
<br />
Porém, a “totalidade” marxista n?o pode de modo algum confundir-se com aquela caricatura, que melhor corresponde ? falsa totalidade adorniana, vale dizer uma abstraç?o vazia, um “equivalente geral” que esconde a determinaç?o particular-concreta que mostraria a contradiç?o, o conflito interno ? suposta “totalidade”. Do qual fala Marx é precisamente desta “totalidade” aberta e, portanto, sempre provisória, que é uma totalidade pensada (mais ainda: inevitável para pensar) que reproduz esse conflito, essa tens?o, entre sua “abstraç?o” e suas determinaç?es concretas. O processo de conhecimento que lança como resultado essa “totalidade” é o que varias vezes apontamos sob o conceito de totalizaç?o. É agora oportuno, pois, abordá-lo de cheio.<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>A “totalizaç?o” e o método progressivo/regressivo</h4><br />
<br />
O termo, já o dissemos, provém de Sartre (que o exp?e em “Quest?es de Método”, incluído como introduç?o ? Crítica da raz?o Dialética) e, ainda que tenha sido cunhado no final da década de 50 em um contexto cultural muito diferente do nosso, tornou-se novamente atual, justamente por sua importância no debate com correntes como o pós-estruturalismo e o “deconstrutivismo”. Em seu momento, o debate mais forte que sustentava Sartre era contra o stalinismo e/ou o marxismo vulgar da diamat, que incorriam em uma polarizaç?o (ou, com freqü?ncia, uma combinaç?o) entre por um lado, receitas abstratas, estas sim “essencialistas” e “totalizantes”, e por outros um empirismo ou neopositivismo antidialético, em ambos os casos com conseqü?ncias nefastas para a práxis do conhecimento/transformaç?o da realidade. (N?o pode ser por azar, em efeito, que Sartre escreva sua “Quest?es de Método” pouco tempo depois da invas?o soviética a Hungria, contrapartida político-militar dessa nefasta combinaç?o “filosófica”). Contra isso, Sartre op?e um “existencialismo” marxista que briga para conservar as particularidades (e ainda as singularidades irrepetíveis) concretas dos sujeitos de carne e osso, porém sem perder a capacidade de articulaç?o e diálogo conflituoso entre o abstrato e o concreto, que é inerente ao próprio processo de produç?o de conhecimento.<br />
<br />
Seu método passou para a história com o nome de progressivo/regressivo –o que já dá uma pauta, a partir da própria denominaç?o, de uma postura que rechaça o evolucionismo vulgar aplicado ao processo de conhecimento. A base filosófica de sua teoria do conhecimento é inequívoca: o que faz uma filosofia é “dar express?o ao movimento geral da sociedade”. Isto é: o modelo da produç?o de conhecimento é a práxis social-histórica. E esta é, entre outras coisas, uma forma na qual “a classe em ascens?o adquire consci?ncia de si”. Na primeira fase do capitalismo, a burguesia de comerciantes, juristas e banqueiros alcançou certa percepç?o de si mesma no cartesianismo; um século depois, na fase de proto-industrializaç?o, a burguesia de fabricantes, técnicos e homens de ci?ncia descobre-se “obscuramente” no sujeito transcendental kantiano.<br />
<br />
Assim: este “dar express?o ao movimento da sociedade”, esta “consci?ncia de si” das novas classes n?o é um mero reflexo “especular”. Por um lado, para ser verdadeiramente “filosófico”, o processo de conhecimento deve apresentar-se como totalizaç?o de todo o saber contemporâneo. Pelo outro, essa acumulaç?o de saber n?o é um objeto inerte, passivo: nascida do movimento da práxis, “é movimento em si, e morde no futuro [...] toda filosofia é prática, inclusive a que parece ser mais puramente contemplativa [...] uma filosofia mantém sua eficácia somente enquanto tem vida a práxis que a produziu” (Sartre, 1995). Quando o movimento filosófico se interrompe, é porque sua “crise filosófica” está expressando (de maneira complexa e mediatizada, claro está) uma crise da práxis social-histórica: como disse, entre nós, León Rozitchner, “quando a sociedade n?o sabe o que fazer a filosofia n?o sabe o que pensar”. Neste sentido preciso, o pensamento marxista encontra-se “em estado de crise”; como dizíamos, isto, fechado em 1957, volta a cobrar atualidade hoje: só que Sartre n?o extrai dessa evid?ncia a conclus?o de que o marxismo deve ser abandonado; fiel a sua própria premissa, enquanto a práxis social-histórica, que lhe deu lugar, continue atuando (isto é, enquanto exista o capitalismo e suas contradiç?es, e portanto a necessidade de sua crítica) o marxismo seguirá sendo “o horizonte insuperável de nossa época”.<br />
<br />
Até aqui, Sartre parece manter-se (com seu estilo particular, desde o início) na linha da “superaç?o” (a Aufhebung) de Hegel por Marx, incorporando –geralmente de maneira implícita– as contribuiç?es do Lukács de História e consci?ncia de classe (com quem, de todos modos, sustentam uma dura pol?mica a propósito do existencialismo). <br />
<br />
Porém, a diferença específica sartreana está na incorporaç?o, dentro do marxismo, do “momento” existencialista que provém da etapa do O ser e o nada. Ali onde Lukács havia produzido um debate inclusive com Hegel, Sartre faz o mesmo com Kierkegaard: “Para Hegel o Significante [...] é o movimento do Espírito, o Significado é o homem vivo e sua objetivaç?o; para Kierkegaard, o homem vivo é o Significante: ele mesmo produz as significaç?es, e nenhuma significaç?o lhe alcança desde fora” (Sartre, 1995). O “humanismo” sartreano –em nítida oposiç?o ao universalismo abstrato hegeliano tanto como ao objetivismo elementar do positivismo, mas, também do marxismo vulgar, e quiçá ao estruturalismo que já começa a assomar– significa simplesmente que “a dor, a necessidade e o sofrimento s?o realidades humanas brutais que n?o podem ser superadas ou mudadas somente pelo conhecer”. As idéias, por si só, n?o podem transformar a realidade. Sartre n?o nega aquele caráter de antecipaç?o que as idéias podem ter –e do qual falávamos anteriormente–, sempre que se inscrevam no modelo de uma práxis transformadora, e na perspectiva da luta contra a alienaç?o, vale dizer, em termos filosóficos gerais, a separaç?o entre sujeito e objeto. Entretanto, igual a Marx, sublinha a prioridade da práxis com relaç?o ao pensamento “puro”. E igual a Kierkegaard, sustenta que a práxis n?o pode ser reduzida a um conhecimento abstrato: deve ser vivida e produzida. N?o se trata de descartar completamente Hegel, mas sim de “dialetiza-lo”: como Hegel, ele se preocupa com a objetividade do “real” e da história, mas afirmando ao mesmo tempo a singularidade concreta da experi?ncia humana.<br />
<br />
Esta dialética é a que cr? poder encontrar no marxismo (o de Marx). Entretanto, por que a necessidade do existencialismo (o de Sartre)? Já o adiantamos, indiretamente. O marxismo está atravessando uma crise: está, por assim dizer, detido, congelado: “Depois de haver liquidado todas nossas categorias burguesas de pensamento e transformado todas nossas idéias, o marxismo nos deixa bruscamente estacados, incapazes de satisfazer nossa necessidade de entender o mundo a partir da situaç?o particular em que nos encontramos” (como dizíamos, a crítica aponta ao marxismo “stalinista” de sua época; porém é o suficientemente geral e profunda para que hoje, novamente, nos sintamos concernidos por ela, sobretudo depois da queda dos socialismos “realmente existentes”). O marxismo “dominante” já n?o encara totalidades vivas (“síntese de múltiplas determinaç?es concretas”), como o fazia Marx, e sim “entidades fixas” –singularidades gerais, as chama Sartre, parafraseando o universal-singular de Kierkegaard. As “unidades formais” destas noç?es abstratas parecem ent?o ficar dotadas de poderes reais (o marxismo “congelado” é, neste sentido, uma express?o objetivamente cúmplice da alienaç?o, na qual o “real” aparece n?o como produto da práxis, mas sim como tendo um peso próprio, autônomo e exterior ? aç?o humana: mais tarde, na Crítica da raz?o dialética, Sartre chamará isto o prático-inerte). Assim, o marxismo sucede uma “totalidade” encerrada, um conhecimento morto; o marxismo vivo, ao contrário, é, repitamos, aberto: seu “modo de produç?o de conhecimento” é um movimento regulador, com seus “objetos” em permanente mudança e redefiniç?o.<br />
<br />
Qual é a estrutura e a lógica desse movimento? Para explicá-lo, devemos retomar o que começamos a dizer sobre o método progressivo/regressivo (Sartre inspira-se aqui, parcialmente, em Henri Lefebvre, que já desde o princípio da década de cinqüenta vinha tentando, nos Cahiers de Sociologie, uma articulaç?o entre sociologia e história em uma perspectiva marxista). Ao estudar, por exemplo, a realidade complexa de um grupo (ou de uma classe) social –Lefebvre refere-se concretamente ao campesinato franc?s– há, em primeiro lugar, uma complexidade horizontal que remete ao grupo humano, com suas técnicas produtivas específicas, sua relaç?o com essas técnicas, e a estrutura social correspondente, que por sua vez condiciona o comportamento do grupo, que por sua vez também depende dos outros grupos nacionais e internacionais, etc.; por outro lado, há uma complexidade vertical que é histórica: a coexist?ncia “desigual e combinada”, no “mundo” específico em estudo (o rural, neste caso), de formaç?es provenientes de distintas épocas e duraç?es, de suas transformaç?es atuais ainda que mantendo inércias do passado, etc. <br />
<br />
Ambas “complexidades” conformam uma “totalidade” complexa e aberta, com aç?es e reaç?es entre elas. O método para estudar essa “totalidade” –segundo o delineia Sartre, reelaborando Lefebvre– é um processo em tr?s “momentos” (lógicos): <br />
<br />
<br />
<br />
a] uma fase de descriç?o “fenomenológica”, de observaç?o sobre a base da experi?ncia e de uma teoria (ou uma série articulada de hipóteses) geral; <br />
<br />
b] um momento “analítico-regressivo”, que retorna sobre a história do grupo em quest?o para definir, fechar e periodizar as etapas e transformaç?es dessa história; <br />
<br />
c] um momento “progressivo-sintético”, que continua sendo histórico-genético, mas que volta do passado ao presente em uma tentativa para re-definir este último de maneira mais determinada e complexa que na fase inicial, formulando além de tudo hipóteses tendenciais para o desenvolvimento futuro. <br />
<br />
<br />
Fica, assim, completo o movimento progressivo/regressivo. Porém, obviamente, trata-se de uma “completude” provisória, já que a história do grupo continua (salvo, completa extinç?o do mesmo; mas, na verdade, nem sequer assim: tomemos, por exemplo, uma sociedade “extinta” culturalmente por conquista ou colonizaç?o; sua história, ainda que radicalmente transformada, continuará em subterrâneo conflito com a história dos conquistadores e, portanto, o método progressivo/regressivo deverá reconstruí-la a partir de sua “originalidade” prévia, para dar conta de toda a concreta complexidade de seu presente).<br />
<br />
Os tr?s “momentos” que acabamos de descrever conformam a seqü?ncia que Sartre, celebremente, chama totalizaç?o/destotalizaç?o/retotalizaç?o. Seu movimento lógico, como terá observado o leitor, é notoriamente semelhante ao defendido por Marx na Introduç?o de 1857 (embora agora se incorpore o componente “exist?ncia pronta”, sobre o que ainda teremos algo para dizer). O que sucede é que, como vimos, esse movimento ficou congelado pelo triunfo de um “marxismo” vulgar, antidialético, por sua vez idealista e positivista. Neste marxismo, diz Sartre: <br />
<br />
<br />
<cite>a análise encontra-se reduzida a uma simples cerimônia [...] consiste em eliminar detalhes, em introduzir forçadamente significado em certos acontecimentos e em desnaturalizar os fatos a fim de extrair, como substância disso, noç?es falsamente sintéticas, imutáveis e fetichizadas. Os conceitos abertos do marxismo se encontram agora cerrados, já n?o s?o claves, esquemas interpretativos, sino que aparecem como um conhecimento já totalizado. Em lugar de buscar o todo por meio das partes, e desse modo enriquecer a especificidade das partes mediante o exame de suas significaç?es polivalentes, que é o princípio heurístico, encontramos a liquidaç?o da particularidade (Sartre, 1995).</cite> <br />
<br />
É aqui onde o “existencialismo”, outra vez, pode ser útil para uma imprescindível renovaç?o desse marxismo paralisado, e para retomar (aplicando ao próprio marxismo o método progressivo/regressivo) a riquíssima complexidade de sua história, que inclui o permanente diálogo (n?o importa qu?o conflituoso) com a totalidade do saber de uma época. A “síntese” (Aufhebung) do conhecimento n?o pode ser concebida como uma “totalidade acabada”: somente pode ser pensada no interior de uma totalizaç?o sempre em curso, em movimento, que se homologa ao modelo da práxis social-histórica: que, em certo modo, é essa práxis social-histórica construindo suas “verdades” em seu próprio movimento. A verdade resulta, diz Sartre: uma totalizaç?o que incessantemente se (des/re)totaliza a si mesma. Os fatos particulares devem ser resgatados em toda sua singularidade complexa, mas isso n?o significa que tenham em si mesmos um sentido completo: n?o s?o verdadeiros nem falsos, salvo “na medida em que se encontram relacionados, pela mediaç?o de diferentes totalidades parciais, com a totalizaç?o-em-progresso”.<br />
<br />
A renúncia a este movimento complexo (que em boa medida explica-se pelo próprio estancamento da práxis social-histórica dos “socialismos reais”) constitui para Sartre o calcanhar de Aquiles da teoria do conhecimento do marxismo vulgar. Porém, n?o é que n?o possam ser encontrados alguns germens –que logo se desenvolver?o até serem dominantes, por raz?es históricas– nos próprios clássicos. Sartre tem a inusitada coragem (que é a de todo “heterodoxo” que verdadeiramente quer resgatar o melhor da tradiç?o da qual provém) de n?o calar sobre o que v? como os pontos débeis, ainda dentro do próprio pensamento originário. Quando, por exemplo, Marx escreve que “a concepç?o materialista do mundo significa simplesmente a concepç?o da natureza tal como é, sem nenhum aditamento externo”, está equivocado, posto que isso pressup?e um ponto de vista “exterior”, tributário da alienaç?o do sujeito com relaç?o ao objeto, e nada neste enunciado tem a ver com a lógica que podemos identificar na Introduç?o de 1857 ou no primeiro capítulo de O Capital. Por seu lado, quando L?nin escreve que “a consci?ncia é somente o reflexo do ser, e no melhor dos casos, um reflexo somente aproximadamente exato”, também pareceria –como o Marx da citaç?o anterior– eliminar toda práxis da subjetividade crítica a favor do “prático-inerte”. Isso constitui um “desvio” positivista do espírito profundo do marxismo (que, é claro, tanto Marx como L?nin seguem fielmente em sua própria aç?o histórica). Positivista e idealista, o qual n?o é em absoluto contraditório. Como diz Sartre: <br />
<br />
<br />
<cite>Pode-se cair no idealismo, n?o somente pela dissoluç?o da realidade na subjetividade, mas também pela negaç?o da subjetividade real em nome da objetividade. A verdade é que a subjetividade n?o é tudo nem nada: é um momento do processo objetivo (o da interiorizaç?o da exterioridade), e este momento elimina-se perpetuamente a si mesmo, e renasce perpetuamente (Sartre, 1995). </cite> <br />
<br />
Esta última afirmaç?o é extraordinariamente importante: a Aufhebung dialética da oposiç?o sujeito/objeto na práxis do conhecimento/transformaç?o do real n?o é uma “dissoluç?o” da subjetividade na objetividade, nem vice-versa. É uma tens?o criadora que participa plenamente do processo de produç?o de conhecimento na seqü?ncia totalizaç?o/destotalizaç?o/retotalizaç?o. Da mesma maneira, nesse processo, o momento “destotalizador” de recuperaç?o da particularidade concreta e complexa do “objeto” n?o se “dissolve” completamente no conceito da “retotalizaç?o”, e sim lança, por assim dizer, um resto inassimilável pelo conceito que, precisamente, servirá de ponto de apoio para reiniciar o movimento. E, já que estamos, vale a pena indicar que nesse momento “destotalizador” sartreano, em que pese ?s similitudes superficiais, nada tem que ver com a “desconstruç?o” pós-estruturalista (ao menos em sua vers?o mais vulgarizada), que em todo caso fica nesse momento, e termina, como já sugerimos antes, reduzindo a “totalidade complexa” a um conjunto caótico de particularidades que perdem no caminho seu diálogo conflituoso, tensionado, com a fase de (re)totalizaç?o. Isto é, finalmente, perde o movimento da História.<br />
<br />
<br />
<br />
Da dialética negativa ao inconsciente político<br />
<br />
<br />
Vale a pena também apontar, aqui, a similitude deste raciocínio com o de Adorno em sua Dialéctica negativa, quando combate o que ele chama pensamento “identitário”, vale dizer dessa forma de pensamento que subsume totalmente a particularidade na generalidade, o concreto no abstrato, em definitivo o objeto no conceito “totalizado”. Vale dizer, citando de memória suas próprias palavras, a tirania do abstrato sobre o concreto. Tampouco para ele trata-se, nesta “tirania”, de um mero “erro” epistemológico, e sim da já mencionada racionalidade instrumental que é a que corresponde ? lógica –e ? práxis– de funcionamento e reproduç?o da modernidade tecnocrática (cujo paradigma é o capitalismo, porém que se expressa também no “socialismo” burocrático). O núcleo desta “tirania” é, novamente, a positividade de uma “dialética” que acentua o momento da afirmaç?o “superadora” do conflito entre o particular e o universal (a Aufhebung), ocultando que para o próprio Hegel –n?o importa quais foram suas “inconsist?ncias” posteriores–, e desde pelo menos a Fenomenologia do espírito, o momento verdadeiramente crítico da dialética é o da negaç?o/negatividade. E, portanto ocultando, além de tudo, que no interior da Aufhebung essa negatividade do conflito está conservada, se bem que “mediatizada” pelo conceito, e n?o “superada” (no sentido vulgar de uma dissoluç?o ou um “deixar atrás” o conflito). A conseqü?ncia que extrai Adorno é inequívoca: a dialética, para s?-lo verdadeiramente, deve ser negativa. Isto é: deve ficar tensamente “em suspenso” (a express?o é tomada por Adorno de Walter Benjamin) no momento negativo-crítico do conflito, desestimando e denunciando a ilus?o ideológica (a “instrumentalidade” de uma raz?o tirânica que tenta dissolver o concreto no abstrato) de uma falsa totalidade que, mediante a operaç?o “identitária” que subsume o objeto no conceito, pretende apresentar a imagem de uma realidade “reconciliada”, dissimulando suas fraturas, suas injustiças, seus desgarramentos, sua condiç?o de “campo de batalha”.<br />
<br />
Estamos frente a um estilo de pensamento que bem poderíamos chamar trágico, no sentido extenso de que na tragédia, precisamente, n?o há “reconciliaç?o”, n?o há “resoluç?o” final do conflito: ou propriamente trágico é que essa tens?o entre os pólos n?o tenha possibilidade de “superaç?o”; a mediaç?o conceitual, longe de “reconciliar” aos pólos conflituosos, os projeta, por assim dizer, aos extremos da Aufhebung, em uma “constelaç?o” de opostos em tens?o. Nisso consiste, justamente, a História: em uma permanente re-polarizaç?o e “retotalizaç?o” (n?o “totalidade”: o “Todo”, naquele sentido de uma realidade acabada e reconciliada consigo mesma é para Adorno o n?o-verdadeiro por excel?ncia) de constelaç?es conflituosas que nunca alcançam uma plena reconciliaç?o. Nisto consiste, o verdadeiro processo de conhecimento crítico: na produç?o de uma “consci?ncia” do real como estruturalmente conflituoso, contra a funç?o central da ideologia instrumentalista dominante, que é a de faz?-lo aparecer como reconciliado e harmônico. Muitas vezes foi dito que o pensamento de Marx, precisamente, participa desta imago de reconciliaç?o e harmonia, se bem que projetada para o futuro, o “fim da historia” no “comunismo” (recentemente Haydem White, por exemplo, qualificado este suposto estilo de pensamento marxiano como dramático, em contraposiç?o ao pensamento trágico de, coloquemos, um Nietzsche). N?o estamos de acordo. Para começar, as imagens que em alguma –muito escassa–ocasi?o desenha Marx do que poderia ser o futuro “comunismo” s?o significativamente difusas e metafóricas: Marx n?o tinha a si próprio como um profeta (recorde-se seu indissimulado fastio para os discursos “utópicos”) e sim como um crítico revolucionário e “científico” da realidade. Ao cabo, o que podia prever como “reconciliaç?o” no futuro “comunismo” –baseando-se nessa crítica científica– estava vinculada ao desaparecimento de um motivo de conflito (é certo que central e constitutivo da própria estrutura lógica do capitalismo): o colocado pela propriedade privada dos meios de produç?o e todas suas complexas derivaç?es político-ideológicas. Porém, de nenhuma maneira isto pode ser confundido com a profecia de um “novo mundo feliz” no qual desapareceriam magicamente os conflitos entre os homens: ao contrário, poder-se-ia dizer que somente ent?o estaríamos em condiç?es de conhecer exaustivamente os verdadeiros conflitos humanos, que n?o estariam atravessados ou determinados “em última instância” pela estrutura sócio-econômica. Contudo, a bem da verdade, tudo isso é pura especulaç?o. O que os pensadores heterodoxos e críticos –é o caso que agora estamos tratando de Adorno–recuperam de Marx (ainda que n?o somente dele, claro está) é justamente, como n?o nos cansaremos de repetir, essa negatividade crítica para a análise da realidade sócio-econômica, política, cultural. Outra vez, ent?o, a produç?o de saber crítico é aqui inseparável, por um lado, da práxis, e pelo outro –que em verdade é o mesmo, abordado por outro lado– da história e da arte. Deixemos por um momento esta última “entrada” pelo lado do estético, e nos perguntemos pela quest?o da história.<br />
<br />
Entendida ? maneira “adorniana” (que é, em rigor, a maneira “benjaminiana”: foi de Walter Benjamin que Adorno retomou a inspiraç?o) a história é, como diria o próprio Benjamin, a história dos vencidos –a outra história, a dos vencedores, é a que encerra a idéia de “progresso”. Essa história n?o é linear nem evolutiva: é intermitente, subterrânea, descontínua, espasmódica. Somente cada tanto –por exemplo, nos momentos de “crise de hegemonia”, como diria Gramsci, ou desde o início de crise abertamente revolucionária, ou mais geralmente de catástrofe social e cultural– essa história emerge ? superfície, e ent?o toda a história se v? convulsionada e redefinida. Enquanto isso permanece soterrada, transcorre “fora da cena”, mas n?o por isso imóvel e sem conseqü?ncias: ao contrário, é em seu próprio nível o “determinante em última instância” do que ocorre na superfície, é o inconsciente político (em seguida voltaremos sobre este conceito) da imago de “progresso” dos vencedores, sobre a qual insistentemente retorna desde o reprimido para pôr em quest?o a falsa totalidade com cuja imagem apresenta-se a história dos vencedores. “Inconsciente”/“Imago”/“retorno do reprimido”: é indubitável a origem freudiano destes conceitos, e sem dúvida um dos achados teórico-críticos centrais de Benjamin e Adorno (e da Escola de Frankfurt em seu conjunto) é o do paralelismo, ou pelo menos a homologia, que pode encontrar-se, ainda que em campos t?o distintos, entre os modos de produç?o de conhecimento de Marx e Freud. No que diz respeito a quest?o particular que estamos tratando, essa homologia pode ser sintetizados nos dois pontos seguintes:<br />
<br />
<br />
<br />
a] A “história dos vencidos” pode tomar-se como uma metáfora do inconsciente freudiano: igual a ela, as formaç?es do inconsciente (lapsos, atos “falhos”, esquecimentos, sonhos, recordaç?es “encobridores”, “fantasmas”, etc.) insistem em aparecer surpreendentemente, desarticulando a “falsa totalidade” das idéias “claras e distintas” do assim chamado “sistema percepç?o/consci?ncia”, e entrando em conflito irresolúvel com dito sistema. Trata-se de um óbvio paralelismo com a dialética negativa adorniana, que p?e em evid?ncia o conflito igualmente irresolúvel entre o particular concreto e o universal abstrato de um “equivalente geral” conceitual que pretende apresentar o mundo do real como uma estrutura harmônica, consistente, completa e reconciliada.<br />
<br />
<br />
<br />
2] Mesmo que a “origem” do conflito possa fechar-se no passado, a produç?o de seu conhecimento necessariamente parte de (e se interessa em) seus efeitos sobre o presente. O trabalho de reconstruç?o “arqueológica” –já fosse o que realiza o psicanalista junto com seu paciente, como o “historiador materialista” ao que alude Benjamín– n?o consiste –segundo o enuncia celebremente o próprio Benjamin em suas “Teses de filosofia da história”– na reconstruç?o dos fatos “tal qual realmente ocorreram”, e sim na produç?o de seus efeitos “tal como relampagueam neste instante de perigo”. O que faz o “historiador materialista” n?o é (para continuar com a metáfora arqueológica) reconstruir o edifício do passado, a partir de suas ruínas encontradas, na exatid?o que efetivamente tinha nesse passado, e sim precisamente ao revés, transformar em ruínas a imagem que dele temos, para, sobre estas “ruínas”, construir algo novo. Esse trabalho de “transformaç?o em ruínas” apresenta, assim mesmo, um óbvio paralelo tanto com a práxis psicanalítica como com a crítica da ideologia dominante, como com a “insist?ncia” de uma práxis social que por si mesma demonstra o inacabamento do mundo do real, da história, da constituiç?o subjetiva, e é claro, da produç?o de conhecimento.<br />
<br />
Como se pode observar, esses paralelismos heurísticos sup?em uma concepç?o do tempo histórico muito alijada dos prejuízos evolucionistas, positivistas ou “progressistas” dominantes desde o século XVIII e XIX. A história n?o é linear nem teleológica, e sim está “determinada” retroativamente pelas necessidades de uma práxis do presente, que “retroatua” sobre o prático-inerte das práxis “congeladas” do passado. O presente, dessa maneira, condensa e desloca (“condensaç?o” e “deslocamento”, como se sabe, s?o as duas operaç?es básicas da lógica do inconsciente segundo Freud) diferentes “tempos” históricos que convivem conflituosamente sob a dominaç?o de um deles, como na célebre teoria marxista do desenvolvimento desigual e combinado.<br />
<br />
Assim: estes elementos de “paralelismo” (ou de analogia/homologia, se se prefere) s?o os que permitiram Fredric Jameson falar de um inconsciente político atuando “por baixo” da história, das relaç?es sociais, da cultura em geral. “Político” no sentido amplo, mas estrito e fundante que, em uma sociedade dividida em classes na qual o real é conformado pelas relaç?es de dominaç?o, por detrás das estruturas e “totalidades” da cultura se encontrará sempre –ainda que, como dissemos, somente intermitentemente isso venha a emergir ? “consci?ncia”– a dimens?o conflituosa do social-histórico, que é ao mesmo tempo produzida e ocultada pelo “pensamento identitário”. Em certo sentido, a cultura dominante é uma gigantesca empresa de elaboraç?o do que o próprio Jameson chama estratégias de contenç?o que impeçam o pleno afloramento do inconsciente político ? superfície. E s?o indubitáveis outros paralelismo que poderíamos encontrar aqui, desta vez com, novamente, a noç?o gramsciana de hegemonia, que entre outras funç?es tem a de organizar as percepç?es do real por parte das grandes massas. Por sua vez, no capitalismo tardio (e mais ainda na sim chamada “pós-modernidade”, que na linguagem jamesoniana é sua lógica cultural) esta tarefa fica destinada n?o somente aos Aparatos Ideológicos do Estado (AIE) de Althusser, mas também, e com crescente importância dado o processo dominante de privatizaç?o globalizada, ? industria cultural de Adorno e Horkheimer, que n?o se limita a ser um fenômeno sócio-econômico e cultural parcial deste capitalismo tardio: é, em certo modo, sua própria lógica de funcionamento, enquanto submiss?o plena da particularidade concreta na universalidade abstrata de um “equivalente geral” (cuja matriz é o pleno fetichismo da mercadoria na sociedade chamada “de consumo”). Esta lógica de funcionamento proporciona o modelo de um pensamento que tende inevitavelmente a “naturalizar” a imagem de um mundo “essencialmente” reconciliado, no qual as “particularidades” que pareceriam desmentir essa imagem (digamos, para simplificar: a injusta distribuiç?o mundial da riqueza e a dramática polarizaç?o social global, assim como as guerras imperiais de todo tipo) aparecem como meros e ef?meros desvios de um sistema que em suas estruturas básicas está “reconciliado”, e n?o –para insistir com o jarg?o psicanalítico– com o que poderíamos chamar assaltos do real que foi “forcluido” pelo pensamento identitário.<br />
<br />
O conhecimento crítico baseado na práxis, tal como o representam os “marxismos” complexos e abertos dos quais vimos falando, é, pois nesse plano, um processo de construç?o das condiç?es que permitam fazer “visível” o inconsciente político da cultura. Temos insistido á exaust?o –e acabamos de faz?-lo uma vez mais– que essa construç?o é em si mesma uma práxis. O que significa: uma transformaç?o do real que, no entanto, parte do próprio real a transformar. Temos dito também que, portanto, n?o se trata aqui de nenhuma onipot?ncia iluminista que chega desde fora com uma teoria perfeitamente acabada para substituir os “erros” da ideologia ou do pensamento identitário. O que faz o conhecimento crítico é interrogar as aparentes evid?ncias desse pensamento identitário (do “sentido comum” em sua acepç?o gramsciana) para reorientar a lógica sob a qual foram historicamente construídas, na direç?o de uma re-totalizaç?o (sempre provisória) que começa por pôr de forma clara que se trata, precisamente, de uma construç?o histórica e n?o de um dato “natural”. Para colocar ao desnudo (fazer o strip-tease, dizia celebremente Sartre) o conflito n?o resolvido entre o particular e o universal, entre o objeto e o conceito. Para subtraí-lo, em definitivo, ? “tirania do abstrato”. É evidente –se nos atemos a uma “filosofia da práxis”– que somente a aç?o coletiva (teoricamente “informada”) dos “vencidos” poderá levar ?s últimas conseqü?ncias essa transformaç?o, posto que o pensamento identitário tampouco é ele próprio uma abstraç?o, mas sim a “teoria” de suas próprias bases materiais. Porém, o conhecimento crítico, inclusive em seus aspectos mais autonomamente “teóricos”, é um momento indispensável desse processo. Como tal momento, entretanto, e se pretendemos ser conseqüentes com a “insubordinaç?o do concreto” contra aquela “tirania do abstrato”, n?o pode estar sujeito aos “equivalentes gerais” de um receituário universalmente aplicável, com demasiada freqü?ncia (e com efeitos que muitas vezes podem ser qualificados de trágicos) tem pretendido faz?-lo a esquerda “clássica”. <br />
<br />
<br />
<br />
<h4>Conhecimento crítico e inconsciente político na/a partir da periferia</h4><br />
<br />
Para finalizar: este modo de produç?o de conhecimento, representado por estes marxismos complexos, é útil –ou se preferir necessário– para a elaboraç?o de uma teoria crítica “periférica” em nossas sociedades semi/neo/pós-colonizadas? Serve como input de uma filosofia da libertaç?o “periférica” como a postulada, entre outros, por Enrique Dussel? Durante muito tempo (e com renovados brios na última década e meia, a partir da emerg?ncia da chamada teoria pós-colonial) se veio marcando os “erros” de Marx e de muitos “marxismos” na análise do que mais tarde foi batizado como Terceiro Mundo. O (compreensível e desculpável, mas n?o menos existente) “eurocentrismo” de Marx e Engels –este último chegou a falar dos “povos sem história”, em uma muito discutível recaída no pior do hegelianismo–, assim como seu “proletariadocentrismo” (também compreensível para a situaç?o européia, porém dificilmente aplicável ? realidade latino-americana, africana ou asiática de ent?o) e seu “internacionalcentrismo” (conseqü?ncia dos dois “centrismos” anteriores) lhes haviam limitado seriamente a perspectiva de uma conseqüente análise e conhecimento crítico das complexas realidades extra-européias, conseqü?ncia da colonizaç?o e da “periferizaç?o” de boa parte do mundo como efeito da expans?o proto-burguesa –ou liquidamente burguesa a partir do século XVIII. <br />
<br />
Estas colocaç?es n?o est?o totalmente equivocadas, especialmente quando se restringem aos famosos artigos de Marx na década de 1850 a propósito da colonizaç?o britânica na Índia –nos quais certamente, fazendo gala de um certo esquematismo evolucionista, exagera ou mal entende os benefícios de uma “translaç?o” do capitalismo desenvolvido para uma sociedade “atrasada”–, ou mais ainda, aos breves e apressurados artigos jornalísticos sobre América Latina –nos quais há que reconhecer que demonstra uma considerável ignorância sobre seus processos de descolonizaç?o e construç?o nacional, chegando a tratar Simon Bolívar de “aventureiro” e outros disparates semelhantes. É certo também que –ao menos depois de L?nin ou Trotsky, provenientes eles mesmos da periferia ou semi-periferia somente um pouco “européia”– pouco ou nada tiveram para dizer os heterodoxos marxistas ocidentais sobre a quest?o (ao menos até passada a primeira metade do século XX). <br />
<br />
Duas honradíssimas exceç?es a isto s?o, é claro, os casos de Gramsci (que embora n?o se tenha referido estritamente ao Terceiro Mundo, estudou profundamente a situaç?o periférica em suas célebres análises da “quest?o meridional”) e Sartre (que já desde a década de 40 realizou implacáveis análises do colonialismo franc?s na África: e curiosamente, segundo muitos de seus biógrafos, foi este compromisso com as lutas anticoloniais que terminou conduzindo-o a um marxismo ao qual antes somente se havia aproximado de maneira tímida e lateral). Porém, é verdade que, com exceç?es escassas e marginais, n?o se encontrar?o textos importantes sobre o tema em Lukács, Bloch, Benjamin, Adorno, Horkheimer ou Althusser.<br />
<br />
Assim, e para regressar a nossa pergunta originária: bastam estas colocaç?es para induzir-nos a desancar por inoperantes as categorias –e muito menos a lógica de pensamento– que vimos analisando nas páginas anteriores? N?o cremos. Em primeiro lugar, por raz?es históricas: além das sempre possíveis e pertinentes críticas parciais que se podem fazer, muito –para n?o dizer a enorme maioria– do pensamento crítico “periférico” do século XX que se propôs, justamente, pensar criticamente a condiç?o colonial e “neocolonial” do outrora chamado Terceiro Mundo, se reivindicou diretamente “marxista”, ou pelo menos acusou forte recibo das categorias centrais do(s) marxismo(s): de Mariátegui ? teoria da depend?ncia, de Frantz Fanon ? teoria pós-colonial, de Darcy Ribeiro a Samir Amin, de André Gunder Frank ? teologia da libertaç?o, de Mela a Aijaz Ahmad, etc. (e haveria que agregar, inclusive, certas teorias “primeiro mundistas” de grande utilidade para o pensamento crítico periférico, como por exemplo a teoria do sistema-mundo de Wallerstein ou as críticas ao pós-modernismo “globalizado” do já citado Jameson), nenhum deles teria conseguido sua reconhecida profundidade e complexidade de análise sem o concurso central de certas categorias marxianas básicas.<br />
<br />
Porém, mais importante, trata-se novamente da lógica e do método de pensamento. Esperamos que, de todo o anterior, tenham ficado claros ao menos os seguintes pontos:<br />
<br />
<br />
1] A produç?o de conhecimento crítico parte do reconhecimento de um conflito, de uma dialética negativa (irresolúvel no puro plano das idéias) entre a particularidade e o que aparece, ou pretende postular-se como, totalidade. A opç?o “binária” entre particularismo e universalismos é falsa e ideológica: o aut?ntico “universalismo” crítico é o conflito entre a parte e o todo, entre o particular concreto e o universal abstrato. E é a perman?ncia desse conflito que n?o permite que o universal feche-se sobre si mesmo.<br />
<br />
2] Se isso é assim, ent?o é possível desnudar as “bases materiais” do que em principio estaria impedindo a produç?o de conhecimento crítico de/na periferia: a saber, o triunfo da falsa totalidade colonial/neocolonial/imperialista. A partir de 1492 (para utilizar uma data emblemática), uma civilizaç?o (= particular concreto), a européia ocidental, conseguiu, graças ? eficácia técnico-material de sua racionalidade instrumental, aparecer como a civilizaç?o, como sinônimo da Raz?o e do Progresso como tais (= universal abstrato), ocultando (o forcluindo, para retornar ao linguagem psicanalítica) o conflito com seu próprio particularismo. É tarefa do conhecimento crítico, como acabamos de dizer, a de produzir, para a consci?ncia, o saber sobre esse conflito.<br />
<br />
3] Porém, isso significa ent?o, que, a rigor da verdade, essa civilizaç?o que chamamos o “Ocidente moderno” é uma (auto)representaç?o da “totalidade” constituída sobre a base da exclus?o da totalidade dessa mesma “periferia” que –através da conquista violenta e da colonizaç?o– fez possível, transformou, o “Ocidente” na cultura dominante. É também tarefa do conhecimento crítico, ent?o, restituir e re-construir o conflito entre a “parte” e o “todo” dessa dialética de opress?o/fagocitaç?o/expuls?o.<br />
<br />
<br />
Estas s?o as condiç?es mínimas de produç?o de um conhecimento crítico “periférico” capaz de combater –a partir de nossa própria situaç?o, como diria Sartre– o “eurocentrismo” e a colonialidade do saber ? qual aludiu Aníbal Quijano, um fenômeno de longa data histórica mas que, longe de dissolver-se, se v? na atualidade reforçado com a mundializaç?o capitalista (eufemisticamente chamada “globalizaç?o”): “reforçado”, dizemos, no sentido de que aparece duplamente disfarçado nas apelaç?es “politicamente corretas” do “multiculturalismo” e outros ideologemas de uma suposta coexist?ncia pacífica dos “particularismos” que –quando s?o celebrados como índice do triunfo de uma globalizaç?o “democrática” – n?o fazem mais que substituir a atenç?o da poderosa unidade subterrânea do poder global, em outra (porém ainda mais sutil) típica operaç?o de pars pro toto fetichizada. A essa “novidade” da globalizaç?o (cuja lógica profunda de poder, no entanto, está bem longe de ser “nova”) corresponde uma imagem da produç?o de conhecimento que faz deste ou uma universalidade abstrata “desterritorializada” (= a Ci?ncia), ou uma completa “particularidade” n?o menos abstrata (= o “conhecimento local”) ao qual n?o afetaria a dominaç?o do “universal”. É claro, ambos extremos complementares s?o igualmente falsos e fetichistas. O que se requer é uma construç?o de conhecimento que denuncie, novamente, o conflito inerente ao que Walter Mignolo chama o lugar geopoliticamente marcado do conhecimento.<br />
<br />
Todavia, se há um conflito, ent?o o conhecimento crítico deve levar em conta as duas partes desse conflito. Deve instalar-se no centro mesmo dessa tens?o, desse “campo de batalha”. Queremos dizer: faríamos pouco favor ? “filosofia da libertaç?o” renunciando ao melhor desses modos de produç?o de conhecimento crítico produzidos também dentro da modernidade européia, e em primeiro lugar o/os marxismo/s. Isso poderia equivaler, paradoxalmente, a colocar-nos precisamente nesse lugar de exterioridade, de “outredade” radical e absoluta na qual o pensamento dominante (incluindo, e quiçá principalmente, a certo pensamento “progressista”) quisesse enclaustrar-nos, como um reforço da operaç?o fetichista mediante a qual se nos exclui do âmbito da produç?o de conhecimento (já se sabe: mesmo para as ideologias “progressistas”, a periferia é o espaço do sentimento, da arte, da express?o poética, e n?o o da racionalidade crítico-científica). Pelo contrário, é imprescindível reapropriar-se, desde nossa própria e conflituosa situaç?o, da contestaç?o epistemológica que o marxismo soube levantar contra os modos hegemônicos de produç?o do saber, desde o início “corrigindo” tudo o que nele seja “corrigível”, mas n?o abdicando de antem?o a situar-nos, com nosso próprio olhar, nesse “horizonte” de nosso tempo.<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>O conhecimento crítico em “estado de emerg?ncia”</h4><br />
<br />
Nas últimas tr?s ou quatro décadas, no âmbito acad?mico das sociedades centrais, múltiplas formas de um “pensamento crítico” n?o diretamente (e, por vezes, nem sequer indiretamente) inspiradas no marxismo, ou separando-se progressivamente dele, emergiram com o objetivo freqüentemente explícito de substituir esse “modo de produç?o de conhecimento” sem por isso perder seu posicionamento crítico. Desde a “microfísica do poder” de um Foucault ? “rizomática dos fluxos desejosos” de Deleuze/Guattari, desde o “deconstrucionismo” de Derrida ? “teoria das multid?es” de Negri/Hardt ou Paolo Virno, desde a “filosofia do acontecimento” de Alain Badiou ? “democracia radical” pós-marxista de Laclau/Mouffe –para somente nomear algumas das mais importantes “inovaç?es” na teoria crítica das décadas recentes–, buscou-se uma substituiç?o n?o-marxista, pós-marxista ou inclusive antimarxista da teoria crítica. E esta tend?ncia encontrou forte eco nos estudos culturais n?o somente provenientes das academias “centrais”, mas também produzidos na própria periferia.<br />
<br />
Sem dúvida, este impulso obedece a raz?es ambíguas e até contraditórias: por um lado –para começar pelo aspecto “autocrítico” da quest?o–, é um sintoma de certa e inegável crise alcançada pelo marxismo no contexto da chamada “pós-modernidade”; crise teórica (a ortodoxia ritualista de um marxismo sectário incapacitado para dar conta das novas problemáticas colocadas em todos os planos pelas transformaç?es globais depois da segunda pós-guerra) tanto como político-prática (a profunda ruína dos assim chamados “socialismos reais” da Europa do Leste, que já começou a evidenciar-se há meio século com o reexame das políticas t?o brutais como ineficientes do stalinismo e sua influ?ncia negativa sobre as promessas emancipatórias do marxismo originário). Por outro lado, é necessário reconhecer que aquelas “novidades” teóricas, tentando n?o abandonar o impulso questionador do qual em outra parte chamamos o modernismo (auto)crítico representado por Marx ou Freud (e depois por figuras como Gramsci, Lukács, Bloch, a Escola de Frankfurt em seu conjunto, Sartre, Merleau-Ponty, Althusser, Jameson, etc.), procuraram redefinir temas e métodos de investigaç?o e análise crítica que necessariamente haviam ficado fora do alcance daqueles grandes “clássicos” do pensamento crítico. Os múltiplos “giros” (lingüístico, semiótico, hermen?utico, estético-cultural) produzidos ao longo do século XX, mas progressivamente protagônicos na teoria a partir dos anos sessenta e setenta, sem nenhuma dúvida projetaram frente da cena uma série de quest?es (a linguagem, a subjetividade, os “imaginários”, a “textualidade”, os limites do “logocentrismo”, as “novas” formas de identidade étnica e sexual, mais tarde o “culturalismo”, a “pós-colonialidade”, e assim seguindo), que os clássicos, insistimos, n?o podiam haver tomado em conta em virtude de que s?o problemáticas emergidas e visibilizadas a partir daquelas transformaç?es relativamente muito recentes na economia, na política, na sociedade e na cultura mundiais. Neste sentido, trata-se, na maioria dos casos que citamos e em muitos outros, de formas de pensamento irrenunciáveis –ao menos, repetimos, pelos novos campos de interesse que t?m aberto– para qualquer “intelectual crítico”.<br />
<br />
No entanto, faz-se mister advertir sobre os riscos que para esse mesmo pensamento crítico entranha o abandono irreflexivo do modo de produç?o de conhecimento marxiano. Ao longo deste ensaio tentamos mostrar que ele vai muito além de um mero repertório de “temas” de época que obrigariam a desancar o “método” junto com os “objetos” para cujo conhecimento crítico deste “método” havia sido criado. Para começar, temos reiterado até ? exaust?o que uma teoria do conhecimento inspirada no critério central da práxis, como é a de Marx e seus heterog?neos sucessores, n?o pode ser assimilada aos parâmetros positivistas de uma distinç?o rígida entre “método” e “objeto”. N?o estamos frente ? quest?o de alguns “objetos” fixos e preexistentes ? espera do “método” que mais adequadamente permita estudá-los (como a gravidade ante a ci?ncia newtoniana, digamos), e sim que a práxis que fundamenta o “método” de Marx constrói e produz seus próprios “objetos”, ademais de reconstruir e reproduzir os “objetos” que s?o produto da práxis social-histórica em sua complexa “totalizaç?o”.<br />
<br />
Por outro lado, esses “objetos” produzidos pelo modo de conhecimento marxista (o capitalismo, a exploraç?o, a mais valia, a luta de classes, o imperialismo, para somente enumerar os mais genéricos), embora indubitável que sofreram transformaç?es radicais desde os tempos de Marx (inclusive desde os da Escola de Frankfurt, por exemplo) est?o muito longe de haver desaparecido como tais. Ao contrário, em muitos sentidos profundamente em níveis inéditos, que o próprio Marx e seus sucessores “clássicos” n?o podiam tampouco ter previsto. É por isso que, ao menos nesse sentido, o marxismo continua sendo –para citar outra vez Sartre– “o horizonte inevitável de nosso tempo”. Obviamente: o horizonte ampliou-se espetacularmente, e também ficou mais complexo de maneira abrumadora. Inclusive poderíamos dizer, insistindo com a metáfora, que se multiplicou: talvez já n?o possamos ter um só horizonte. Porém, precisamente, o “triunfo” global do capitalismo (que vai estreitamente ligado com seu completo e mais que evidente fracasso como, auto denominado, projeto “civilizatório”), tornou-se imperativo a necessidade de contar com cada vez mais consistente teoria do conhecimento crítico do sistema.<br />
<br />
É justamente essa consist?ncia que vem perdendo, em benefício do que em algum momento deu em chamar-se “pensamento débil”: algo que, por mais sofisticaç?o filosófica com a qual possa teorizar-se, em última instância representa um tipo de relativismo eclético que renuncia a adotar posiç?es firmes frente ? materialidade dos conflitos históricos que est?o no núcleo de toda forma de pensamento, ainda que por suposto nenhuma forma de pensamento possa reduzir-se exclusivamente a isso. Porém, n?o é reducionismo constatar que, em muitos sentidos, a emerg?ncia deste “pensamento débil” –produzida entre o fim dos anos setenta e princípio dos anos oitenta– coincide com a crise simultânea dos “socialismos reais” (assim como das experi?ncias de “nacionalismo burgu?s” nas sociedades ex coloniais) e do capitalismo “real”, crise esta última que resultou em uma reconvers?o (técnico-econômica, mas também político-ideológica) profundamente retrógrada e reacionária, resultando em uma verdadeira catástrofe para os impulsos transformadores e críticos do período anterior (o que vai do fim da II Guerra Mundial até princípio da década de setenta). No plano da teoria, o abandono do projeto socialista tanto como do “terceiro mundismo” clássico, resultou por sua vez em uma substituiç?o dos vínculos do “texto” com a “realidade” (n?o importa qu?o complexa e mediatizada fosse essa relaç?o), pela pura “textualidade” e o encerramento dos intelectuais “críticos” em um espaço abstratamente acad?mico-especulativo. Sobre isto é necessário ser claro, mesmo com risco de parecer algo dogmático: como bem disse Aijaz Ahmad, <br />
<br />
<br />
<cite>uma posiç?o teórica que despacha a história material como simples “grande relato” teleológico do modo-de-produç?o, a própria aç?o histórica como “mito das origens”, as naç?es e estados como indefectivelmente coercitivos, as classes como meros “construtos discursivos” [...] uma posiç?o teórica semelhante é, no mais preciso sentido destas palavras, repressiva e burguesa. Suprime as próprias condiç?es de inteligibilidade dentro das quais podem ser teorizados os fatos fundamentais de nossa época (Ahmad, 1992).</cite> <br />
<br />
Como acabamos de dizer, de modo algum se pode recusar os novos “objetos” produzidos pelo pensamento crítico pós-marxista. As materialidades históricas, as naç?es, os estados ou as classes, como vimos, s?o também, sem dúvida, “construç?es discursivas”. Porém, é necessário contar com uma teoria de sua articulaç?o (e seus níveis de “sobredeterminaç?o”, para diz?-lo ? maneira althusseriana) com as realidades persistentes que implicam uma continuidade na lógica –n?o importa quais sejam as descontinuidades nas formas– da dominaç?o, da exploraç?o ou da injustiça. Um pouco excessivamente deslumbradas pelas “novidades” da pós-modernidade –um deslumbramento que em boa medida pode ser explicado pela própria aç?o da indústria cultural e da globalizaç?o cultural/comunicacional–, as teorias pós-marxistas precipitaram-se no proverbial erro de jogar o beb? junto com a água suja. Isso provocou o paradoxo de que, em boa medida, as teorias críticas pós-marxistas tenham terminado por repetir aquilo que Lukács, ironicamente, imputava a Kant: deteve sua ânsia de conhecimento frente ?s portas da coisa em si do capitalismo. De fato, uma das conseqü?ncias do “abandono” do critério da práxis como central para o modo de produç?o de conhecimento crítico é sua substituiç?o pelo que poderíamos chamar o critério da pura leitura de uma “realidade” considerada –e n?o sempre metaforicamente– como mera “textualidade”.<br />
<br />
Com o risco de resultar tedioso, queremos que fique claro o seguinte: de nenhuma maneira estamos recusando per se a idéia de leitura crítica dos textos, nem sequer da idéia de que, a certo nível, a “realidade” pode considerar-se como constituída também pelos “textos” (lingüísticos, visuais, massmediáticos ou o que seja) sob os quais os sujeitos a percebem e interpretam: depois dos achados da psicanálise, a lingüística ou a hermen?utica do século XX, semelhante pretens?o seria uma necessidade. O que estamos recusando é a idéia (ou melhor: o ideologema) de uma “exclusividade textual” que negue uma autonomia relativa do real –sem a qual, por outra parte, a categoria de “texto” careceria de sentido, pois ent?o, de que coisa se diferenciaria o “texto” para reclamar sua própria “autonomia”? – que no limite recai no que anteriormente chamamos uma interpretaç?o (ou uma “leitura”) passiva da realidade, portanto sempre já constituída. Paradoxalmente, isto poderia estar liquidando calmamente os aspectos mais autenticamente críticos do mesmo “pós-estruturalismo” que nos ensinou (depois de Marx e Freud, desde já) a “ler” a realidade, como construç?o histórica e n?o como “originariedade” incomovível.<br />
<br />
No entanto, há sinais de que esta tend?ncia poderia estar começando a reverter-se, ao calor dos acontecimentos mundiais dos últimos anos, que desnudaram por completo os limites literalmente mortais da realidade do suposto projeto da “civilizaç?o” do capital: nenhum pensador crítico com um mínimo de lucidez e honestidade intelectual, “seja” ou n?o marxista, pode já abrigar dúvida alguma sobre o verdadeiro caráter de uma “globalizaç?o” (uma mundializaç?o da lei do valor, como a chama Samir Amin com maior precis?o teórica e política) que em muito pouco tempo mais poderia precipitar o mundo para uma verdadeira e final catástrofe social, cultural e ecológica, e que já o precipitou (sobretudo depois dos disparatados atentados de 11/9) a um schmittiano estado de guerra civil permanente e de estado de exceç?o e emerg?ncia contínuo, na qual tr?s quartas partes da humanidade ao menos tem sido reduzidas ? situaç?o de reféns da concentraç?o econômica-política-militar-tecnológica, assim como de reféns das pinças fatais de dois (e n?o um) fundamentalismos genocidas. Na qual todas as ilus?es de uma democracia mundial “extensa” ou de um “multiculturalismo” rigorosamente respeitoso, ou inclusive promotor, das diferenças aut?nticas estalaram em mil pedaços sob os impulsos militaristas, neofascistas ou neo-racistas emergidos como “soluç?o” desesperada ? crise mundializada do esgotado projeto capitalista. A todo o qual poderia agregar-se, repitamos, uma verdadeira catástrofe ecológica –produto, em boa medida, dos abusos da dominaç?o instrumental da natureza que a Escola de Frankfurt já denunciava em suas primeiras reflex?es– que a n?o muito longo prazo p?e em perigo a mera sobreviv?ncia biológica da espécie. Uma vez mais, esta situaç?o que bem pode voltar a qualificar-se de trágica, torna da máxima urg?ncia (política, social, cultural, ética, e já n?o simplesmente “epistemológica”) a reconstruç?o de nossos modos de produç?o de um saber crítico complexo, aberto e heterodoxo, mas firmemente comprometido.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>Bibliografia</h4><br />
<br />
Adorno, Theodor W. 1973 La disputa del positivismo en la sociología alemana (Barcelona: Grijalbo).<br />
<br />
Adorno, Theodor W. 1984 Dialéctica negativa (Madri: Taurus). <br />
<br />
Adorno, Theodor W. e Horkheimer, Max 1994 “Dialéctica de la Ilustración” em Dialéctica del Iluminismo (Madri: Trotta).<br />
<br />
Ahmad, Aijaz 1992 In Theory: Classes, Nations, Literatures (Londres: Verso).<br />
<br />
Althusser, Louis 1969 “El objeto de El Capital” em Para leer El Capital (México: Siglo XXI).<br />
<br />
Bakhtin, Mikhail 1986 Marxismo y filosofía del lenguaje (Madri: Alianza).<br />
<br />
Benjamin Walter 1980 “Tesis de filosofía de la historia”, em Discursos interrumpidos (Madri: Taurus).<br />
<br />
Benjamin Walter 1986 Origen del drama barroco alemán (Madri: Taurus). <br />
<br />
Foucault, Michel 1991 Nietzsche, Marx, Freud (Buenos Aires: Imago Mundi) <br />
<br />
Grüner, Eduardo 2002 El Fin de las Peque?as Historias (Buenos Aires: Paidós).<br />
<br />
Jameson, Fredric 1993 “El inconciente político” em Documentos de cultura. Documentos de barbarie (Madri: Visor).<br />
<br />
Jameson, Fredric 1997 El giro cultural (Buenos Aires: Manantial).<br />
<br />
Lukács, Georgy 1974 Historia y conciencia de clase (México: Grijalbo).<br />
<br />
Marx, Karl 1969 “Tesis sobre Feuerbach”, em Marx, Karl e Engels, Friedrich La Ideología Alemana (Montevidéu: Pueblos Unidos).<br />
<br />
Marx, Kart 1976 Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (Grundrisse) 1857-1958 (México: Siglo XXI).<br />
<br />
Marx, Karl 1986 El Capital. Crítica de la economía política (México: Fondo de Cultural Económica).<br />
<br />
Mignolo, Walter 2001 “Introducción”, em Walter Mignolo (org.) Capitalismo y geopolítica del conocimiento (Buenos Aires: Ediciones del Signo/Duke University).<br />
<br />
Sartre, Jean Paul 1964 “Cuestiones de Método”, em Crítica de la Razón Dialéctica (Buenos Aires: Losada).<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<h4>NOTAS</h4><br />
<br />
* Professor Titular de Teoria Política, Faculdade de Ci?ncias Sociais, Universidade de Buenos Aires, e Professor Titular de Antropologia da Arte, Faculdade de Filosofia e Letras, UBA.<br />
<br />
**Traduç?o de Simone Rezende da Silva<br />
<br />
<u>Como citar este documento:</u> Grüner, Eduardo. <b>Leituras culpadas. Marx(ismos) e a práxis do conhecimento</b>. <i>En publicacion: A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas</i> Boron, Atilio A.; Amadeo, Javier; Gonzalez, Sabrina. 2007 ISBN 978987118367-8<br />
Acceso al texto completo: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/cap. 4.doc <br />
Descriptores Tematicos: Marxismo, Teoria Politica, Filosofia Politica, Pensamiento Critico, Conocimiento Cientifico <br />
<a href="http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/marix.html">ver índice del libro</a><br />
<a href="http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/cap.%204.doc">ver capítulo del libro</a>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2238446191934545949.post-62118166126299777812011-04-15T17:10:00.001-07:002011-04-15T17:10:20.750-07:00Idéia Sem MatériaUnknownnoreply@blogger.com